Dia do Senhor 23

Leitura confessional: Dia do Senhor 23
Texto: Romanos 3:21-26

Meus irmãos,

A nossa pregação nesta manhã terá como tema a justificação, a justiça de Deus. Em nossos dias, praticamente não se houve mais esse assunto em muitas igrejas. Talvez se perguntássemos nas igrejas por aí afora o que significa “justificação”, eu penso que um silêncio tomaria conta do lugar.

Cada vez mais as igrejas têm enfatizado em sua pregação e ensino temas mais atrativos e que sejam mais interessantes para o homem contemporâneo, como: família, educação, amor ao próximo, e assim por diante. E, por outro lado, têm-se esquecido de lidar com o problema da condição do homem diante de Deus.

E, uma coisa é certa, quando diminuímos a importância de lidar com essa grave condição humana, nós diminuímos também a importância do socorro de Deus a este homem caído. Por isso, o evangelho em muitos lugares é fraco, não tem poder; porque não consegue apresentar ao homem as boas novas de Deus; mas entretenimento e engano.

Entretanto, nos dias da Reforma Protestante, a “justificação pela fé” foi uma das principais bandeiras, senão a principal, levantada pelos reformadores. Isso contra o falso ensino das indulgências e de toda prática que tirasse de Cristo o mérito de nossa salvação.

A doutrina da “justificação” é tão importante que levou Matinho Lutero a dizer que “A justificação pela fé é o artigo pelo qual a igreja fica de pé ou cai.” Em seus dias, a decadência da igreja era notória. A igreja tomou o lugar de Cristo e fez o que diz em Rm. 10:3: “Desconhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus.”

Quando um homem decide trazer a sua própria justiça ao tribunal de Deus, ele já incorreu na sua condenação, porque as suas obras o condenam. De cara, encontramos a declaração do Senhor Jesus no sermão do Monte: “Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20). O ponto é exatamente esse aqui. O tema da justificação lida com a questão de como um pecador pode se apresentar diante de Deus e ainda ser justificado.

A justificação é o coração do evangelho. Ela é o único caminho pelo qual o homem pode ser salvo. É por meio da justificação pela fé que um pecador pode ser aceito por Deus e assim ser considerado justo. Sendo assim, nesta manhã, vou pregar sobre a justiça de Deus, a nossa justificação, destacando três coisas:

  1. A justificação é em Cristo
  2. A justificação acontece como um ato declarativo
  3. A justificação tem sua fonte na graça de Deus
  4. a justificação é “em Cristo”
    Abra sua Bíblia no capítulo 3 de Romanos. Neste capítulo, o apóstolo Paulo, antes de falar sobre a justiça de Deus, ele descreve nossa condição. E o princípio estabelecido aqui é: “Todos estão debaixo do pecado”; “Não há um justo, nem um sequer.” São palavras conclusivas. Por natureza, estamos completamente perdidos.

Andávamos numa direção completamente contrária ao caminho de justiça requerido por Deus. Por natureza, somos mentirosos profissionais, assassinos natos, destruidores da paz e sem Deus no coração. Em qualquer tribunal em que houvesse justiça, seríamos condenados em todas as instâncias.

A lei seria a primeira a nos condenar. O nosso único direito seria o de ficar calado diante de todos, esperando a sentença de culpáveis diante do juiz. Porque o que simplesmente temos por nós mesmos para apresentar em nossa defesa são os nossos próprios crimes.

Isso para nos envergonhar e nos colocar em nossa verdadeira condição natural diante de Deus, a de condenados. Se podemos falar de nossa justiça, podemos falar em termos de culpados e condenados. Essa é a conclusão de Paulo na primeira parte desse capítulo três.

Mas, quanto maior a nossa desgraça, maior será a glória de Deus. E é esse o ponto que o apóstolo está desenvolvendo aqui. Perceba o contraste no verso 21. Esse “mas” revela a direção contrária que será seguida pelo apóstolo rumo à manifestação da justiça de Deus em meio à nossa injustiça.

Foi nessa condição de injusto que se revelou a justiça de Deus em Cristo. A lei não podia defender ninguém, mas apenas condenar. Então, Deus viu isso Como diz o profeta Isaías (59:16a): “Viu que não havia ajudador algum, e maravilhou-se de que não houvesse um intercessor.” Nada, ninguém podia fazer nada por você. Você só esperava o dia em que seria executada a sua sentença. Mas Deus manifestou a sua justiça em Cristo.

Ele maravilhou-se de que não houvesse alguém para ajudar. E então, pelo seu próprio braço lhe trouxe a salvação, “e a sua própria justiça o susteve”. Esse foi Cristo; é dele que o profeta Isaías está falando. Como Paulo fala em Rm. 3:21, Ele foi a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas.

Cristo é a justiça de Deus para o pecador. Enquanto estávamos num estado de culpados, Deus manifestou a sua justiça em Cristo. Isso quer dizer que a nossa justiça se encontra em Cristo, em nada mais.

Não foi à toa que na Reforma se levantou a bandeira do Solus Christus. Na Reforma Protestante, cinco solas “somente” foram proclamados (“somente a Escritura”, “somente Cristo”, “somente a graça”, “somente a fé” e “glória somente a Deus”). Um desses “somente” ecoava a nossa justificação em Cristo, na sua obra,e somente nele.

A sua obra foi o pagamento necessário para que a justificação acontecesse. Paulo diz em Rm. 3:24 que somos justificados “mediante a redenção que há em Cristo Jesus”. O meio que Deus usou para nos livrar da condenação foi quitar a nossa dívida, a nossa culpa, com o pagamento oferecido por Cristo, que, no verso 25, ele diz que foi o seu sangue.

O pagamento foi equivalente à dívida. Estávamos condenados à morte e, por isso, Cristo teve de derramar o seu sangue como pagamento para que a dívida fosse pagar e houvesse satisfação. Essas foram as regras estabelecidas pelo próprio Deus; Ele foi quem “propôs” isso.

Foi exatamente assim que Deus estabeleceu a sua justiça em Cristo. Cristo, em seu sacrifício, manifestou a justiça de Deus a nós. Ele foi o escolhido por Deus para fazer isso, nada mais. “Não há salvação nenhum outro nome”. Ele é “a perfeita satisfação, justiça e santidade”. Nele encontramos tudo o que é necessário para nos apresentarmos como justos diante de todos e diante de Deus.

A questão agora é como isso acontece. Como nós recebemos a justiça de Cristo para, assim, sermos considerados justos? A reposta está no modo como Deus fez isso. A nossa justificação acontece por imputação.

Imputação significa “colocar algo na conta de alguém; atribuir; considerar ou levar em conta.” Era uma expressão muito usada na época para dizer que alguém “entrou nos livros”, para indicar que seu nome estava marcado num livro seja como débito ou como crédito. Por isso, na Escritura, o termo indica que algo foi colocado como crédito em nossa conta. Ou seja, algo foi levado em conta ou considerado.

É o que o apóstolo Paulo indica no capítulo 4 desta carta aos romanos. Ele usa o exemplo de Abraão para mostrar como a nossa justificação acontece. Nos versos 18-21, Paulo diz que Abraão creu na promessa de Deus para ele. Ele se fortaleceu na fé e creu no poder de Deus. E no verso 22, diz que isso lhe foi imputado também para a justiça. Abraão foi justificado porque creu em Deus e na sua promessa, ou seja, aquilo no que Abraão creu foi levado em conta para a sua justiça diante de Deus. Foi imputado a ele para a justiça.

Mas Paulo usa esse exemplo de justificação pela fé por imputação para mostrar que o mesmo aconteceu conosco em Cristo. Nos versos 23-25, ele descreve como a justiça de Cristo foi imputada a nós. Primeiro, ele diz que o que está registrado acerca de Abraão não é só por causa dele, mas por nossa causa também.

Nós que cremos naquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos receberemos sua justiça imputada do mesmo modo como Abraão recebeu. E o verso 25 diz o porquê: ele foi entregue por causa das nossas transgressões, e ressuscitou por causa da nossa justificação.

Somos agora justificados porque toda a obra de Cristo, a sua justiça, a sua santidade, a sua perfeita obediência, tudo foi colocado em nossa conta como crédito de justiça. Essa foi a justiça de Deus. Essa é a nossa justificação. Ninguém poderá se apresentar diante de Deus e ser considerado justo se não for por essa justiça. Do contrário, é condenação.

Por isso, damos graças a Deus por manifestar a sua justiça a nós e em nós. Foi o que o apóstolo Pedro escreveu em sua primeira carta 3:18: “Pois também Cristo morreu uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus.”

  1. a justificação acontece como um ato declarativo
    Outro ponto que gostaria de destacar é que essa justificação acontece como um ato declarativo. Devemos ter em mente um tribunal aqui, no qual existem acusados esperando a sua condenação. Mas, por algum motivo, esse acusados foram inocentados, declarados inocentes pelo juiz. Assim é a justificação.

A igreja de Roma acreditava e acredita de modo diferente acerca dessa justificação. A igreja católico-romana dizia que a nossa justificação acontecia não por imputação como nós vimos, mas pelo que ela chamava de “infusão”. Essa infusão, segundo ela, era Deus comunicando à nossa natureza toda a justiça de Cristo. Há uma transformação interna no momento em que somos justificados por Deus.

O Concílio de Trento, que foi e ainda é um concílio muito importante para a igreja católica, declarou isso com essas palavras: “a justificação não é meramente a remissão de pecados, mas também a santificação e renovação do homem interior, pela recepção voluntária da graça e dos dons pelos quais um homem injusto se torna justo” (Cânones e Decretos do Concílio de Trento, seção 6, cap. 7).

O que é dito nesta declaração da igreja romana é que na justificação nós somos tornados justos e não declarados justo. A nossa natureza deixa de ser corrupta para ser santa, justa. A partir do momento em que cremos, segundo a igreja Católica, nós nos tornamos justos em nossa natureza humana.
O problema com isso é que, segundo esse pensamento, a partir do momento em temos fé e somos justificados, ou transformados em nossa natureza como justos, nós passamos a viver não mais com a justiça de Cristo, mas com a nossa. Seremos justos o suficientes para nos apresentar diante de

Deus, mas com a nossa própria justiça, porque a nossa natureza foi transformada e recebeu a justiça de Cristo.

Acontece que a igreja católica confundiu as coisas e incorreu num erro gravíssimo. Porque tira todo o mérito de Cristo e coloca sobre nós. No final, não será mais a santidade, a justiça e a obediência de Cristo que nos inocentará, mas a nossa santidade, justiça e obediência.

Somos contra isso. A nossa justificação diz respeito a uma aceitação de Deus baseada na obediência de Cristo, na sua justiça. Porque Deus, assim como nos declarou culpados por causa de nossos pecados, agora nos declara justos por causa da justiça de Cristo. É isso que confessamos na pergunta e resposta 60 quando dizemos: “Se tão-somente aceitar esse dom crendo fielmente com o coração, Ele me concede isso como se eu jamais tivesse tido ou cometido nenhum pecado, e como se eu mesmo tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim.”

É isso o que acontece conosco quando cremos em Cristo. Recebemos tudo de Cristo, e somos aceitos por Deus e declarados justos. Foi o que aconteceu com aquele publicano de Lucas 18:9-14. O Senhor propôs uma parábola para alguns que se achavam justos. Ele conta que um fariseu orava de si para si mesmo. Mas o publicano, estando de pé, não ousava nem levantar os olhos, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”. E diz o texto que ele desceu justificado para casa.

A justificação do publicano foi no instante. Não foi um processo em que ele se justificou, mas foi justificado porque não considerou a si mesmo capaz disso mas buscou em Deus a sua justiça. Ele buscou o favor de Deus. Foi um ato declarativo imediato à fé, não um processo após ela.

Nós somos tornados santos no processo de santificação, mas na justificação somos declarados justos, como num tribunal quando é dada uma sentença. Os acusados esperam apenas pela declaração do juiz de condenação ou absolvição. Nada que o juiz disser irá interferir na natureza do acusado.

Foi assim também com Abraão. Abraão não foi transformado em sua natureza quando creu, mas ele foi considerado justo por Deus. A justiça lhe foi imputada, mas ele continuou sendo um pecador. Ele não se tornou justo porque foi tornado interiormente justo, mas porque o crédito de justiça, vindo de fora dele, foi colocado sobre ele. E assim, foi considerado justo. Por isso, somos justos porque fomos declarados e considerados justos por Deus.

  1. a justificação tem sua fonte na graça de Deus
    No texto de Romanos, capítulo 3, a Escritura faz questão de destacar de qual situação o homem foi retirado. No verso 23, a nossa antiga condição de pecadores que careciam da glória de Deus é enfatizada novamente. Isso para que o verso 24 ficasse em destaque: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça…”.

Se queremos uma resposta que nos explique como um pecador pode ser aceito por Deus, está aqui: a graça, o favor de Deus. Não tem outro caminho. A graça é a única explicação para nós estarmos aqui ouvindo sobre a nossa justificação. Ela é a fonte de toda a nossa justiça. Ela é a história dos feitos de Deus, de transformar injustos em justos.

Isso se completa com o que diz aquele texto de Isaías 59:16 que diz que Deus se maravilho em não haver quem ajudasse. É o desejo de Deus em salvar o perdido. E Deus revela essa graça na justificação dos pecadores. O verso 26 de Romanos 3 diz que Deus propositalmente deixou os pecados anteriores impunes, ou seja, não executou naquele momento a punição, para manifestar a sua justiça e ser justo e o justificador do pecador.

Meus irmãos, são palavras de graça. Toda a nossa história começou em Deus. Deus mesmo quis nos justificar, ser o justificador. Foi uma decisão sua, por sua própria graça, não porque ele viu algo de interessante em nós. As palavras que confessamos são pertinentes aqui: “Ele nos concede”. Foi uma dádiva de Deus, uma concessão, em nos considerar justos em seu Filho.

Enganavam-se e se enganam aqueles que acham que pode fazer alguma coisa para ser aceito por Deus. Nem mesmo a lei que é boa e santo nunca pode apresentar alguém diante de Deus como justo, mas, pelo contrário, só apresentava pecadores, ao mesmo tempo que testemunhava que só Deus é justo.

Somente a graça de Deus pode livrar o pecador condenado por causa de seus pecados. Por isso, Paulo declara em Rm. 8:33, com toda confiança na graça de Deus: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica.” Quem poderá se levantar para acusar os filhos de Deus? A sua consciência? Satanás? O mundo?

Os seus pecados já foram cravados na cruz de Cristo! Ele morreu pelas suas transgressões. Quando você não podia fazer nada, ele foi lá e pagou a sua dívida. Como os seus pecados podem te condenar? Visto que já estão pagos de tal forma que o juiz, que tudo vê, nem os enxerga mais.

Satanás, um acusador mentiroso, não pode levantar uma acusação sequer contra você, porque ele mesmo viu a justiça de Deus sendo manifestada. Ele mesmo, em pessoa, tentou acabar com essa justiça. Ele viu na cruz a nossa dívida diante de Deus sendo paga. Ele testemunhou a garantia da nossa justificação na ressurreição de Cristo. Ele que não tem moral alguma para acusar porque é um condenado que só espera por sua condenação eterna.

O mundo, não sabe nem quem é Deus. Foi o Senhor Jesus que disse isso. Ninguém no mundo pode se levantar para acusar você e condenar você por causa de seus pecados porque o próprio mundo já está condenado. A Escritura diz em Jo 3:18: “Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado”.

É o favor de Deus que nos livra desse julgamento condenatório. Normalmente, nunca esperaríamos que um transgressor pudesse ser declarado inocente sem que houve injustiça. Mas isso acontece no tribunal de Deus; e acontece por sua graça, seu favor imerecido. E é em Cristo que encontramos essa graça. Na sua pessoa e obra, nos achamos livres da condenação. Por isso, “Somente Cristo”, nada mais.

Das duas uma: ou a graça ou a desgraça. A graça é Deus se aproximando de nós com a sua mão de amor, enquanto fere o seu Filho com o seu bastão. A desgraça é o homem se aproximando de Deus com suas mãos sujas de sangue, enquanto Deus levanta o seu Filho para castigá-los. Mas, por causa de Cristo, não estamos no banco dos réus, mas livres da condenação.

Este é o antigo evangelho, o evangelho da “justificação pela fé somente”.

Amém!

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Iraldo Luna

É formado em Letras Vernáculas pela UFPE com pesquisas voltadas para a área de linguística de texto. Bacharel em Divindade pelo Instituto João Calvino. É pastor na Igreja Reformada de Brasília. Professor do curso on-line de introdução ao Grego Bíblico no Instituto João Calvino.

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.