I João 5.18

Leitura: I João 5.1-21
Texto: I João 5.18

Amados irmãos em Cristo

O Cristianismo não é uma religião fundamentada em especulação ou suposição, mas em verdades absolutas e essenciais. O verdadeiro cristão não só conhece o evangelho de Cristo revelado na Bíblia, mas está convencido, pela fé, de que este evangelho é a verdade absoluta de Deus. 

A linguagem do crente não é a linguagem da dúvida ou da hipótese. O crente não diz: “Talvez seja verdade o que Deus diz”, ou: “Quem sabe Deus vai cumprir com a sua palavra”! Nada disso! O crente afirma com convicção: “Eu sei em quem tenho crido e estou convencido de que sua palavra é a verdade. Eu tenho certeza de que o Senhor é fiel para cumprir as suas promessas”!

O apóstolo João, conhecido como o apóstolo do amor, poderia também ser chamado de o apóstolo da verdade, em virtude da sua confiança e certeza nas promessas de Deus. Observe que o verbo “sabemos” ocorre 39 vezes na sua primeira carta. Somente aqui no capítulo 5 este verbo com os seus derivados (conhecemos, confiança, estamos certos) aparece 8 vezes (vss.2,14,15,18,19,20). No contexto dessa carta, esse verbo traz a ideia da certeza de que a palavra de Deus é a verdade, de que suas promessas são seguras e de que Jesus Cristo é um Salvador perfeito em sua pessoa e obra. 

Note que João usa o verbo no plural indicando que a sua certeza é a nossa certeza também. Do que nós temos certeza, meus irmãos? Qual é a nossa convicção como crentes? De acordo com I João 5, nós temos a certeza de que todo aquele que é nascido de Deus ama a Deus e aos irmãos (vss.1-5,2); temos a certeza de que Jesus Cristo é Deus e de que pela fé nele temos a vida eterna (6-13,13); temos a certeza de que Deus responde às nossas orações quando oramos conforme a sua vontade (14,15); temos a certeza de que Deus pode salvar pessoas da morte através das nossas orações, desde que tais pessoas não cometam o pecado para a morte (vss.16,17 – apostasia e blasfêmia contra o Espírito Santo).  

Temos também a certeza de que somos de Deus e que aqueles que são nascidos de Deus não vivem na prática do pecado e são guardados por Cristo das garras de Satanás (vss.18,19). Essa é a verdade preciosa que lemos no nosso texto de I João 5.18. Aqui, juntamente com o apóstolo João, confessamos e proclamamos a seguinte verdade acerca do evangelho de Cristo:  

ESTAMOS SEGUROS DE QUE JESUS CRISTO GUARDA NA SALVAÇÃO TODO AQUELE QUE É NASCIDO DE DEUS

 1. A primeira certeza do crente é que todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado. “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado”! Irmãos! Os dois versos anteriores (vss.16,17) referem-se ao pecado para a morte praticado pelos apóstatas que não nasceram de novo. Este pecado tem a ver com a rejeição consciente e voluntária a Cristo que mantém o pecador em sua incredulidade – Mt.12:28). Ao contrário destes, o crente que nasceu de novo está longe de cometer tal pecado e não vive na prática o pecado. 

O que João quer dizer com isso? Que verdade ele afirma aqui acerca daqueles que nasceram de novo da parte de Deus? Pelo fato de João literalmente dizer que o nascido de Deus “não peca” segundo uma tradução possível do texto original, alguns estudiosos entendem que ele está se limitando ao pecado para a morte, no sentido de que o regenerado é incapaz de cometer o pecado da apostasia, pois Deus o guardará disto. 

Embora isso seja verdade, é mais provável que João esteja falando aqui de algo que ele já tinha afirmado anteriormente (ver I João 3.9). Ambos os textos são usados para defender a falsa doutrina do perfeccionismo (a ideia de que o regenerado não pode mais pecar). O perfeccionista afirma: “Como cristão regenerado não posso mais pecar. Sou incapaz de pecar; é impossível para mim viver no pecado”!

Contudo, todo o contexto da primeira carta de João mostra que não é isso que o apóstolo está ensinando. Observe o contexto imediato do nosso texto. Se aquele que é nascido de Deus não é mais capaz de pecar, por que João nos exortou a orar por um irmão que, de fato, caiu em pecado para que Deus o restaure? (v.16). Tal exortação seria ridícula e sem sentido, se ele estivesse ensinando aqui que o cristão é incapaz de pecar! 

Além disso, no início desta carta João assumiu que o pecado é uma realidade na vida do crente, pois este deve reconhecer e confessar o seu pecado a Deus (I Jo.1.8-10; 2.1). 

Teologicamente, há três condições do homem em relação ao pecado: 1) antes da queda, o homem podia não pecar; 2) após a queda, o homem não pode não pecar; 3) na glória, o homem não pode mais pecar. Vivemos, neste momento, na segunda condição, ou seja, não há quem não peque; estamos todos sujeitos ao pecado. É impossível para nós não pecar.

Então, o que João está nos ensinando aqui?  Tanto aqui em I João 5.18 quanto em I João 3.9, o apóstolo está afirmando que o cristão nascido de Deus não vive mais na prática do pecado; ele não continua mais vivendo amigavelmente com o pecado. O pecado e o cristão não combinam mais, são agora incompatíveis. Eles podem até se encontrar ocasionalmente, mas não podem mais conviver em harmonia.

João nos ensina aqui que os nascidos de Deus estão num estado totalmente oposto ao dos incrédulos. Os que não nasceram de Deus estão na carne e jazem no Maligno. São escravos do pecado e de Satanás. Estão sob o domínio do Maligno e praticar o pecado é o seu estilo normal de vida; conviver com o pecado é natural e até agradável para eles. Mentir, roubar, odiar, adulterar, viver na idolatria, desprezar o Dia do Senhor e desonrar o seu nome são ações normais e comuns para os ímpios. 

Por outro lado, os cristãos regenerados foram tirados desse estado de escravidão pelo próprio Deus. Eles não vivem mais nas trevas da desobediência, mas agora andam na luz do Senhor em santidade. Eles se deleitam agora não em pecar, mas em guardar os mandamentos de Deus. 

É bem verdade que eles podem cair em pecado e até cometerem pecados graves, mas eles não se deleitam nestes pecados nem se mantém neles tranquilamente. Pelo contrário, o Espírito Santo que neles habita os faz se entristecer com seus pecados, além de confessá-los e abandoná-los. 

Cair em pecado esporadicamente é uma coisa; agora, viver em pecado continuamente é outra totalmente diferente. Então, toda pessoa que nasceu de novo, não continua a pecar sem se arrepender. Sua condição agora não é de rendição ao pecado, mas de resistência ao pecado. 

Sendo assim, como você sabe que é nascido de novo? Como você tem a certeza de que é um verdadeiro filho de Deus? Pare por um momento, sonde o seu coração e avalie a sua vida! É impossível que você passe um dia sem pecar! Mas como você lida com os seus pecados a cada dia? Com a hipocrisia e o remorso de Judas? Ou com o arrependimento sincero de Pedro? Com a indiferença dos crentes laodicenses? Ou com a confissão contrita dos ninivitas? 

Se você tem persistido no pecado, se você tem agasalhado o pecado em seu coração e se rendido a alguns pecados específicos, sem se arrepender e pior que isso, se você está se deleitando nestes pecados, então, você precisa nascer de novo! Nesse caso, volte-se para o Senhor com arrependimento e clame por sua misericórdia para que ele opere em você o lavar regenerador do Espírito Santo. 

Somente assim você pode viver não mais num estado de escravidão e constância no pecado, mas lutando e vencendo o pecado em sua vida com a ajuda que vem do Senhor! Não é com base em nossa própria força, mas em nossa união com Cristo pela fé que podemos vencer o pecado e o mundo (ver I João 5.4,5).

2. A segunda certeza do crente é que o Senhor o guarda na salvação. “Aquele que nasceu de Deus o guarda…”! Essa frase é de difícil interpretação! Algumas versões bíblicas apresentam traduções distintas que mudam o significado do texto. Uma tradução diz assim: “Aquele que nasceu de Deus se guarda – cuida de si mesmo”, indicando a responsabilidade do crente de vigiar contra o pecado como é o caso de I João 5.21 (guardai-vos). O cristão se guarda de pecar, pois essa é a reação natural de quem é gerado de Deus e participa da sua natureza.

Outra tradução afirma: “Aquele que nasceu de Deus o guarda”, indicando que Aquele que nasceu de Deus é Jesus e não o cristão. Ou seja, não é o cristão quem guarda a si mesmo, mas é Cristo quem o guarda. É o Filho de Deus quem o mantém seguro na salvação. Aquele que nasceu de Deus guarda todo aquele que é nascido de Deus.

Não é que essas versões distintas se contradigam, pois ambas as interpretações são verdadeiras. Na santificação do crente, ele tem a responsabilidade de se guardar do pecado (v.21), ao mesmo tempo em que isso só é possível pelo poder de Deus (Filip.2.12,13). 

É mais provável que a ênfase de João aqui seja na proteção de Cristo, razão pela qual o Maligno não tem poder sobre o crente. Isso também combina com o que João já tinha dito no seu evangelho no capítulo 17.12, onde Cristo em sua oração sacerdotal garante proteger os seus discípulos e guardá-los na salvação: “Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, protegi-os, e nenhum deles se perdeu…”!  

Aquele que foi gerado pelo Pai (Cristo) guarda na salvação todo aquele que é nascido de Deus (cada cristão). Jesus mantém seus olhos sobre nós para nos livrar do mal do pecado e das garras do Maligno e do mundo. Lembre-se que João está escrevendo para cristãos cercados pelas ciladas dos inimigos e lutando contra o mundo, sua própria carne e contra as mentiras dos anticristos acerca da pessoa de Cristo e da vida cristã. Aqueles primeiros cristãos precisavam muito do amparo de Cristo para permanecerem firmes e perseverantes nos caminhos do Senhor. 

Que privilégio o nosso, meus irmãos, contar com a certeza do poder protetor de Cristo para nos livrar de pecar contra ele e de se perder no pecado e nas garras do diabo. Enquanto os ímpios jazem no Maligno, aqueles que pertencem ao Senhor são guardados por ele na salvação. Cristo mesmo garantiu a proteção das suas ovelhas não só em sua oração sacerdotal, mas também no seu ensino como lemos em João 10.28: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”!  

Jesus, nosso bom e supremo Pastor, não deixará se perder uma sequer das suas ovelhas, não permitirá vacilar os nossos pés e nem que sejamos seduzidos ou devorados pelas investidas de Satanás! Se existe um lugar seguro par estarmos, este lugar, aqui e agora e no porvir, são as mãos graciosas e poderosas de Cristo. 

Essa é uma das doutrinas mais consoladoras do Novo Testamento! Louvado seja Deus! Quando estamos cientes e convictos da nossa fraqueza e desamparo neste mundo mau, encontramos paz em saber que estamos guardados nos braços de Cristo, de modo que nada nem ninguém nos afastará dele. Ele não morreu por nós para nos abandonar à própria sorte! Pelo contrário! Aquele que completou a boa obra em nós, ele mesmo vai completá-la no dia final (Filip.1.6).

Sendo assim irmãos, tenhamos a certeza de que não importa onde estamos ou quão difícil sejam as circunstâncias que nos rodeiam, Cristo nos ama com amor eterno e tem cuidado de nós! Ele não nos promete livrar da aflição, mas nos garante guardar na salvação até o fim. Podemos afirmar com Judas, irmão do Senhor, que Jesus é para nós “aquele que é poderoso para nos guardar de tropeços e nos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória…” (Judas 24)!  

3. A terceira certeza do crente é que o Maligno não lhe toca. “E o Maligno não lhe toca”! Irmãos! Esse é o resultado lógico da afirmação anterior. Porque Cristo nos guarda, Satanás não tem poder sobre nós. Observe que João se refere ao Diabo como o Maligno. João usa esse adjetivo como se fosse um nome próprio de Satanás, o que indica que o diabo é um ser real e essencialmente mau. 

Seu alvo é um só: afligir e destruir os filhos de Deus. O mundo já está sob o seu domínio (v.19). Suas investidas são contra os filhos de Deus. Ele mente para os crentes (Gn.3.2), impõe sofrimento (2 Co.12.7-9), seduz ao orgulho (1 Cr.21:1). Ele anda em derredor como um leão que ruge, procurando alguém para devorar (I Pedro 5.8).

Mas Jesus se manifestou para destruir as obras do diabo (3.8) e já declarou a nossa vitória sobre o Maligno (2.13,14). Cristo é a razão e o segredo da nossa vitória. Ele mantém seguros os filhos de Deus (5:18). É claro que não devemos subestimar Satanás, negar seu caráter maléfico e tentador e nem tampouco dar lugar a ele. Ao mesmo tempo, não devemos temê-lo, pois Cristo já destruiu as obras do diabo e guarda os seus das suas investidas. Não quer dizer que não sejamos tentados e que ocasionalmente não possamos nos iludir com o diabo. 

Mas o ponto aqui é que ele não pode nos tocar, no sentido de se impor sobre nós e nos tirar de Cristo. O significado normal de tocar é colocar a mão levemente sobre alguém ou alguma coisa; porém, este não é o significado desta palavra aqui no texto. “Tocar” talvez não seja a melhor tradução aqui. João usou este mesmo verbo em João 20.17 quando Maria Madalena se agarrou a Jesus ressuscitado e foi por ela repreendido: “não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai…”! Ela abraçou a Jesus e se apossou dele como se estivesse impedindo-o de voltar para o Pai.

A mesma ideia ocorre aqui no nosso texto. Tocar é deter, apegar-se, agarrar alguém no sentido de dominá-lo. É como um lutador que imobiliza o seu oponente, dominando-o e vencendo a luta. O sentido, portanto, é que Satanás não pode mais exercer domínio sobre nós. Ele pode até nos tocar no sentido de nos tentar e nos afligir com suas investidas maldosas. Contudo, ele não pode nos ter de volta em suas garras, apossar-se de nós e nos deter. Pois agora somos de Cristo que já venceu o Maligno e nos livrou dele. Satanás não pode nos impedir de voltar para a casa do Pai, pois é Cristo mesmos quem está nos conduzindo para lá em triunfo!

Amados! A redenção do Senhor é perfeita e não pode ser desfeita por nada ou ninguém. Somos filhos amados do Deus vivo, pertencemos a Cristo e nascemos de novo pelo Espírito Santo! Se o Deus Triúno é por nós, quem será contra nós? Quem intentará acusação contra nós? Quem nos condenará? Quem nos separará do amor de Deus? 

Eis a resposta segura e convicta de todo crente: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, em os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rom.9.38-39).

Sabemos disso, meus irmãos! Consolamos o nosso coração na certeza de estamos seguros nos braços de Cristo, pois ele mesmo nos guarda de pecar e de ser dominado pelo diabo! Em Cristo, somos mais que vencedores, pois maior é aquele que está nós do que aquele que está no mundo!  

Ao mesmo tempo, meus irmãos, tal certeza da segurança da nossa salvação em Cristo não deve nos acomodar na fé ou nos tornar crentes relaxados na luta contra o pecado e o diabo! Pelo contrário, deve nos encorajar a crescer em santificação e estar atentos e vigilantes para progredir em nossa vida cristã! 

Daí a nossa responsabilidade de usarmos fielmente os meios de graça que o Senhor prover para nós (Palavra, oração, comunhão, sacramentos). Revistamo-nos, pois, do poder e da armadura de Deus para vencermos o pecado e o Maligno na força que vem de Cristo (Efésios 6.10-20)! Amém!  

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Elissandro Rabêlo

Bacharel em Teologia pelo CETIRB – Centro de Estudos de Teologia das Igrejas Reformadas do Brasil (Atual Instituto João Calvino) (1999-2004). Fez Convalidação de Teologia na Universidade Mackenzie em São Paulo (2017). Ministro da Palavra e dos Sacramentos da Igreja Reformada do Grande Recife (PE), servindo como Missionário da Igreja Reformada em Fortaleza (CE).

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.