Mateus 05:05

Leitura: Salmo 37
Texto: Mateus 05:05

“Bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5.5)

Amados irmãos no Senhor Jesus Cristo,

Já estudamos a primeira e a segunda bem-aventurança. Hoje trataremos da terceira, que diz: “Felizes os mansos porque herdarão a terra”. São palavras surpreendentes estas do Senhor Jesus. Será que os mansos podem herdar a terra? Não são os poderosos e valentes deste mundo que tem condições de herdar a terra e possuir muitas riquezas? Esse é o pensamento do mundo: os valentes e poderosos é que são felizes, pois eles têm muitas riquezas. Mas, para Jesus, felizes são os mansos, pois estes herdarão a terra. Como cristãos não devemos seguir o pensamento do mundo, mas o pensamento de Cristo. Ele não está falando palavras vazias e sem sentido, mas palavras de grande valor e importância para os filhos de Deus. Cabe a nós atentar para o seu ensino, aprender e aplicar em nossas vidas o que ele tem a nos ensinar.

Nas bem-aventuranças, Jesus ensina acerca das atitudes cristãs que devem caracterizar a vida dos filhos de Deus. Essas atitudes, embora diferentes, estão ligadas umas às outras. Aqueles que descobrem sua miséria e pecados (humildade de espírito) são consequentemente levados ao choro por causas dos seus pecados (tristeza por causa do pecado); a partir daí passam a cultivar e manifestar em suas vidas uma atitude de mansidão diante de Deus e dos homens. Humildade de espírito e tristeza pelo pecado são atitudes que exclusivamente expressam o nosso relacionamento com Deus. Ser manso, por sua vez, manifesta o nosso relacionamento com Deus e, ao mesmo tempo, é também uma atitude direcionada ao nosso próximo.

Atentemos para a terceira bem-aventurança. Vejamos primeiramente o que significa ser manso conforme o ensino de Jesus e depois trataremos da felicidade dos mansos, que é a herança da terra.

  1. O significado de ser manso

O que significa ser manso conforme o ensino de Jesus? A que tipo de atitude ele se refere na terceira bem-aventurança quando fala sobre os mansos? Segundo certo dicionário da língua portuguesa, a palavra “manso” é um adjetivo que indica pessoas que são calmas, dóceis, gentis e tranquilas em sua maneira de falar e agir. Porém, Jesus não está falando exatamente desse tipo de mansidão. Ser manso, conforme o ensino de Cristo, não é possuir um temperamento calmo ou tranquilo. Há pessoas que são calmas por natureza, mas não é a respeito delas que Jesus se refere na terceira bem-aventurança.

Ser manso também não significa ter falta de firmeza no caráter. Existem pessoas que chegam até mesmo a abrir mão de suas convicções para não criar problemas ou conflitos com outras pessoas. Ter um caráter frágil não significa ser manso.

Ser manso não é o mesmo que ser pobre. Não é verdade que todos os pobres, no sentido material, são mansos conforme o ensino de Cristo. Nem todos os pobres reconhecem a sua dependência de Deus e confiam nele. O Antigo Testamento ensina que Deus é a favor dos pobres que em meio a opressão depositam a confiança nele (Ex 22.21-24; Pv 22.22).

O que então significa ser manso conforme o ensino de Jesus? Ser manso é uma atitude de plena confiança em Deus por parte do crente em meio às injustiças e opressões que sofre nas mãos dos ímpios. Esse conceito de ser manso está baseado no Salmo 37 que lemos anteriormente. Jesus baseou sua terceira bem-aventurança neste salmo e, portanto, devemos estudá-la à luz do mesmo. Se você prestou bem atenção na leitura que fizemos, deve ter notado que as palavras ditas por Jesus na terceira bem-aventurança se encontram no verso 11 do Salmo 37: “Mas os mansos herdarão a terra”. Na verdade, grande parte do ensino e da pregação de Jesus faz referência ao Antigo Testamento. Especialmente nas bem-aventuranças, bem como em todo o sermão do monte, o Senhor Jesus não apenas cita textos do Antigo Testamento, mas também lhes dá uma explicação ampla e correta, ao contrário dos doutores da lei da sua época que, além de terem uma visão distorcida do AT, ainda acrescentavam suas próprias regras e tradições. Jesus, com muita sabedoria, citou o AT em seu ensino e pregação, levando em consideração o contexto dos textos e relacionando-os com a situação atual em que se encontrava. Por exemplo, quando foi tentado por Satanás no deserto, Jesus o venceu fazendo um uso correto e apropriado do AT (Mt 4.4,7,10). Quando leu a profecia messiânica de Isaías na sinagoga de Nazaré, ele diretamente a aplicou a si mesmo (Lc 4.17-21). Especificamente na terceira bem-aventurança o Senhor fez uso do salmo 37. Ele não introduz um novo ensino para os seus discípulos, mas de propósito cita uma parte do salmo 37 a fim de levar seus alunos a entenderem suas palavras dentro do contexto deste mesmo Salmo que eles, como judeus, bem conheciam.

O que então nos ensina o Salmo 37? Ele nos ensina que, ao invés de ficarmos indignados ou cheios de inveja com a prosperidade dos ímpios, nós, como filhos de Deus, devemos esperar e confiar nele em meio às opressões e injustiças que sofremos (v. 1-7). Esse Salmo revela-nos o grande contraste que há entre os que confiam no Senhor e os que não se importam com ele. Os que confiam no Senhor são descritos como os que “esperam no Senhor” (v. 9); mansos (v. 11); justos (v. 12,16,17,29); homem bom (v. 23); íntegros (v. 18); homem de paz (v. 37). Estes desfrutam da benção do Senhor. Deus cuida dele, os sustém por seu poder e lhes dá a terra como herança (v. 9b, 11,17b,28,39,40). Por outro lado, os que não confiam no Senhor são descritos como os malfeitores (v. 1), os que praticam iniquidade (v. 1), ímpios (v. 10,12,14), inimigos do Senhor (v. 20); perversos (v. 32). Estes colherão o fruto de seus atos perversos. Eles murcharão como a erva verde e se desfarão em fumaça (v. 2,20), pois se encontram sob a maldição de Deus (v. 22 9,28b).

Os ímpios são capazes de cometer toda sorte de iniquidades para alcançar seus objetivos perversos. A fim de prosperarem, chegam a causar opressão e injustiça àqueles que trilham o reto caminho. Os mansos podem ser atingidos pela perversidade dos homens maus. Isso é inevitável. Porém, como os filhos de Deus devem reagir nessa situação? Pagar na mesma moeda? Oprimir quando oprimido? Cometer injustiça em troca da injustiça sofrida? Ou deve entregar sua causa com confiança nas mãos daquele que julga retamente? A atitude correta é ser manso e ser manso é confiar em Deus. Diz o salmista: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e o mais ele fará. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito como o sol ao meio dia” (v. 5,6). O Senhor é a favor dos que confiam nele e lhes fará justiça. Ele decidirá com equidade a favor dos mansos da terra (Is 11.4). Davi, o autor do Salmo 37, demonstrou uma atitude de mansidão em seu viver. Não sabemos ao certo em que contexto de sua vida está baseado o Salmo 37, mas sabemos que ele teve uma vida marcada pela opressão e injustiça nas mãos de homens ímpios. No entanto, em momento algum, perdeu a sua confiança em Deus. Antes de se tornar rei, ele foi odiado e perseguido injustamente pelo rei Saul que tentou matá-lo diversas vezes. Mas Deus sempre livrou o seu servo que nele confiava. Davi teve até a oportunidade de acabar com a vida de Saul. Mas o que ele fez? Entregou sua causa nas mãos daquele que julga retamente. E mais. Ele não pagou o mal com o mal, mas fez o bem. É isso que significa ser manso. O manso, quando oprimido e injustiçado, não se vinga com as próprias mãos, mas submete-se a Deus e deixa que ele, conforme a sua vontade, resolva o seu problema. Além disso, ele não comete injustiça quando injustiçado; prefere antes sofrer o dano ao invés de causá-lo. Tal atitude é desprezível aos olhos do mundo. No mundo não existe esse negócio de ser manso. A confiança dos ímpios não está em Deus, mas em si mesmos e em suas riquezas; a obra deles é oprimir e fazer injustiça para alcançar seus próprios interesses. Mas nós devemos seguir o ensino de Cristo vivendo em mansidão diante de Deus e dos homens (Mt 5.38-42).

O senhor Jesus nos ensinou o que significa ser manso não só em suas palavras, mas também em sua própria vida. Ele afirmou ser manso e humilde de coração e mostrou isso em seu viver. Como o Messias, ele não implantou o reino de Deus na terra nem conquistou a salvação do seu povo com o uso da força militar ou da espada, como erradamente esperavam os judeus. Mas ele fez isso aceitando com humildade e mansidão o plano de Deus para a sua vida. E esse plano era que ele fosse oprimido, injustiçado e até morto nas mãos de homens ímpios. Jesus confiou sua vida ao plano de seu Pai e submeteu-se a todo sofrimento que lhe sobreveio. Ele é o maior exemplo de mansidão para nós e, como seus discípulos, devemos seguir os seus passos, conforme está escrito em 1Pedro 2.20-23 (ler o texto).

  1. A felicidade dos mansos: “herdarão a terra”.

Será que vale a pena ser manso? Vale a pena confiar em Deus em meio a toda opressão e injustiça que sofremos? É feliz aquele que vive para Deus e nele confia nesta terra? O Senhor conhece muito bem a nossa vida; ele sabe de todos os nossos sofrimentos. Nossa alegria e consolo é que ele não desampara os seus santos, mas os preserva para sempre (v. 28); ele é nossa fortaleza no dia da tribulação (v. 39); ele sustém, protege, ajuda e livra os mansos que nele buscam refúgio (v. 40).

Além de tudo isso, o Senhor promete aos mansos a terra como herança. “Felizes os mansos porque herdarão a terra”, disse Jesus. E Davi falou: “Mas os mansos herdarão a terra” (Sl. 37.11). Se você atentar bem para o Salmo 37, perceberá que a promessa da terra como herança para os mansos se repete por diversas vezes (v. 9b, 22, 29, 34,18b, 27b). Davi enfatiza isso para mostrar o quanto Deus é gracioso para com aqueles que nele confiam e ainda para nos encorajar a depositar toda nossa confiança neste Deus cheio de graça que cuida de nós e nos faz herdeiros da terra.

A herança da terra para os mansos é tanto presente quanto futura. Em Cristo, já somos herdeiros do seu reino. A primeira bem-aventurança nos ensina isso (Mt. 5.3). A herança da terra é um aspecto do reino de Deus que é tanto presente quanto futuro. Por isso, podemos dizer que, em certo sentido, já herdamos a terra.

Em que sentido já somos herdeiros da terra? Aqueles que buscam o reino de Deus em primeiro lugar e confiam em Deus são felizes nesta terra porque já desfrutam das bênçãos de Deus. Deus lhes concede tudo o que precisam tanto para o corpo quanto para a alma. Ele vive na terra consciente de que ela e tudo que nela existe pertence a Deus e já lhe é dada por herança. Eles podem até não ter muitas propriedades materiais (terras, casas, carros), mas têm o mais importante: Deus. O Senhor é a sua herança. O Criador e dono do céu e da terra é também o seu dono. Portanto, tudo o que têm (família, trabalho, bens) encontra-se debaixo da benção divina. O pouco deles é mais valioso do que a abundância dos ímpios (Sl. 37.16). A vida deles é vivida com prazer e proveito; eles desfrutam das bênçãos desta terra sabendo que a mesma e tudo o que nela há já lhes pertencem pela graça de Deus. Os ímpios, porém, não são abençoados, pois não desfrutam da benção de Deus. Eles podem até possuir muitas riquezas materiais, mas se não têm Deus e nem confiam nele, são infelizes e miseráveis, pois nada têm e estão perdidos. “Para os perversos, todavia, não há paz, diz o Senhor” (Is. 48.22). Eles não são herdeiros da terra, nem jamais serão. Mas os mansos que confiam no Senhor já têm a terra como herança.

Herdar a terra significa receber de graça o que Deus generosamente nos tem concedido. A herança da terra não é recebida por nosso mérito nem tampouco conquistada por nossa própria força, mas é dádiva graciosa de Deus aos mansos que nele confiam. O Senhor concedeu a Israel, conforme a promessa feita a Abraão, e depois de sua peregrinação no deserto, a terra de Canaã. Através do seu servo Josué, o Senhor fez o seu povo herdar e possuir a terra prometida. Isso com base na graça de Deus, conforme lemos em Josué 24.13: “Dei-vos a terra em que não trabalhastes e cidades que não edificastes, e habitais nelas; comeis das vinhas e dos olivais que não plantastes”. O Senhor cumpriu a sua promessa feita a Israel. Cristo prometeu que os mansos herdarão a terra. Sua promessa é fiel e verdadeira e com certeza ele há de cumpri-la em nosso favor. Devemos crer na sua promessa e descansar nela.

A terra que já pertence aos mansos será plenamente herdada e possuída por eles quando Cristo voltar. O Senhor voltará em glória para redimir a terra do poder do pecado e restaurá-la por completo a fim de habitar nela eternamente com o seu povo. O céu e a terra no qual vivemos passarão e darão lugar ao novo céu e a nova terra que serão estabelecidos por Cristo. O Cristo Glorificado, por seu poder, redimirá do cativeiro da corrupção toda a criação que agora geme e suporta angústias por causa do pecado. Mas tudo isso passará. Um universo totalmente transformado será a herança e a habitação eterna dos filhos de Deus.

“Felizes os mansos porque herdarão a terra”. Aqueles que depositaram a sua confiança em Deus em meio às opressões e injustiças do tempo presente são realmente felizes. Tudo coopera para o bem deles. Sua felicidade está em desfrutar das bênçãos e do cuidado de Deus já nesta terra e também de ter a certeza de que serão plenamente abençoados por Deus na glória porvir quando se tornarão, pela graça de Deus, herdeiros do novo céu e da nova terra, nos quais habitarão e reinarão com Cristo sobre todas as criaturas por toda eternidade.

Amém.

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Elissandro Rabêlo

Bacharel em Teologia pelo CETIRB – Centro de Estudos de Teologia das Igrejas Reformadas do Brasil (Atual Instituto João Calvino) (1999-2004). Fez Convalidação de Teologia na Universidade Mackenzie em São Paulo (2017). Ministro da Palavra e dos Sacramentos da Igreja Reformada do Grande Recife (PE), servindo como Missionário da Igreja Reformada em Fortaleza (CE).

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.