Leitura: Jó 1, Mateus 4.1-11, Efésios 6.10-20
Texto: Dia do Senhor 52
Irmãos em nosso Senhor Jesus Cristo,
Ao continuarmos em nosso estudo da Oração do Senhor, queremos lembrar que nosso propósito em dedicar este tempo de seis ou sete semanas para estudar esta oração é para que, por esse meio, possamos aprender a orar, ou crescer em nossa habilidade de orar bem. Estamos reconhecendo que a oração é uma parte superimportante da vida cristã – na verdade, é de muitas maneiras o pulso pelo qual a vida cristã é medida, e é a fonte de nossa força espiritual. E por isso queremos aprender a orar bem, a não permitir que nossas orações se tornem uma parte pequena e superficial de nossa vida cristã que não faz grande diferencia em nossas vidas; mas, pelo contrário, queremos utilizar este meio que Deus nos deu para conhecê-lo, para no aproximar mais a Ele, e para ser mudado e transformado por Ele. Queremos aprender a orar de forma que possamos dizer: nada faz maior diferença em minha vida do que a oração. Nisto, podemos facilmente olhar para o exemplo do próprio Jesus e ver quanto tempo Ele dedicou à oração, como ele priorizou a oração e como, através da oração, Ele manteve uma convicção firme da vontade de Seu Pai para Ele. É isso que a oração faz.
Então, o objetivo do nosso tempo que temos gasto estudando a oração do Senhor não é que possamos simplesmente recitar esta oração palavra por palavra, mas sim para que esta oração, como um modelo para a oração, realmente molde, transforme e dê vida e profundidade e sabedoria a todas as nossas orações. Ao examinarmos essas seis petições, talvez elas tenham nos ajudado já pra ver que existem coisas que Cristo nos ensinou a orar, mas de fato não oramos com muita freqüência; assuntos que realmente não pesam em nossos corações e mentes como deveriam. Então assim, estudando a oração do Senhor, aprendemos a orar e crescemos na prática da oração.
Dito isso, então, agora chegamos na última petição da oração do Senhor, que é: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.”
Agora, vocês podem notar que esta oração tem duas partes: “não nos deixes cair em tentação” e “livra-nos do mal – ou do maligno.” Podemos ver isso como os dois lados da mesma moeda, que nos ajudam a interpretar cada lado: quando oramos “não nos deixes cair em tentação”, estamos orando para que Deus nos livre do mal, e vice-versa.
Você notará também que há diferenças nas traduções sobre se a segunda metade – “Livra-nos do mal” que pode ser traduzida como “o mal” ou “o maligno.” No grego original, o texto diz “o mal”, mas geralmente é uma referência ao Maligno, ou seja, Satanás, o diabo. Vemos isso especialmente no restante do ensino de Jesus nos Evangelhos – Ele fala muito sobre Satanás e o poder de Satanás sobre as pessoas. E particularmente no contexto da tentação, lembramos que Jesus foi especificamente tentado por Satanás no deserto por quarenta dias e quarenta noites – e permaneceu fiel nessa tentação de forma que Deus o livrou dos desígnios de Satanás. Então, no contexto dos ensinamentos de Jesus, é correto entender isso não apenas como “o mal” em geral, mas como “o maligno,” ou seja, Satanás.
Isso significa que, se quisermos entender bem esta petição, precisemos entender primeiro quem ou o que é Satanás, e o que ele faz no mundo e o que ele pode fazer em nossas próprias vidas. Jesus nos ensina a orar para sermos livrados deles, e talvez a maioria de nós nem mesmo pensa em Satanás ou demônios, ou sobre o papel que eles têm nas coisas que acontecem no mundo, ou a ameaça que eles representam para nossos próprias vidas como cristãos.
Obviamente, a menção de Satanás nos ensina que o mundo em que vivemos não é apenas físico, mas também espiritual. A Escritura nos ensina que Deus é Espírito, e que a criação que Deus fez tem uma dimensão espiritual e uma dimensão física. Dentro dessa dimensão espiritual estão os seres espirituais, criados por Deus, que chamamos de anjos. A Escritura também nos ensina que alguns desses anjos se rebelaram contra Deus e se tornaram inimigos de Deus. O principal entre esses demônios é aquele que as Escrituras chamam de Satanás ou o diabo. Agora, quando pensamos em Satanás, não devemos pensar no desenho popular de um homem em roupa vermelha, com chifres, um rabo, e um forcado. A Escritura não ensina nada disso. Nem devemos imaginar que Satanás é quem reino no inferno e lá tortura os condenados; pelo contrário, o inferno é o lugar da ira de Deus, e Satanás mesmo tem todo terror do dia em que ele será lançado no inferno pelo julgamento justo de Deus. Mas a Escritura ensina que ele é um anjo, um anjo caído, em rebelião contra Deus – um ser espiritual que exerce poder, que deseja governar sobre a criação em oposição a Deus.
Foi Satanás quem, na forma de um serpente, enganou Eva e a levou a cometer pecado contra Deus, trazendo assim a ruína sobre a raça humana. E desde então, Satanás tem trabalhado no mundo, exercendo domínio sobre o mundo. Em Deuteronômio 32, Moisés descreve como Deus dividiu todos os povos no mundo e os subjugou por baixo do domínio de Satanás e seus aliados, mantendo apenas o povo de Israel como o povo da sua herança. Assim, Satanás reinou sobre o mundo inteiro durante o tempo do Antigo Testamento (ainda debaixo da soberania de Deus, é claro). É por isso que ele é chamado no Novo Testamento de “o príncipe das potestades do ar” e o “governante deste mundo.” No texto que nós lemos em Mateus 4, você nota que Satanás mostrou a Jesus todos os reinos do mundo e se ofereceu para dá-los a Jesus se Ele simplesmente se curvasse e o adorasse. E você percebe que Jesus não contesta a reivindicação de Satanás sobre as nações. Jesus estava determinado a tomar essas nações do domínio de Satanás para o domínio de Deus, mas por enquanto, elas realmente pertenciam ao governo de Satanás. Satanás governava o mundo, mantendo as pessoas cativas sob o julgamento de Deus – usando a própria justiça de Deus contra elas, mantendo-as por baixo da condenação de Deus, e assim mantendo-as sob seu controle. Enquanto as pessoas permanecerem afastadas de Deus, sob o julgamento de Deus, Satanás tem o poder de governá-las, por medo da morte e desespero da misericórdia de Deus.
Como cristãos, especialmente no Ocidente, não podemos ser ingênuos sobre o poder e a presença de Satanás no mundo. É muito fácil para nós, numa sociedade cada vez mais secularizada e materialista, esquecer completamente a dimensão espiritual e esquecer que Satanás e os demônios existem e são ativos neste mundo. Embora nossa cultura está cada vez mais descartando a ideia de Satanás e os demônios como ideias primitivas ou supersticiosas, nós cristãos que cremos na Palavra de Deus não devemos ter vergonha do que a palavra diz, mas crer e reconhecer que esta dimensão é real e sim interfere neste mundo. Não que comecemos a ver demônios em cada esquina, e por trás de cada acontecimento, como alguns também fazem. (Existe um erro no outro extremo também.) Mas que reconheçamos que estamos realmente em uma batalha espiritual, que nossos inimigos neste mundo não são apenas carne e sangue, mas governantes, autoridades, poderes das trevas e forças espirituais do mal (para usar a linguagem de Efésios 6).
E devemos ser capazes de reconhecer isso em nosso próprio mundo também. O apóstolo Paulo certamente reconheceu isso em relação à idolatria – em 1 Coríntios, ele exorta os cristãos a não se envolverem com seitas e falsas religiões, porque por trás de ídolos e falsos deuses existem demônios que desejam dominar o coração de seus adoradores. Ele não viu apenas religiões humanas, mas sim enganos espirituais. Ou, em outro lugar, ele escreve ao jovem pastor Timóteo e o adverte (1 Timóteo 4:1): “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios.” Quando olhamos para seitas como o culto de Joseph Smith, os mórmons – quando Joseph Smith disse que tinha recebido revelações de anjos, mas essas revelações foram contrárias à Palavra de Deus, devemos reconhecer que isso não é meramente um erro humano, mas um engano de origem espiritual. Devemos reconhecer o mesmo em relação ao Islã. Se reconhecermos isso, isso afetará a maneira como combatemos essas religiões e a maneira como compartilhamos o evangelho com seus seguidores. Reconhecemos que não é meramente uma questão de persuasão humana, mas a nossa responsabilidade principal para com essas pessoas é orar por elas e confrontá-las com a palavra de Deus, para que Deus faça o que somente Deus pode fazer para libertá-las dos laços espirituais, dos quais nós mesmos não somos capazes de libertá-las.
E o mesmo é certamente verdade em nossa época secular também. Se você olhar para a indústria da pornografia, ou a indústria do aborto, ou os vários movimentos sexuais ou aqueles que estimulam o ódio e divisão racial, estes não são apenas movimentos humanos. Queremos reconhecer que existe uma poderosa dimensão espiritual em ação e que nossos esforços, se fossem dirigidos somente contra à dimensão humana e não forem marcados pela oração, serão em vão. A nossa luta não é contra o sangue e a carne.
E esse reconhecimento nos leva a uma vida de oração. Quando reconhecemos que existem forças espirituais que são mais poderosas do que nós, e que estão ativas e envolvidas neste mundo, e determinadas também a tirar a lealdade de nosso coração de Cristo e nos fazer falhar em nossa fé – então seremos levados mais fervorosamente a fazer esta oração diante de Deus.
Agora, pode ser útil para nós perguntarmos também, se tais seres existem e são ativos em nosso mundo, o que eles são realmente capazes de fazer? Será que um demônio poderia me possuir de repente? Eles são capazes de controlar nossas mentes? Eles são capazes de implantar certos desejos?
Essas são perguntas difíceis, e só podemos tentar respondê-las trabalhando com o que as Escrituras nos revelam. (1) Claramente, Satanás e os demônios são capazes de possuir e controlar pessoas. Vemos isso em muitos lugares nos Evangelhos, onde Jesus freqüentemente expulsava demônios daqueles que estavam possuídos por eles. Talvez alguns de vocês já tem visto pessoas que realmente foram possuídas por demónios, que não tem outra explicação.
(2) Ao mesmo tempo os demônios claramente não podem possuir quem eles quiserem. Eles não são onipotentes. Também nos dias de Jesus, mesmo naquela cultura pagã, eles não possuíam todo mundo, mas apenas algumas pessoas. Ainda era uma coisa extraordinária.
(3) Satanás e os demônios também têm a capacidade de falar com as pessoas – seja por meio de uma forma visível, quando vemos Satanás falando com Eva no jardim, ou por uma voz audível, ou às vezes de maneiras mais sutis, implantando pensamentos ou desejos no coração de uma pessoa. Pensamos no que os Evangelhos dizem sobre Judas, que Satanás colocou no coração de Judas a traição de Jesus. Ou podemos pensar no que Pedro disse a Ananias em Atos 5: “Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?”
(4) Mas neste aspecto também, Satanás e os demônios não têm poder ilimitado. Eles não têm livre acesso às nossas mentes ou aos nossos corações, mas apenas entram quando, de alguma forma, lhes é dado espaço ou um ponto de apoio. Quando Jesus expulsou demônios em uma instância em Lucas 11, ele usou a ilustração de uma casa, e disse que se o demônio for expulso, um novo dono deve entrar (falando sobre o Espirito Santo); caso contrário, se a casa for deixada vazia, o demônio a encontrará varrida e limpa, mas vazia, e retornará com outros sete espíritos mais malignos do que ele, e tomará a casa mais uma vez, e o estado daquela pessoa será pior do que isso foi antes de o demônio ser expulso. Satanás e os demônios não têm poder sobre um coração cheio do Espírito.
Da mesma forma, o apóstolo Paulo nos avisa em Efésios 4 para não sermos controlados pela raiva, para não dar lugar ao diabo. Ou, em outro lugar, ele adverte maridos e esposas para não se separarem por muito tempo “para que Satanás não vos tente por causa da incontinência.”
Então, Satanás e os demônios não têm livre acesso a nossos corações ou mentes, mas devemos estar cientes de que eles desejam acesso e vão sim entrar onde encontrarem acesso. É por esta razão que Jesus nos ensina esta oração, que Deus não nos deixe cair em tentação, mas nos livre do mal. É um reconhecimento de que nosso inimigo deseja nos ter, e que, se não formos cheios do Espírito de Deus, o que requer tempo em Sua Palavra, tempo em oração e tempo em comunhão com o povo de Deus, nos tornamos vulneráveis ao Seu ataques.
É por esta razão que o apóstolo Paulo também fala em revestir a “armadura espiritual” para esta batalha espiritual. Se de fato nossa batalha não é contra sangue e carne, mas contra poderosas forças espirituais, então nossa defesa não é principalmente um Smith & Wesson ou AR-15, nem nossa defesa será principalmente argumentos lógicos que apelam à razão humana (embora todas essas coisas têm seu lugar), mas nossa defesa principal deve ser espiritual, pois nosso inimigo principal é espiritual. Então Paulo fala em revestir a armadura de Cristo:
- Paulo fala sobre “o cinto da verdade” – nós defendemos a verdade, e Satanás é o Senhor das mentiras e do engano. Ele não tem poder contra a verdade. Num mundo que está cheio de mentiras e que nega a Deus, nós devemos ser um povo da verdade, porque nosso Pai é o Deus da verdade. Tudo o que falamos, tudo o que compartilhamos na mídia social, deve ser verdade. E devemos sempre crescer em nosso entendimento e compreensão da verdade do evangelho.
- Paula fala sobre “a couraça da justiça” – isto é, a justiça que recebemos de Cristo. Em Cristo, eu sou justo. A ferramenta principal de Satanás pela qual ele controlava o mundo, é a condenação—usando a justiça de Deus contra mim. Mas apesar de todas as acusações de Satanás, em Cristo, eu sou justo. Essa é minha defesa contra todos os ataques de Satanás.
- Paulo menciona, como sapatos para nossos pés, “a prontidão do Evangelho da paz” – veja, o Evangelho tem pés. O Evangelho age. Nós não só ficamos aqui, lutando contra os poderes demoníacos por nós mesmos, mas saímos, ministrando o Evangelho e a graça de Deus aos outros. Isso também significa que somos um povo de paz. Não saímos pelo mundo provocando conflitos, mas promovendo a paz que temos em Cristo. (Pense novamente no que Paulo diz sobre a raiva – não deixe o sol se pôr sobre a sua raiva, para não dar lugar ao diabo.) Em toda a nossa luta contra o mal, temos que conquistar a raiva que muitas vezes sentimos, pela paz de Deus. Se nos deixamos cair em raiva e ódio, Satanás já venceu.
- Paulo fala sobre “o escudo da fé” – a mesma ideia que a couraça da justiça. Nossa fé é um escudo e, como um escudo, precisa ser mantida no local de onde vêm os ataques.
- “O capacete da salvação” – é o que está na nossa cabeça, ou seja, é a nossa identidade, é quem somos, um povo salvo por Deus. E esse conhecimento nos protege de todos os ataques de Satanás.
- “A espada do Espírito, que é a palavra de Deus” – a espada do espírito é especificamente identificada como a palavra de Deus. Não empregamos o espírito em meios místicos, não atacamos o diabo através de formulários e exorcismos inventando por homens, mas lemos, ouvimos, e falamos a Palavra de Deus uns aos outros. Esta é a espada que conquista o poder de Satanás.
- Você percebe que foi exatamente assim que Jesus respondeu às tentações de Satanás em Mateus 4 – respondendo com a Palavra de Deus, como uma espada que neutraliza os ataques de Satanás a cada golpe.
- E, é claro, para fazer isso bem, nós temos que conhecer a Palavra de Deus. Você vê Jesus em Mateus 4 tão encharcado com a Palavra de Deus—a Palavra ficou tão intimamente escrita em Seu coração—que Suas respostas vêm de forma natural e instintiva a Ele.
Então, Jesus nos ensina a fazer esta oração – “Não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do maligno” – porque Jesus entendeu que existe uma dimensão espiritual e muito poderosa. Nosso maior inimigo é espiritual, e nos encontrará particularmente por meio da tentação.
Agora, além do diabo e das forças espirituais que estão sob Seu controle, o catecismo reconhece que também estamos sujeitos aos ataques do mundo e às concupiscências e tentações de nossa própria carne.
O mundo que está sob o governo de Satanás se opõe a Deus e está determinado a extinguir o conhecimento de Deus deste mundo. Por isso a igreja, e os cristãos, sempre serão um alvo particular para os ataques do mundo. Jesus advertiu seus discípulos, (João 15:18) “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim…Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros.” E os cristãos em quase todos os séculos e em quase todas as partes do mundo tem experimentado esse ódio e oposição. Mesmo na Europa medieval, quando você poderia supor que o império da cristandade teria fornecido um lugar e uma época segura para ser um cristão, nunca era tanto assim. Podemos pensar nos primeiros reformadores como Jan Hus e outros que foram queimados na fogueira por seus esforços para trazer reforma espiritual à igreja.
Um mundo que está em rebelião contra Deus e em negação de Sua verdade, odiará e perseguirá aqueles que O honram e afirmam Sua verdade, porque os cristãos são a evidência da verdade de Deus neste mundo. Se você pensa que não é tão ruim assim, o mundo é bonzinho para nós, então pergunte aos cristãos do primeiro século, ou pergunte aos cristãos ao redor do mundo hoje que sofrem perseguição. Esse ódio nem sempre é pessoal, mas é um ódio contra nossa identidade como cristãos e um desejo de exterminar essa identidade. E certamente isso existe hoje também. Onde eu fiz universidade, de vez em quando eu vi adesivos nos carros dizendo “Tantos cristãos, e tão poucos leões.” Até recentemente, temos aproveitado um certo alívio por causa do efeito do próprio cristianismo em nossa cultura. Mas certamente esforços estão sendo feitos para colocar o cristianismo em conformidade com os valores seculares e humanistas, ou—se não conseguir isso—fazer o cristianismo marginalizado, ou expulsado totalmente do país.
Então, embora vivamos em um país onde sejamos livres para adorar a Deus, e damos graças a Ele por isso, reconhecemos que foram as convicções cristãs que nos deram essa liberdade em primeiro lugar. Mas reconhecemos também que essas liberdades podem acabar. Ainda vivemos em um mundo que se opõe a Deus e, portanto, também a nós.
Agora, a nossa resposta a isso não é reclamar ou ficar chateado, nem menos brigar com todos ao nosso redor, mas sim somos chamados a responder com a graça e a misericórdia de Cristo, para mostrar o Evangelho vivo em nós, mostrando compaixão e misericórdia para com o mundo ao nosso redor, incluindo aqueles que nos desprezam ou desprezam a nossa fé.
Então quando fazemos esta oração, “não nos deixes cair em tentação,” pelo menos parte dessa oração é que Deus nos ajude, quando enfrentamos a oposição do mundo, a não capitular sob a pressão e nos conformamos ao mundo; mas também para não responder na mesma moeda ao mundo, odiando-os ou ficando cheio de raiva contra eles; antes que nós, como cristãos, permaneçamos firmes em nossa fé e reflitamos a graça do Evangelho para com eles.
Finalmente, o catecismo também reconhece que estamos lutando contra a nossa própria carne. As tentações nem sempre vêm do diabo, nem sempre são o resultado da pressão do mundo; às vezes, talvez na maioria das vezes, eles se originam de nossa própria carne. Embora tenhamos sido libertos por Cristo do antigo modo de vida, e devamos nos considerar mortos para o pecado, a realidade é que ainda é uma batalha, todos os dias da nossa vida. Desejos e impulsos pecaminosos estão profundamente enraizados em nossa carne, seja concupiscência sexual, ou impulsos de raiva e briga, ou orgulho, ou ganância, ou inveja. Tudo isso apresenta um fluxo constante de tentações que nem sempre percebemos até que, muitas vezes, seja tarde demais.
E isso também nos leva a orar com um senso de urgência, “não nos deixes cair em tentação.” Mesmo sem o diabo, mesmo sem a oposição do mundo, lidar apenas com a minha própria carne é difícil o suficiente, e eu não terei sucesso na luta contra o pecado por minhas próprias forças. Eu preciso da ajuda de Deus. Eu preciso que o Espírito de Deus esteja vivo e operando em mim, ajudando-me a ver a bondade dos caminhos de Deus e a vacuidade e tolice do pecado.
——
Agora, há um enigma teológico nesta petição que queremos pensar por um momento: a maneira como a oração é redigida – tanto em Mateus quanto em Lucas – é uma oração a Deus para “não nos levar à tentação” – e isso nos faz perguntar: Será que Deus leva as pessoas à tentação? Essa é a natureza de Deus?
Isso é particularmente difícil porque as Escrituras nos ensinam que o próprio Deus nunca tenta as pessoas. O apóstolo Tiago escreve,
Tiago 1:13: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta.”
Mas se Deus não tenta as pessoas, então por que fazer esta oração? Por que Jesus nos ensinou a orar “Não nos leves em tentação” se Deus nunca leva ninguém à tentação?
Acho que a explicação mais simples para este enigma é simplesmente reconhecer que, embora o próprio Deus nunca tente ninguém, Ele ainda é soberano sobre as nossas vidas, eàs vezes Ele deixa as pessoas em uma situação em que certamente serão seduzidos por seus próprios desejos e cairão. Não é exatamente isso o que acontece toda vez que pecamos? Dentro da soberania de Deus, entramos em situações em que somos tentados, e então, por causa de nossos próprios desejos e dos inimigos que estão contra nós, caímos, por nossa própria falha moral. Deus não é quem nos tenta, mas Deus é quem nos guia, nos protege, ou—quando não vigiamos—às vezes nos deixa cair em nossas tentações. Às vezes Deus nos deixa em lugares onde somos vulneráveis à tentação e, cedendo aos nossos próprios desejos, pecamos.
É assim que James também explica a fonte da tentação. Novamente, ele diz em Tiago 1:13-15:
Thiago 1:13–15: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.”
Deus não nos dá o desejo pecaminoso—isso sim vem do nosso próprio coração—mas Deus pode nos deixar em situações onde nossos desejos e nossa falta de preparação e vigilância vai nos levar ao fracasso. Só Deus conhece as razões para isso – talvez Deus usa estes momentos para mostrar a seriedade dos desejos pecaminosos que ainda existem dentro de nós, ou a seriedade da ameaça dos nossos inimigos espirituais.
É disso que trata esta oração. É a oração do pecador que foi perdoado pela graça de Deus, mas que sabe quão grande é o seu pecado, quão fortes são as forças armadas contra ele, e quão fraca é a sua própria carne, e que portanto clama a Deus: “Não me traga ali! ” “Não me deixe cair em tentação”, porque sei que não sou forte o suficiente para suportá-la.
E com isso, temos que lembrar a segunda parte desta oração, que é o corolário desse pedido: “não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno.”
Em outras palavras, “Deus, se for a sua vontade que eu seja provado e testado por tentações, então, por favor, seja a minha força e conduza-me através da tentação, para que eu não caia. Porque eu sei que sem a Tua ajuda, certamente vou cair.”
E irmãos, Deus ouve essa oração e a atende. O Apóstolo Paulo disse aos Coríntios em 1 Coríntios 10:13: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.”
Então quando fazemos esta petição, estamos orando pelo que Deus já prometeu que Ele nos dará quando pedirmos a ele. Se não orarmos, não podemos contar com a ajuda de Deus. Mas se orarmos – com freqüência e fervor – Deus promete que não nos deixará cair. Ele proverá o livramento.
Uma última palavra:
Para que possamos fazer essa oração com integridade, devemos usar os meios que Deus nos deu para permanecer firmes contra as tentações que nos cercam.
Alguns dos meios que Deus nos deu são (1) Sua palavra: nunca vi um cristão que negligencia a Palavra de Deus e ainda conseguiu ficar forte contra a tentação. Não existe. (2) Os cultos de adoração: poucas coisas fortalecem a nossa firmeza na luta contra o pecado mais do que estar aqui no momento de adoração, refletindo na glória e na santidade de Deus, e cantando juntos com os irmãos—especialmente os salmos que sempre tem fortalecido os santos através de muitas lutas e batalhas; e também (3) o encorajamento e a comunhão com os outros cristãos. As Escrituras têm muito a dizer sobre isso como uma ferramenta poderosa na luta contra a tentação.
Heb. 3:12–13: “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado.”
Para isso também temos os presbíteros da igreja, que são colocados como pastores sobre nós para o bem de nossas almas. Devemos usar esse meio como uma bênção de Deus. Resistir aos presbíteros é resistir ao próprio Deus e ficar sem defesa contra os ataques de Satanás. Então, deixe os presbíteros entrarem em sua vida, em sua casa, e no seu coração. Falem honestamente e abertamente sobre suas alegrias e tristezas, e também sobre suas lutas e suas falhas. Eu sei que muitas vezes pode ser difícil confiar nos presbíteros—isso é compreensível. Mas às vezes a única maneira de “quebrar o gelo” e construir o alicerce para um relacionamento saudável é dar o exemplo, ir primeiro, ser honesto, confiando que Cristo, que os designou e os colocou sobre você, não o fez por acidente.
Além disso, para esse fim, as verdadeiras amizades cristãs são um presente precioso de Deus. Se você não tem ninguém com quem possa realmente ser aberto e honesto sobre seus pecados e suas lutas, procure esse amigo e construa essa amizade na igreja. Não um amigo que sempre concorda com você, mas alguém que falará honestamente e estará disposto a discordar, e o ajudará a levar seu pecado à cruz de Cristo. Aqueles que têm amigos assim sabem quanto valem.
Portanto, usem esses meios! E Deus certamente os abençoará.
Então, irmãos e irmãs:
- considere a seriedade de nosso pecado;
- considere o quão perto você estava de cair para sempre, o “penhasco” do qual Cristo o resgatou na cruz;
- considere o perigo em que você estava, e ainda estaria, se não fosse por Sua graça;
- considere os inimigos que estão contra você mesmo agora: o diabo, o mundo e nossa própria carne caída.
E assim, clame a Deus, todos os dias, com um clamor sincero: “Não me deixes cair em tentação; mas livra-me do Maligno.” E então corra para Cristo, em quem você tem a salvação, e em quem você tem a promessa que Ele fez “Eu nunca te deixarei, nem te desampararei”. Volte-se para Ele, confie Nele, descanse Nele e dependa Dele diariamente, e Ele o fortalecerá, e o estabelecerá, e o confirmará, e o levará com Ele finalmente para a glória e perfeição celestial.
Jonathan Chase
O pastor John Chase é Missionário de Aldergrove Canadian Reformed Church nas Igrejas Reformadas do Brasil. B.A., Western Washington University, 2012; M.Div., Canadian Reformed Theological Seminary, 2016. Serviu anteriormente como pastor da Igreja Reformada de Elora em Ontario, Canadá nos anos 2016-2020.
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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.