Mateus 05:07

Leitura: Lucas 10:25-37
Texto: Mateus 05:07

“Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5.7)

Amados irmãos no Senhor Jesus Cristo,

Todos sabemos que nosso Senhor Jesus Cristo resumiu a lei de Deus em dois grandes mandamentos: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo semelhante a este é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.37-39). É interessante observarmos que no próprio sermão do monte, especialmente nas bem-aventuranças, o Senhor está nos ensinando, de forma bem detalhada e prática, acerca da nossa responsabilidade cristã de amarmos a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos. Embora a palavra amor não apareça nas bem-aventuranças, a prática do amor tanto para com Deus como para com o nosso próximo é a essência do ensino das bem-aventuranças. As quatro primeiras bem-aventuranças, por exemplo, apontam especialmente para o nosso relacionamento de amor para com o nosso Deus. O crente que ama a Deus reconhece seu pecado e sua necessidade da graça de Deus para ser perdoado; ele se entristece e chora por ter pecado contra o Deus que tanto ama; sendo manso, o crente demonstra seu amor por Deus numa atitude de confiança nele e também amor pelo próximo não se vingando dele por lhe fazer algum mal; o crente que ama a Deus tem fome e sede de justiça; por causa do seu amor por Deus ele tem prazer em agradá-lo através de uma vida de obediência aos seus mandamentos.

Na quinta, sexta e sétima bem-aventuranças, Jesus tem em mente especialmente o nosso relacionamento de amor com o nosso próximo. Ele enfatiza nossa responsabilidade cristã de amarmos o próximo como a nós mesmos. Na verdade existem muitas maneiras pelas quais podemos expressar o amor cristão pelo nosso próximo. Nas bem-aventuranças Jesus mostra pelo menos três aspectos importantes do amor cristão que devemos ao nosso próximo. Podemos expressar amor pelo nosso próximo sendo misericordioso para com ele; sendo puro de coração, não agindo com falsidade, mas com honestidade em relação a ele; também sendo pacificadores ao cultivar e promover a paz entre os irmãos e para com todos os homens. Neste sermão vamos tratar especialmente da quinta bem-aventurança:

Tema: “Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”

Atentemos então para o ensino de Cristo contido nesta quinta bem-aventurança. Para aprendermos o que o Senhor tem a nos ensinar nesta aqui precisamos saber de duas coisas:

  1. O significado de ser misericordioso
  2. O significado de alcançar misericórdia
  3. O significado de ser misericordioso

Na época em que Jesus exerceu o seu ministério terreno entre os homens, ele encontrava-se rodeado tanto de judeus (seu próprio povo) como também pelos gentios romanos que dominavam o mundo habitado da época. Todos puderam ouvir e ver os ditos e feitos de Jesus. Porém, o evangelho trazido pelo Senhor Jesus para seus discípulos, especificamente o ensino da quinta bem-aventurança sobre misericórdia, era totalmente contrário ao pensamento e padrão de vida tanto dos judeus de sua época, representados nas pessoas de seus líderes religiosos, bem como dos gentios romanos. Tanto os judeus quanto os romanos da época de Jesus não conheciam na prática o que era misericórdia. A misericórdia era uma palavra conhecida, mas não praticada. Por diversas vezes, o Senhor teve de censurar os judeus de sua época representados por seus líderes religiosos por causa de sua religião externa, legalista e hipócrita. Em Mateus 23.23 o Senhor lhes repreendeu duramente dizendo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” Apesar do conhecimento que tinham de todo o Antigo Testamento que ensina claramente e em muitos lugares que Deus é Misericordioso e que requer misericórdia do seu povo, eles negligenciaram na prática o exercício da misericórdia em virtude de sua hipocrisia e tradição.

Quanto aos gentios romanos, a palavra misericórdia não existia no vocabulário deles. Não havia lugar para a misericórdia no estilo de vida dos romanos. A misericórdia era uma coisa desprezível para eles. Um de seus filósofos chegou até a dizer que a misericórdia era a “doença da alma”, dando a entender com isso que ser misericordioso era sinônimo de fraqueza e covardia. Um homem misericordioso não tinha valor para os romanos, mas sim aquele que fosse destemido, rígido e cruel em seus atos. As próprias leis do império davam espaço para a crueldade e o desprezo da misericórdia. Por exemplo, um homem romano tinha o direito de matar ou deixar viver seu filho recém-nascido, seu escravo e até mesmo a sua esposa.

Na verdade, esse estilo de vida dos romanos caracterizado pelo desprezo à misericórdia bem como a hipocrisia dos judeus é tão somente o reflexo coerente daquilo que o homem é por natureza, isto é, caído e morto em pecado. A Bíblia diz que uma das expressões da corrupção natural do homem é que ele é “sem afeição natural e sem misericórdia” (Rm 1.31). E em Provérbios 12.10 lemos ainda que até as misericórdias dos ímpios são cruéis. Ao contrário disso, os verdadeiros crentes, que já nasceram de novo pela obra do Espírito Santo e provaram da misericórdia de Deus em Cristo sobre suas vidas, devem ser misericordiosos. É misericórdia que o Senhor requer dos cidadãos do seu reino: “Sede misericordiosos como também é misericordioso o Vosso Pai Celeste” (Lc 6.36). Portanto, é impossível ser cristão sem ser misericordioso; é impossível provar da misericórdia de Deus e não mostrar misericórdia aos nossos semelhantes. Como filhos de Deus, devemos ser misericordiosos. O que então significa ser misericordioso?

Primeiramente precisamos definir o significado bíblico da palavra misericórdia. O que é misericórdia? A misericórdia se faz presente onde há sofrimento e miséria. Conforme o ensino de Cristo, misericórdia é uma expressão de amor evidenciada por um sentimento de compaixão acompanhado da disposição e ação para ajudar uma pessoa sofrida. A misericórdia bíblica, portanto, envolve um sentimento de compaixão bem como uma ação misericordiosa em favor do nosso próximo. Sendo assim, ser misericordioso significa sentir compaixão daquelas pessoas que estão sofrendo e agir em favor delas a fim de aliviar suas dores. A demonstração do amor cristão pelo nosso próximo através do exercício da misericórdia tem a ver com os nossos sentimentos e atos, com o nosso coração e nossas mãos. Não é misericordioso aquele que diz que tem compaixão das pessoas e sim aquele que tem compaixão delas e faz algo para ajudá-las.

Vejamos com mais detalhes o que significa ser misericordioso tomando como exemplo a parábola do bom samaritano que nós conhecemos bem. Tal parábola encontra-se unicamente no evangelho de Lucas (10.25-37). E, como todas as parábolas de Jesus, esta também tem uma lição principal que ele quer aplicar no nosso coração. Sua lição principal é que devemos praticar o amor pelo próximo que está sofrendo através do exercício da misericórdia.

Atentemos para o contexto em que se encontra essa parábola antes de tratarmos do seu conteúdo. Um certo doutor da lei foi ter com Jesus não com a intenção humilde de aprender do Senhor, mas com a intenção de testar o conhecimento de Cristo. Ele perguntou a Jesus: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (v.25). Jesus não lhe responde diretamente, mas sabendo que ele era um conhecedor da lei lhe faz a seguinte pergunta: “Que está escrito na lei? Como interpretas?” (v. 26). Eis a resposta do doutor da lei no verso 27 (ler). Sua resposta é direta e correta. Ele sabe que Deus exige dele que ame a Deus sobre tudo e também ao próximo como a si mesmo. Jesus até afirmou que ele respondeu corretamente e que deveria fazer isso. O doutor da lei, porém, querendo se justificar fez a seguinte pergunta ao Mestre: “Quem é o meu próximo?” (v. 29). A esta pergunta Jesus lhe responde com a parábola do bom samaritano.

A parábola do bom samaritano nos ensina claramente o que significa ser misericordioso conforme o ensino de Jesus. Nessa parábola Jesus apresenta cinco personagens: o homem que foi assaltado e ferido, o sacerdote, o levita, o samaritano e o hospedeiro. A personagem central da parábola é o bom samaritano que exerceu misericórdia. Ele poderia ser chamado de o misericordioso samaritano.

No começo da parábola Jesus nos ensina o que não significa ser misericordioso. Isso é exemplificado tanto na atitude do sacerdote quanto do levita. A parábola nos apresenta um homem muito carente de misericórdia. Tal homem, depois de assaltado e ferido pelos ladrões, foi deixado no chão ao lado da estrada entre a vida e a morte. Ele precisava muito de ajuda. Continuando a história, Jesus diz que, momentos depois, passaram perto daquele homem ferido no chão um sacerdote e, logo depois, um levita (dois homens religiosos que conheciam bem a lei de Deus). E qual a atitude deles diante do pobre homem caído no chão? “E vendo-o, passaram de largo”. Ambos viram o homem caído no chão, mas não fizeram nada para ajudá-lo. Eles continuaram sua viagem. Eles se omitiram de sua responsabilidade de amar o próximo através do exercício da misericórdia. Ver o sofrimento do próximo e não fazer nada por ele não é ser misericordioso.

Diante disso, você deve está pensando consigo mesmo: “Como é possível que estes dois homens puderam ser tão indiferentes diante do sofrimento do próximo?”. Mas, irmãos, vamos cada um de nós olhar para nós mesmos e nos perguntar: “Será que também não tenho sido indiferente diante do sofrimento do meu próximo? Tenho aberto e estendido a minha mão para ajudar aqueles que estão precisando da minha ajuda ou tenho fechado a minha mão e sido omisso na minha responsabilidade de exercer a misericórdia? Tenho contribuído bem com as minhas ofertas para que a obra diaconal seja efetuada na igreja? Vejo e conheço o sofrimento do meu próximo, mas tenho feito algo para ajudá-lo? Irmãos! Existem muitas pessoas ao nosso redor, tanto dentro quanto fora da igreja, que sofrem e precisam da nossa ajuda. Como cristãos, devemos aproveitar as oportunidades e fazer o bem a todos, principalmente aos da família da fé (Gl 6.10). Há necessitados que precisam de pão; há doentes e aflitos que precisam de remédios e visitas; há irmãos fracos na fé que precisam de encorajamento; há muitos perdidos que precisam de salvação; temos evangelizado e orado por eles? Conhecemos bem a necessidade destas pessoas, elas estão bem perto de nós. Mas temos feito algo para ajudá-las? Ver o sofrimento do próximo e não ajudar não é ser misericordioso, mas indiferente e hipócrita como o sacerdote e o levita da parábola.

Não é uma atitude cristã deixar de ajudar o próximo tendo condições de fazê-lo. Sobre isso, o apóstolo João nos diz o seguinte: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (1Jo 3.17,18). Como cristãos, precisamos fazer algo por aqueles que precisam da nossa ajuda, estando em nossas mãos o poder de fazê-lo.

Na atitude do samaritano da parábola aprendemos o que realmente significa ser misericordioso. O homem ferido ainda encontrava-se ao lado da estrada precisando de ajuda. Depois do sacerdote e do levita, passou perto dele um certo samaritano. Como ele reagiu diante do sofrimento daquele pobre homem? “E, vendo-o, compadeceu-se dele” (v. 33). Ele viu o sofrimento do homem como o sacerdote e o levita, mas, ao contrário destes, não passou de largo: parou sua viagem e se compadeceu do homem. Ele sentiu compaixão. Mas ele ficou apenas no sentimento? Não! Ele foi além; ele fez algo para aliviar as dores daquele pobre homem. Observe como o Senhor Jesus narra uma sequência de atos de misericórdia realizados pelo samaritano em favor do pobre homem (ler os versos 34 e 35). O misericordioso samaritano sentiu pena da vítima, e agiu em seu favor, deixando seu próprio sossego, cuidando dos seus ferimentos e lhe providenciando um lugar seguro. É isso que significa ser misericordioso. É esse tipo de atitude e ação que deve caracterizar nossas vidas como cidadãos do reino de Deus. É isso que Jesus requer de nós. Ele quer que sejamos misericordiosos a exemplo do bom samaritano.

Jesus responde a pergunta do doutor da lei e lhe ordena que seja misericordioso (v. 36-37). Não bastava para aquele doutor da lei apenas saber quem era seu próximo e que ele deveria ser misericordioso, importava mesmo é que ele praticasse a misericórdia para com seu próximo. Por isso Jesus lhe disse: “Vá e faça o mesmo”. Jesus está dizendo a mesma coisa a todos nós que somos seus discípulos. Ele está nos dizendo: “Não somente saiba o que é ser misericordioso, mas seja misericordioso e pratique a misericórdia”.

O grande exemplo de ser misericordioso é o nosso Senhor Jesus Cristo. Lendo os evangelhos, vemos o quanto ele foi misericordioso com as pessoas sofridas que solicitaram sua ajuda. Cegos, leprosos, aleijados, enfermos e aflitos vieram até ele e clamaram-lhe: “Senhor, tem misericórdia de nós!”. Ele teve misericórdia de todas estas pessoas sofridas e fez algo para ajudá-las. E mais do que tudo isso: ele teve grande misericórdia de nós pecadores. Dos altos céus, contemplou nossa terrível miséria como pecadores perdidos e dignos do castigo eterno e fez algo por nós; ele agiu em nosso favor, pois deixou sua glória, humilhou-se ao vir a este mundo para sofrer e morrer por nós e assim nos libertar da terrível miséria do pecado em que nos encontrávamos. Isso é ser misericordioso. Em Hebreus 2.17 lemos o seguinte acerca do nosso Senhor: “Por isso mesmo convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus para fazer propiciação pelos pecados do povo”.

  1. O significado de alcançar misericórdia

Jesus afirma que os misericordiosos são verdadeiramente felizes porque apenas eles alcançarão a misericórdia. Essa é a promessa que ele faz aos misericordiosos. É a consequência de ser misericordioso. Como entender essa maravilhosa promessa do Senhor Jesus Cristo?

Bom, irmãos. Existem dois pensamentos errados quanto à expressão “alcançarão misericórdia”. Vejamos quais são e também o que Jesus quer dizer com esta promessa.

O pensamento humanista afirma que aquele que é misericordioso alcançará misericórdia das pessoas. Se você faz o bem às pessoas, consequentemente elas também farão o bem a você. A verdade é que isso nem sempre acontece. E, além disso, Jesus não está pensando nisso nesta bem-aventurança. Ele não está falando de alcançar misericórdia das pessoas. O que ele está nos ensinando nesta promessa é que os misericordiosos alcançarão a misericórdia de Deus. Deus é a fonte de toda misericórdia. As promessas das bem-aventuranças expressam a bondade de Deus em abençoar seus filhos. É Deus quem, por sua graça, nos concede o seu reino em Cristo; no seu reino ele nos abençoa com o consolo do perdão dos pecados, com a herança da terra, com a satisfação da sua justiça e também com a sua misericórdia que nos é derramada.

O pensamento romanista afirma que alcançar a misericórdia de Deus depende de você ser misericordioso. Isso significa que a salvação está baseada nas boas obras do homem. Tal pensamento está totalmente errado, pois não encontra sustentação bíblica. Ele anula a doutrina bíblica da salvação pela graça de Deus conforme o ensino de Efésios 2.8-10. Não mostramos misericórdia para ganhar a salvação de Deus, mas para agradecer-lhe por sua misericórdia que nos alcançou em Cristo. É somente por causa da sua misericórdia sobre nós que podemos ser misericordiosos, pois somos feitura dele para prática das boas obras que ele preparou para que andássemos nela.

Deus nos concede a sua misericórdia tanto nesta vida quanto na vida porvir. Já alcançamos a misericórdia de Deus através do nosso Senhor Jesus Cristo que agiu em nosso favor, libertando-nos de nossa miséria e concedendo-nos o perdão dos nossos pecados.

No dia do juízo, quando Jesus vem para julgar os vivos e os mortos, vamos contemplar com nossos próprios olhos a grandeza da misericórdia de Deus para conosco ao sermos libertos do castigo que merecíamos. Veremos os ímpios serem castigados eternamente e nós livres para viver com Cristo. Sendo assim, na glória seremos eternamente gratos ao nosso Deus pela misericórdia com que nos alcançou em Cristo. “Felizes os que são misericordiosos, porque já alcançaram e ainda alcançarão a misericórdia de Deus”.

Amém.

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Elissandro Rabêlo

Bacharel em Teologia pelo CETIRB – Centro de Estudos de Teologia das Igrejas Reformadas do Brasil (Atual Instituto João Calvino) (1999-2004). Fez Convalidação de Teologia na Universidade Mackenzie em São Paulo (2017). Ministro da Palavra e dos Sacramentos da Igreja Reformada do Grande Recife (PE), servindo como Missionário da Igreja Reformada em Fortaleza (CE).

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.