1 João 05.21

Leitura: 01 João 05.13-21
Texto: 01 João 05.21

Amada Congregação do Nosso Senhor Jesus Cristo,

A Palavra de Deus é cheia de surpresas. Para aqueles de nós que se tornaram muito familiarizados com a Bíblia há muito tempo, essas surpresas podem não ser tão frequentes. Embora há muitas vezes quando encontramos algo “novo” na Palavra de Deus, e embora todos nós tivemos a experiência de ter uma certa passagem bíblica nos afeitar de uma maneira nova, geralmente sabemos o que está por vir. Então o elemento de surpresa, e até mesmo o choque, praticamente desapareceu da nossa experiência de ler a Bíblia.

Tenho certeza que muitos de vocês não se lembram da primeira vez que você leu a primeira carta de João. Então você provavelmente não se lembra da sua primeira reação às últimas palavras de João, as palavras que formam o texto para o sermão desta noite: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos.” Mas se coloquem na posição dos primeiros leitores desta carta. A carta chega numa congregação local. A congregação está reunida para o culto no Dia do Senhor, e o homem que recebeu a carta se levanta para lê-la. Ele lê a carta e chega à última linha. “Filhinhos,” diz ele, “guardai-vos dos ídolos.” Fim. Ponto final.

Agora, essa congregação hipotética na igreja primitiva já havia recebido outras cartas dos apóstolos, cartas cópiadas e enviadas de igreja em igreja. A carta de João foi uma das últimas cartas escritas e inclúidas no Novo Testamento, então, falando em termos de tempo, as palavras de nosso texto são provavelmente, se não as últimas palavras da Escritura, então próximas das últimas.

Então eles já ouviram a conclusão de Paulo em sua primeira carta aos coríntios: “A graça do Senhor Jesus seja convosco. O meu amor seja com todos vós, em Cristo Jesus.”

E eles já ouviram a saudação final de Paulo em 2 Coríntios: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo. Todos os santos vos saúdam. A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.”

E as últimas palavras da carta de Paulo aos Efésios: “Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus Cristo.”

É o que era esperado numa carta nos dias em que as cartas do Novo Testamento foram escritas – você começa com algum tipo de saudação e termina com uma mensagem de despedida. É assim que uma carta deve terminar.

Então é aí que entra o elemento de surpresa, e é especialmente esse elemento que faz com que as palavras do nosso texto, as últimas palavras de João nesta carta, se destaquem. Essas palavras devem fazer o ouvinte e o leitor moderno prestarem atenção. Parece ser uma maneira tão estranha de terminar uma carta – e quando algo parece incomum ou estranho nas Escrituras, devemos tomar nota especial disso, porque foi o propósito de Deus!

Depois dessa carta completa, que agora temos na forma de cinco capítulos separados, cheia de ensinamentos, cheia de instruções doutrinárias, cheia de sabedoria prática sobre como aplicar esse ensinamento em nossa vida, chegamos ao que é realmente uma declaração sumária, uma exortação em resumo, deste livro. E se pensarmos que essas palavras podem, na verdade, ser cronologicamente as últimas palavras do Novo Testamento, podemos até considerá-las como uma declaração sumária em que recebemos nosso chamado central, à luz de quem somos em Cristo Jesus: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos.”

Essas palavras formam o clímax das observações finais de João. Primeiro, ele nos diz por que ele escreveu essa carta em primeiro lugar, e já vimos várias vezes o propósito de João, o tema deste livro, que encontramos em 5.13: “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus.” E ele continua a nos dizer quem somos, em Cristo – podemos ter confiança nEle; sabemos que não podemos ser tocados pelo maligno. Podemos saber que somos de Deus, mesmo enquanto o mundo inteiro se encontra sob o controle do maligno. E finalmente, nós sabemos, e nos foi dado entendimento pelo Filho de Deus, para que possamos conhecer o verdadeiro Deus. Estamos unidos a Cristo pela fé, estamos unidos ao Pai por causa da nossa união com o Filho. E aí vem uma declaração clara que nos assegura sobre com quem estamos lidando quando estamos falando de Jesus Cristo: “Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.”

Então, irmãos, siga a lógica de João aqui. O Filho de Deus veio e nos deu entendimento. Agora, o que é esse entendimento? “Para reconhecermos o verdadeiro.” Mas quem é esse “o verdadeiro”? É Deus Pai, o único e verdadeiro Deus. E não só podemos conhecer Aquele que é verdadeiro: “Estamos no verdadeiro.” Nascemos de novo e, nessa nova vida, nos tornamos filhos de Deus. Estamos unidos a Ele, em Seu Filho. Conhecemos a Cristo, o Filho de Deus e, portanto, conhecemos o Pai. Estamos unidos a Cristo pela fé e, portanto, estamos unidos ao Pai. E tudo isso é possível porque Ele, o Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, não é apenas outro homem, nem mesmo um grande homem ou o maior dos homens – Ele é o verdadeiro Deus e Ele é a vida eterna.

Então, é isso quem somos; isto é o que nos tornamos, pela graça de Deus – através de Jesus Cristo, podemos conhecer a Deus e sermos conhecidos por Ele. E realmente, esta passagem é uma das grandes e centrais passagens nas Escrituras que lidam com a necessidade da Trindade; só podemos ter conhecimento de Deus Pai porque o Filho de Deus é Deus mesmo.

Paulo escreveu em Colossenses 1.15:

“Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação.”

Ele acrescentou, em Colossenses 2.9,10:

“Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade.”

Ele é a imagem, o representante na terra, do Deus invisível. Toda a plenitude da divindade habita nEle. Nosso Salvador é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

O próprio Jesus disse essas palavras a Filipe (em João 14.9-11):

“Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras.”

E em palavras intimamente relacionadas com esta última parte da primeira carta de João, Jesus disse isso em João 17.3: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.”

Em Cristo, Deus se revelou a nós como um homem verdadeiro e perfeito, como a imagem do Deus invisível. Ele se revelou de uma maneira que está além da compreensão: “Vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai, cheia de graça e verdade.” Quando olhamos para Jesus, olhamos para Deus. Quando nós O adoramos, nós adoramos a Deus. Quando louvamos a Ele, louvamos a Deus. Ele é a imagem gloriosa de Deus, o poderoso Filho de Deus e o próprio Deus. Esta é a misteriosa e gloriosa verdade do nosso Deus Triúno.

E assim, João nos diz, seus filhinhos na fé, para nos afastarmos dos ídolos.

E para entender a conexão entre o que João acabou de dizer sobre nosso relacionamento com Deus, por meio de Jesus Cristo, precisamos ter uma visão clara do que esses ídolos são. O que é um ídolo? Conhecemos o segundo mandamento:

“Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.”

E também sabemos que os ídolos não são apenas figuras ou imagens feitas de pedra ou madeira. Um ídolo pode ser qualquer coisa criada, qualquer objeção físico. Um ídolo pode ser um ser humano. Um ídolo pode ser uma idéia ou uma construção mental. E o maior e pior ídolo de todos, o ídolo com o qual todos nós temos que lutar, é o ídolo do “eu.” O pecado que atrapalha todo ser humano é o pecado de alta auto-estima. É colocar nós mesmos como o centro do universo, em torno do qual todo o resto deve girar. Esse é o ídolo principal que leva à criação de todos os outros tipos de ídolos menores ou subsidiários que apontam para esse ídolo central – eu.

Por que as pessoas adoram os ídolos? Simplesmente porque eles querem ter algum tipo de controle sobre seu deus. Adoradores de ídolos querem que seu deus faça o que eles querem, quando eles querem, da maneira que eles querem. Eles podem alegar estar adorando o único Deus verdadeiro, mas Ele deixou muito claro que Ele não deve ser adorado através dos ídolos, porque nenhuma imagem pode capturar o que e quem Ele é. Ele não deve ser adorado na forma de um ídolo porque não podemos ter o controle sobre Ele que os idólatras acham que têm sobre sua imagem de Deus. A adoração de ídolos significa a recusa de reconhecer que somos criaturas dependentes criadas à imagem de Deus, e a afirmação do inverso – que podemos criar nosso deus à nossa própria imagem.

E o que é o resultado de adorar ídolos? Salmo 115 diz o melhor:

“Prata e ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens. Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta.”

É isso que os ídolos são, se são ídolos de pedra ou madeira, ou ídolos que só existem em nossa mente ou em nosso coração. E o resultado da adoração a ídolos é este: “Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam.”

Nos tornamos como o objeto da nossa adoração. Os muçulmanos, por exemplo, adoram um ídolo que estava eternamente sozinho no universo, um ídolo que não tem amor como atributo, um ídolo que afirma ser gracioso, mas que na verdade não tem graça para oferecer. E assim, o fiel muçulmano se torna o que Ele adora – odioso, orgulhoso, totalmente sem graça e vicioso.

E o que acontece aos idólatras? Isaías nos diz em Isaías 44.18-20:

“Nada sabem, nem entendem; porque se lhes grudaram os olhos, para que não vejam, e o seu coração já não pode entender. Nenhum deles cai em si, já não há conhecimento nem compreensão para dizer: Metade queimei e cozi pão sobre as suas brasas, assei sobre elas carne e a comi; a faria eu do resto uma abominação? Ajoelhar-me-ia eu diante de um pedaço de árvore? Tal homem se apascenta de cinza; o seu coração enganado o iludiu, de maneira que não pode livrar a sua alma, nem dizer: Não é mentira aquilo em que confio?”

Alguém que fabrica ídolos, um idólatra, torna-se tão surdo e mudo e cego quanto o ídolo que ele construi. E, de novo, preciso enfatizar que não se trata apenas do problema da outra pessoa. Este não é só o problema do hindu que tem ídolos de metal que ele adora. Este não é só o problema dos católicos romanos que adoram imagens de Maria e dos santos. Este não é só o problema do animista africano que adora um pedaço de madeira esculpido.

Pode ser problema de qualquer pessoa. É a luta de todo o mundo. É a minha luta, é a sua luta. Um comentarista que li escreveu muito bem:

“Qualquer coisa que sustente minha vida e minha devoção, qualquer coisa que seja central em minha vida, qualquer coisa que pareça ser vital, qualquer coisa que seja essencial para mim, um ídolo é qualquer coisa em que eu vivo, e da qual eu dependo. Se estou adorando minha própria idéia de Deus, e não o Deus verdadeiro e vivo, isso é idolatria. A teologia muitas vezes se tornou ídolo para muitas pessoas; elas realmente adoraram idéias e não adoraram a Deus… é tão fácil esquecer a pessoa do Senhor Jesus Cristo e focar só nas idéias e nas teorias e nos ensinamentos a respeito dele. Quão fácil é parar, por exemplo, com a própria doutrina da expiação e esquecer a pessoa abençoada e o que ele sofreu por mim para que eu possa ser salvo. E isso é idolatria!”

Podemos dizer que essa é provavelmente uma das formas típicas de idolatria que prevalece entre os cristãos reformados, e é tão perigosa, tão mortal quanto qualquer outra forma de idolatria. É a criação de ídolos que leva a todos os outros pecados que destroem vidas humanas e traz desonra a Deus.

E assim, filhinhos, guardai-vos dos ídolos. Sabemos por que deveríamos – porque há apenas um Deus, e Ele nos disse como devemos pensar nele, como devemos adorá-lo, e que somente ele é digno de nossa adoração. Mas nestas duas últimas declarações da sua carta, o apóstolo João também nos diz como nos afastar dos ídolos. O Filho de Deus veio e nos deu entendimento.

Ele é a imagem do Deus invisível – se realmente o conhecermos, conheceremos a Deus. Não precisamos de outra imagem ou idéia de Deus. Não precisamos de uma conceito abstrato de quem ou o que Deus é, porque Deus nos deu a imagem perfeita e real de quem Ele é, na carne. Quando olhamos para Ele, olhamos para o Pai através da obra do Espírito Santo. Quando nos dedicamos a Ele, estamos nos dedicando, não a um ídolo morto, mas ao Deus vivo. Quando o amamos, estamos amando não algo feito à nossa própria imagem, mas a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação. Quando nós o admiramos, não é como a admiração que as pessoas dão aos seus ídolos puramente humanos, com todos os seus defeitos e falhas, ou qualquer outro produto da imaginação humana ou da criação de Deus – pois nele toda a plenitude da divindade habita corporalmente, e temos sido enchidos nele, que é o cabeça de todo governo e autoridade. Como nos separamos dos ídolos? Adorando o Filho. Por tê-ló como a realidade central, verdadeira e viva em nossa vida.

Quando estamos nele, estamos nele que é verdadeiro. Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna – não apenas a vida sem fim, mas “a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17.3). O que significa estar “em Cristo”? Significa ser membro do Seu corpo. Em Efésios 5, o apóstolo Paulo fala sobre o relacionamento entre Cristo e Sua igreja como o padrão para os relacionamentos humanos entre maridos e esposas. O marido é o cabeça da esposa, assim como Cristo é o cabeça da igreja, seu corpo.

“Pois ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo” (Efésios 5.29-30).

Em Colossenses 1, Paulo fala das aflições de Cristo, aflições que Ele levou por causa de Seu corpo – a igreja. É em 1 Coríntios 12, ele escreve sobre a a comunhão que temos em Cristo:

“Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo” (1 Coríntios 12.26-27).

Como nos separamos dos ídolos? Por meio da união viva e ativa com Cristo em seu corpo, a igreja. Pela fé nos unimos a Ele, pela fé nos unimos num corpo onde cada membro desempenha seu papel, do mais jovem ao mais velho.

E neste corpo, temos a oportunidade de encorajar uns aos outros, fortalecer-se mutuamente, ajudar-se mutuamente a crescer, manter-se mutuamente responsável. Podemos nos lembrar quem somos: Cristo é nosso cabeça, nosso Salvador. Ele amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Efésios 5.26-27).

A cura certa para a idolatria é conhecer este fato, e viver com esse conhecimento, regozijando-se nele, glorificando-se nele, sendo cheio de alegria e reverência pelo Filho de Deus, nosso cabeça, nosso Senhor, nosso Salvador. E nos lembramos, que assim como os adoradores de ídolos se tornam como o objeto da sua adoração, temos a promessa de que estamos nos tornando como Aquele a quem adoramos. “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8.29).

Meus irmãos, sabendo essa realidade, a realidade do eterno Filho de Deus e nossa união com Ele, reconhecemos a glória falsa e passageira de qualquer ídolo neste mundo. Reconhecemos que o ídolo é uma farsa, uma imitação fraca da verdadeira glória que não traz nada além de dor e tristeza. Em Cristo, pelo poder do Seu Espírito, através da fé, podemos considerar tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, nosso Senhor. Por causa dele podemos perder todas as coisas e as considerar como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele (Filipenses 3.8-9).

E nele, como seus filhinhos, podemos nos guardar dos ídolos. Fomos chamados para adorar ao único e verdadeiro Deus. E assim, filhinhos, guardem-se dos ídolos.

Amém.

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Jim Witteveen

Pr. Jim Witteveen é ministro da Palavra servindo como missionário da Igreja Reformada em Aldergrove (Canadá) em cooperação com as Igrejas Reformadas do Brasil. Atualmente é diretor e professor no Instituto João Calvino.

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.