Mateus 6.13

Leitura: Tiago 1. 1-18; Dia do Senhor 52, P&R 127
Texto: Mateus 6.13

Amada Igreja do nosso Senhor Jesus Cristo

Dentre todas as petições da oração do Senhor, há um consenso entre os estudiosos da Bíblia de que esta sexta petição que estamos vendo agora é a mais difícil de explicar. Mas por que é assim? Pelas seguintes razões:

Primeiro, há uma disputa entre os estudiosos se estamos lidando com uma ou duas petições. Alguns entendem que a expressão “não nos deixes cair em tentação” se refere à sexta petição e a frase “mas livra-nos do mal” se constitui na sétima e última petição. Por outro lado, é correto compreender que a conjunção “mas” nas palavras de Jesus conecta dois aspectos da mesma petição e não aponta para duas petições distintas. São dois lados da mesma moeda. Pedir ao Pai para não cair em tentação é o mesmo que pedir-lhe para ser liberto do mal de ser seduzido pelo diabo e pecar contra Deus.

Segundo, esta petição, à primeira vista, parece sugerir que Deus mesmo é quem nos tenta ao pecado. O que não é tão claro é o significado das palavras: “nos deixes”. O sujeito da frase é o Pai. O verbo está na voz ativa significando que é o Pai quem está agindo. No entanto, a Bíblia afirma claramente que Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta (Tg.1.13). Todos nós entendemos o que é uma tentação. Uma tentação é uma sedução ao pecado, uma atração para fazer o que Deus proíbe. Portanto, é impossível que Deus faça isso conosco porque ele é Santo e odeia o pecado. Somos tentados pela nossa própria cobiça (Tg.1.14) e por instigação de Satanás.

Terceiro, é preciso definir o significado da palavra “mal” na sexta petição para entendê-la corretamente. Há duas possibilidades de tradução aqui: 1) o adjetivo neutro indicando qualquer tipo de coisa má (mal físico/ sofrimento ou mal moral/ pecado); 2) o adjetivo masculino indicando um ser pessoal, no caso o Maligno, o próprio Satanás. Considerando que nesta petição, o mal está ligado à tentação e que dentre outros títulos bíblicos dados a Satanás, ele é chamado de Tentador, faz sentido, portanto, entender este mal como o próprio diabo e sua ação perversa de nos seduzir e conduzir ao pecado.  

4) Outra dificuldade que esta petição apresenta é que na língua original em que o NT foi escrito (grego) existe uma única palavra para provação e tentação (peirasmós). O contexto é que vai definir a tradução mais correta (exemplo: compare I Timóteo 6.9 – tentação com Lucas 8.13 – provação). Nesse sentido, a escolha pela palavra “tentação” na sexta petição é a mais correta, pois não estamos pedindo a Deus para nos livrar de ser provado por ele, mas de ser poupado de pecar contra ele, especialmente numa situação de provação. Diante disso, eu vos proclamo o evangelho de Cristo no seguinte tema:

No Contexto de Provação, Nós Rogamos ao Pai que nos Livre de Pecar contra Ele. Vejamos, portanto…

1) O que não estamos pedindo a Deus na sexta petição.

2) O que estamos pedindo a Deus na sexta petição.

1. A vida cristã é marcada por uma grande batalha espiritual. Enquanto peregrinamos para o céu no deserto deste mundo estamos envolvidos numa grande luta contra três inimigos declarados: nossa própria carne, o mundo e Satanás! Essa tríade maligna nos tenta continuamente. E nós somos tão fracos em nós mesmos que se formos deixados por Deus à nossa própria sorte em meio às tentações, certamente seremos derrotados e pereceremos. Daí a necessidade de clamarmos a Deus por graça e livramento.

Além disso, em nossa jornada de fé nós passamos por variadas provações (doença, escassez, luto, perseguição, opressão, injustiça, abandono, etc.). Deus mesmo pode nos sujeitar a esses tipos de sofrimento como fez com Jó, José, Paulo e tantos outros crentes do passado. Ele não nos prometeu livrar destes males enquanto peregrinos. Jesus disse que no mundo teremos aflições (Jo.16.33). E Paulo exortou os cristãos afirmando que por meio de muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus (At.14.22).

Essa é a realidade da nossa batalha espiritual: cercados de tentações e provações por todos os lados. Segundo a experiência dos santos do AT e NT percebemos que geralmente a provação e a tentação caminham lado a lado na vida do crente, ou seja, acontecem simultaneamente. O que eu quero dizer com isso é que sempre que Deus nos prova em alguma área da nossa vida para o nosso bem, Satanás está ali presente e se utiliza da situação para nos seduzir e conduzir ao pecado a fim de arruinar a nossa vida. 

Pense na árvore do conhecimento do bem e do mal que ficava no Jardim do Éden. Deus pôs aquela árvore ali para provar a fidelidade e a confiança de Adão e Eva para com ele. O Senhor não desejava que eles pecassem. De fato, Deus os capacitou à obediência e ainda os advertiu seriamente para que não comessem do fruto daquela árvore, porque se o fizessem, certamente morreriam. Satanás apareceu em cena e fez uso desta provação de fé para conduzir Adão e Eva à tentação. Ele disse que o fruto era agradável para se comer e que se eles o comessem não morreriam, mas seriam iguais a Deus, conhecedores do bem e do mal. Assim, Satanás, ao distorcer a palavra de Deus, transformou a provação do Senhor numa tentação. Nossos primeiros pais, incentivados pela antiga serpente e cegos por sua própria cobiça, deram à luz o pecado e geraram a morte para si mesmos e todos os seus descendentes (Tg.1.14,15).  

É assim também conosco, irmãos. Se Deus nos prova, por exemplo, com pobreza ou escassez para ver se nós vamos confiar nele, Satanás se aproveita dessa provação para nos tentar ao descontentamento e a se utilizar de meios ilícitos para adquirir recursos. Se Deus nos prova com prosperidade, Satanás utilizará esta ocasião para nos tentar ao pecado da avareza e idolatria, levando-nos a se esquecer de viver na dependência de Deus para confiar na instabilidade das riquezas. Se Deus nos põe num leito de enfermidade para glorificar o seu nome pelo nosso testemunho de fé e nos aproximar ainda mais dele, Satanás pode se utilizar dessa situação para nos levar à murmuração e ao ressentimento.

Assim, na sexta petição não pedimos a Deus que nos livre de sermos provados, pois as provações vêm dele e foram designadas para o nosso bem. Por meio delas, o Senhor deseja promover em nós perseverança, firmeza na fé, conformar-nos à imagem de Cristo e nos preparar para o céu. É por isso que Tiago encoraja os crentes que estavam dispersos e sofrendo todo tipo de perseguição a se alegrarem nas provações (ver Tg.1.2-4). O apóstolo Pedro dá o mesmo conselho aos cristãos peregrinos para quem escreveu (ver I Pedro 4.12-14). Como então, iríamos pedir a Deus que não nos deixasse ser conduzidos às provações se ele mesmo as designou para o nosso bem e que somos exortados a recebê-las com alegria e fé? 

Meus irmãos! Infelizmente alguns cristãos fazem esta petição com o entendimento equivocado e a motivação errada. Pedem a Deus que não os permita enfrentar nenhum tipo de sofrimento: “Pai, livra-me do mal; não permita que eu sofra nenhum tipo de tribulação”! Chegam até a exigir de Deus que os livre de toda e qualquer aflição e lhes conceda apenas benção e prosperidade. 

Amados! É claro que não vamos pedir a Deus por sofrimento. Também não é errado para nós clamar ao Senhor que alivie a nossa dor. Contudo, temos de entender que Deus, em seu propósito soberano e visando o nosso bem estar espiritual, pode permitir que passemos por variadas provações. Ele não retirou o espinho que afligia a carne de Paulo e nem livrou os três amigos de Daniel de serem lançados na fornalha ardente. Contudo, esteve com eles no vale da sombra da morte e lhes concedeu graça e força para serem aprovados em suas lutas de fé. Além disso, a Bíblia diz que o Senhor não permitirá que sejamos provados além da nossa força e juntamente com a provação nos proverá livramento (I Co.10.13). Deus não nos promete um paraíso na terra, mas garante a benção da vida eterna a todos que suportam com perseverança a provação (ver Tiago 1.12). 

Outra verdade que temos de entender na sexta petição é que não estamos pedindo a Deus para não sermos tentados de jeito nenhum. Algumas pessoas interpretam esta petição como um pedido pelo qual Deus deve nos impedir de toda e qualquer tentação. Mas não é bem assim. Se fosse a vontade de Deus que não sofrêssemos nenhum tipo de tentação, então, Ele precisaria nos tirar deste mundo e nos levar diretamente para o céu. A verdade é que, embora regenerados, ainda nos encontramos nesta vida debaixo do sol cercados por todo tipo de tentações e lutando diariamente contra o pecado que tenazmente nos assedia. Jesus afirmou que é inevitável que surjam os escândalos (Mt.18:7). Ele mesmo foi conduzido pelo Espírito Santo para ser tentado por Satanás no deserto (Lc.4.1,2). Não parece correto, portanto, interpretar esta petição como se estivéssemos pedindo ao Pai para nos poupar de toda e qualquer tentação.

É bem verdade que todos nós reconhecemos que nada nos acontece neste mundo sem a determinação de Deus (Sl.135.6; Ef.1.11), inclusive o fato de sermos tentados. Não foi por mero acidente que Davi deixou de ir para a guerra e viu do terraço do seu palácio Bate-Seba se banhando e veio a pecar gravemente (II Sam.11.3). Também não foi por acaso que José encontrou seus irmãos no campo e foi vendido por eles como escravo para o Egito (Gn.37). Mas isso não significa dizer que Deus é o autor do mal ou o culpado pelo pecado de Davi e dos irmãos de José. Ele pode até controlar as ações pecaminosas dos homens para cumprir seus propósitos, mas não deixa de julgá-los e condená-los por seus atos perversos. 

A verdade é que somos tentados todos os dias e de todas as formas. E quando nos entregamos à tentação e pecamos, a culpa não é de Deus, de outras pessoas ou das circunstâncias, mas nossa somente. O problema é que, a exemplo de nossos primeiros pais, não temos a tendência de reconhecer a nossa culpa, mas de justificar nossos erros e lançar a culpa nas outras pessoas e até em Deus mesmo. Perceba que esta petição jamais seria indicada por um psicólogo humanista ao seu paciente, uma vez que ele nega a realidade do pecado e enxerga o seu paciente como vítima da sociedade e das circunstâncias e não como responsável por seus atos. 

Por outro lado, ao nos conceder a sexta petição, Cristo reconhece que somos pecadores fracos em nós mesmos e lutamos contra inimigos mais fortes do que nós e, por isso, precisamos cada vez de novo clamar pelo poder de Deus para vencermos as tentações e o pecado. Você reconhece que é fraco em si mesmo e está cercado por tentações? E quando você se deixar seduzir pelas tentações e peca, você reconhece a sua culpa e confessa o seu pecado a Deus? Você pede ao Senhor para não voltar a cair em tentação? Você confia no poder de Deus para vencer na luta contra o pecado? 

2. Meus irmãos! Quando oramos “Livra-nos do mal”, nós não pedimos para ser poupados de toda tentação. Pois como o Catecismo nos ensina: “nossos inimigos declarados – o diabo, o mundo e nossa própria carne – nunca cessam de nos atacar” (P&R 127). Nós não estamos pedindo para sermos dispensados da batalha espiritual. Pelo contrário, estamos orando para que possamos ser fortalecidos no poder de Deus e sermos vitoriosos nesta guerra contra pecado (Ef.6.11): “Ó Pai, queiras, portanto, sustentar-nos e fortalecer-nos pelo poder do teu Espírito Santo, para que não sejamos derrotados nessa batalha espiritual, mas que sempre resistamos firmemente aos nossos inimigos…” (R.127). 

Rogamos ao nosso Pai Celeste que não permita que sejamos levados e entregues ao poder do Tentador e venhamos a cair em pecado. A expressão “nos deixes” nesta petição significa “carregar alguma coisa e depositá-la em algum lugar, entregar algo ao poder de alguém”. Sendo assim, Jesus nos ensina aqui a pedir a Deus para não nos entregar nas mãos dos nossos inimigos que vão nos seduzir e fazer cair no pecado. 

Ao fazer esta petição nós reconhecemos três coisas: Primeiro, nossa fragilidade e incapacidade de vencer na luta contra o pecado com nossa própria força e sabedoria. Tal petição abate a nossa soberba e nos chama à humildade de reconhecer que sem a graça e o poder de Deus não temos como mortificar as obras da carne, odiar o mundo e resistir ao diabo. Sem a ajuda de Deus, nada podemos fazer. É ele quem persevera em nós e por nós.

Segundo, reconhecemos que nossos inimigos são mais fortes do que nós. Nosso coração ainda é inclinado ao mal e nossa carne apela por satisfação pecaminosa. O mundo com o seu sistema anti-Deus é ilusório e atraente. Satanás, em sua astúcia e perversidade, lança suas investidas contra nós, procurando destruir a nossa relação com Deus. Se o Senhor não estivesse do nosso lado em todo tempo, já teríamos sucumbido diante dos nossos inimigos. 

Terceiro, reconhecemos que pé somente pelo poder do Deus Triúno que podemos resistir à tentação e ao pecado e sair vitoriosos na luta contra os nossos inimigos. Conhecendo a nossa fraqueza e a força do inimigo, o Senhor não nos deixou sozinhos no campo de batalha, mas providenciou todos os recursos necessários para alcançarmos a vitória. Ele guerreia conosco em nossas batalhas. 

Ao nosso Pai pertence o reino, o poder e a glória para sempre. Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem dele (Tg.1.17). Temos livre acesso ao seu trono para pedir-lhe sabedoria e firmeza para passar pelas provações e tentações com perseverança. Ele é generoso e dá liberalmente aos que lhe pedem com fé tudo que lhes é necessário. É dele somente que vem o nosso pão, perdão e proteção. Não sejamos inconstantes em nossos caminhos, mas oremos com fé ao nosso Pai Celestial, a fonte de todo bem.

Somos fortalecidos pelo exemplo de Cristo e sua obra perfeita de redenção. Foi por meio da oração e da palavra que Cristo venceu as tentações do diabo. E ele fez isso não só para nos servir de exemplo de perseverança, mas para revelar o seu poder sobre o diabo e conquistar a nossa salvação. Em Cristo somos mais que vencedores. Afinal de contas, por seu poder, Ele quebrou o poder de nossos três inimigos mortais e nos libertou de seu domínio. Ele veio ao mundo para destruir as obras do diabo (I João 3:8). Ele venceu o mundo (João 16:33) e na sua carne não conheceu pecado, mas foi fiel até a morte. Hoje, à direita do Pai, Ele intercede por nós, compadecendo-se de nós em nossas fraquezas e manifestando o seu poder para nos socorrer em nossas tentações (Hb.2.17,18; 4.15,16).

Pelo poder do Espírito Santo que habita em nós somos capacitados a fugir das tentações, mortificar as obras da carne, odiar o mundo e resistir ao diabo. O mesmo Espírito que nos gerou pela palavra da verdade nos santifica por esta mesma palavra e nos ajuda a superar as tentações e vencer o pecado. 

É responsabilidade nossa fortalecer-se no Senhor e na força do seu poder, revestindo-nos da armadura espiritual que ele dispensou a nós (Efésios 6.10-20). Se não estivermos revestidos com esta armadura, certamente seremos alvos fáceis dos nossos inimigos declarados. Cabe a nós, portanto, ter a espada do Espírito numa mão e o escudo da fé na outra, além de orar em todo tempo com toda oração e súplica. Guarde a palavra de Deus no coração para não pecar contra ele. Creia nas preciosas promessas de Deus para não se iludir com as mentiras sedutoras do diabo. E ore em todo tempo para receber graça e força da parte do Senhor. 

Você iria desarmado e desguarnecido para uma guerra contra um inimigo armado até os dentes para lhe combater? Seria uma tolice muito grande da nossa parte pedir a Deus livramento das tentações e, ao mesmo tempo, nos colocarmos de forma voluntária e vulnerável numa situação de tentação. Seria uma grande ilusão fazer esta petição e, em seguida, sair para lugares ou andar com pessoas que facilmente vão nos levar a cair em tentação! Quem cede aos apelos da carne, anda desatento perto das ciladas do diabo e do mundo não deveria pedir proteção ao Senhor! E mesmo que o faça, faz de forma mecânica e hipócrita! Ao contrário disso, Cristo nos ensina a orar e vigiar para não cair em tentação! 

Revista-se, portanto, da armadura de Deus para poder ficar firme contra as ciladas dos inimigos. Coloque-se sob o cuidado e a proteção de Deus e peça-lhe que o livre do mal, não do sofrimento em si, mas do pecado. Louvado seja o nosso Deus, pois é ele somente quem adestra nossas mãos para a batalha e é o nosso alto refúgio e libertador (Sl.144.1,2). Que possamos nós, em meio às tentações e provações que certamente nos sobrevirão neste novo ano, orar, vigiar e confiar no Senhor que é poderoso para nos dar livramento em ocasião oportuna! Amém! 

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Elissandro Rabêlo

Bacharel em Teologia pelo CETIRB – Centro de Estudos de Teologia das Igrejas Reformadas do Brasil (Atual Instituto João Calvino) (1999-2004). Fez Convalidação de Teologia na Universidade Mackenzie em São Paulo (2017). Ministro da Palavra e dos Sacramentos da Igreja Reformada do Grande Recife (PE), servindo como Missionário da Igreja Reformada em Fortaleza (CE).

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.