Sermão preparado pelo pastor Lucio Manoel
Leitura: Mateus 26.20-30
Texto: Dia do Senhor 29; Mateus 26.26-28
Amada Igreja do Senhor Jesus Cristo
“hoc est corpus meum“
Esta frase está em Latim e significa “Isto é o meu corpo”. Ela foi repetida muitas vezes durante a Grande Reforma do século XVI nos debates sobre a Ceia do Senhor.
Católicos Romanos, Luteranos e Reformados concordavam que na Ceia do Senhor, temos mais do que pão e vinho. Na Ceia os crentes comem o corpo e bebem o sangue de Cristo. Mas eles discordavam entre si sobre como esse se alimentar de Cristo acontece.
Os Católicos Romanos ensinavam e ainda ensinam que na Ceia do Senhor – eles chamam a Ceia de Missa – o pão se transforma na própria carne de Cristo e o vinho se transforma no próprio sangue de Cristo. Por isso, eles concluíram que ao comer o pão e beber o vinho, os comungantes realmente comem a carne de Cristo e ao beber o vinho eles realmente bebem o sangue de Cristo.
Os luteranos não falavam que o pão se transformava no corpo de Cristo nem que o vinho se transformava no sangue de Cristo, mas eles concordavam com os Católicos Romanos, que o corpo e o sangue de Cristo estavam presentes de verdade misturados no pão e no vinho da Ceia do Senhor.
Católicos Romanos e Luteranos não estavam tão distantes uns dos outros.
Existia ainda um grupo que acreditava que a Ceia servia apenas como um memorial. A Ceia apenas simboliza a morte de Cristo na cruz; ela não tem nada de espiritual a acrescentar àqueles que dela participam. Ulrico Zuínglio era um dos que afirmavam isso.
Os Reformados, porém, discordaram dos Católicos Romanos e dos Luteranos quanto ao modo da presença de Cristo na Ceia. Eles afirmavam que na Santa Ceia não acontece transformação do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo, nem acontece mistura do corpo e sangue de Cristo com o pão e o vinho. Os reformados ensinavam que na Ceia do Senhor os crentes comem o corpo de Cristo e bebem o seu sangue, mas de maneira espiritual, pela fé.
Esta posição reformada sobre a relação entre os elementos da Santa Ceia e as realidades para as quais eles apontam foi preservada no Domingo 29 do Catecismo de Heidelberg [1]
Ouçam a pregação da Palavra de Deus com o seguinte tema: na Santa Ceia, Cristo alimenta os crentes com seu corpo e sangue para a vida eterna
1) Não se trata de um alimentar-se carnalmente
2) Trata-se de um alimentar-se espiritualmente
1) Na Santa Ceia, Cristo alimenta os crentes com seu corpo e sangue para a vida eterna. Não se trata de um alimentar-se carnalmente
A Igreja Católica Romana não ensina a verdade sobre o comer o corpo e beber o sangue de Cristo. Ela ensina uma transformação do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor. É assim que eles têm interpretado o texto de Mateus 26.26,28 “Isto é o meu corpo … Isto é o meu sangue”.
Ouçam o que a própria igreja disse no Concílio de Trento, o concílio que reagiu contra a Reforma Protestante. Este concílio terminou em 1563, no mesmo ano em que o Catecismo de Heidelberg foi publicado.
“Se alguém disser que no Santo Sacramento da Eucaristia permanece, juntamente com o corpo e o sangue do nosso Senhor Jesus Cristo, a substância do pão e do vinho, e negue a maravilhosa e singular conversão de toda a substância do Pão em Seu corpo e do Vinho em Seu sangue, restando apenas as espécies de pão e vinho – cuja conversão a Igreja Católica denomina mui adequadamente de Transubstanciação – que seja anátema” [2]
Os romanistas explicam ainda que mesmo se a aparência, o sabor, o cheiro, a cor, continuam sendo de pão e de vinho, a substância dos elementos mudaram. A substância do pão mudou para a substância do corpo de Cristo e a substância do vinho mudou para a substância do sangue de Cristo.
Mas, a Bíblia não ensina sobre esta transformação. Não há nada nesta passagem que indique que no momento em que o Senhor levantou o pão e deu graças a Deus e no momento em que Ele levantou o cálice e deu graças a Deus, estes elementos tenham se transformado, o pão transformado em seu corpo e o vinho transformado em seu sangue.
Os romanistas falam que a frase “Isto é o meu corpo … Isto é o meu sangue” só faz sentido se for interpretada literalmente. Mas isso não é verdade. A Bíblia usa expressões semelhantes a esta em várias passagens, com significado simbólico, por exemplo:
1) Em João 14.6 Jesus disse “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. Essa expressão é uma metáfora. A Palavra de Deus não ensina nesta passagem que os crentes devem pisar em Jesus e andar por cima dEle porque Ele disse “Eu sou o caminho”. Mas a Palavra de Deus está ensinando que ninguém chegará a Deus por qualquer meio, por qualquer nome, por qualquer caminho, por qualquer ensino, senão através de Jesus, somente.
2) Em João 10.7 Jesus falou “Eu sou a porta das ovelhas”. Essa expressão também é uma metáfora. O nosso Senhor não está ensinando nesta passagem que Ele é uma abertura no curral das ovelhas ou que Ele é a porteira que fica presa por dobradiças e se abre para as ovelhas passarem. Mas nosso Senhor está falando em parábola.
Uma parábola é uma história rica em figuras e transmite um ensino por meio de imagens, de modo que todos podem compreender o ensino. As figuras de uma parábola são usadas para apontar outra coisa.
O verso 9 diz: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e achará pastagem”. Observem que as ovelhas que foram mencionadas no verso 7 agora são pessoas: “alguém”.
Se o texto fosse interpretado sem levar em conta o uso figurado de alguns elementos, então poderia ser interpretado assim: as pessoas que entram pela porta chamada Jesus vão encontrar pasto para comer.
Mas Jesus não está dizendo isso. Ele está ensinando que, como acontece entre um pastor e suas ovelhas, os crentes que estão unidos com Ele, ou seja, aqueles que tem comunhão com Jesus, estão seguros e protegidos nEle e são alimentados espiritualmente para a vida eterna que Ele tem para dar.
Em várias outras passagens bíblicas Jesus falou de maneira semelhante: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.48); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12); “Eu sou o bom pastor” (Jo 10.11); “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15.1). Essas expressões são metáforas. Em nenhuma desses casos houve transformação de uma coisa em outra.
Então, quando a Igreja Católica Romana interpreta o texto “Isto é o meu corpo … Isto é o meu sangue” sem considerar o sentido figurado da frase, ela diz o que a Palavra de Deus não quer ensinar.
Uma consequência grave deste erro é a seguinte: quando a Igreja Católica Romana fala que Cristo está corporalmente presente nos elementos da Ceia ela ensina que qualquer pessoa que comer os elementos da Ceia come e bebe de Cristo. Até se um ímpio ou um hipócrita estiver participando da Ceia eles comem o corpo de Cristo e bebem o sangue de Cristo. Mas isso está errado.
Por isso, você pode usar com segurança a pergunta e resposta 78 do Catecismo de Heidelberg para rejeitar o ensino da Transubstanciação: “Pão e vinho, então, transformam-se no próprio corpo e sangue de Cristo? Não. Nesse ponto, há igualdade entre o batismo e a ceia. A água do batismo não se transforma no sangue de Cristo nem tira os pecados. Ela é apenas um sinal divino e uma garantia disso. Igualmente o pão da santa ceia não se transforma no próprio corpo de Cristo, mesmo que seja chamado “corpo de Cristo” conforme a natureza e o uso dos sacramentos.”
2) Na Santa Ceia, Cristo alimenta os crentes com seu corpo e sangue para a vida eterna. Trata-se de um alimentar-se espiritualmente
Agora, se não acontece transformação nenhuma do pão em corpo de Cristo e do vinho em sangue de Cristo, porque lemos em Mateus 26.26,28 as palavras do Senhor Jesus dizendo do pão “Isto é o meu corpo” e dizendo do vinho “isto é o meu sangue”?
Isso é o que nos referimos como LINGUAGEM SACRAMENTAL. Sacramento não significa apenas um ato sagrado que foi ordenado pelo Senhor Jesus Cristo para ser realizado pela igreja. Significa também que os símbolos empregado neste ato sagrado apontam e garantem uma realidade espiritual. Por causa da importância que o símbolo tem no sacramento, às vezes a Bíblia toma o próprio símbolo para falar da coisa que ele aponta.
Por exemplo: o pão aponta para o corpo de Cristo. Esse símbolo é algo tão importante que as vezes ele é tomado como o próprio corpo de Cristo. O apóstolo Paulo fala dessa maneira em 1Co 10.16,17
“Porventura, o cálice da benção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão.”
Portanto, falar da Santa Ceia como sacramento não é dizer que pão e vinho são transformados no corpo e o sangue de Cristo, mas falar deste sacramento significa dizer que o pão e o vinho são sinais que apontam e garantem o que a Palavra de Deus promete nesta cerimônia.
E o que a Palavra de Deus promete na Santa Ceia? (P&R 79) “primeiro: que participamos de seu corpo e seu sangue pela obra do Espírito Santo, tão realmente como recebemos com nossa própria boca esses santos sinais em memória dele; e segundo: que todo sofrimento e obediência são nossos, tão certo como se nós mesmos tivéssemos sofrido e pago por nossos pecados.”
A Santa Ceia não apenas aponta para Cristo, a fim de que você se lembre do que Ele fez na cruz e de que Ele vai voltar um dia, como Zwinglio dizia. A Santa Ceia liga você a Cristo.
Participar do sacramento da Ceia com fé é participar de Cristo e ser beneficiado por Ele; é abraçar sua justiça; é receber perdão de pecados; é desfrutar a salvação; é desfrutar o dom do Espírito; esse é o começo da vida eterna.
Embora você esteja aqui na terra e ainda tenha de sofrer por causa dos pecados que persistem nesta vida, você está unido a Cristo. E quando Ele voltar na glória celestial, vocês gozarão a vida eterna plenamente.
É isso que a Santa Ceia ensina: um alimentar-se espiritualmente de Cristo. A Ceia aponta e garante nossa união com Cristo, pela fé. Amém.
Livro recomendado
[1] Os Sacramentos na tradição Reformada, Carlos Jeremias Klein, São Paulo: Fonte Editorial, 2005.
[2] Concílio de Trento, Decreto sobre a Eucaristia, Capítulo IV, Cânone 1; Catecismo de Westminster Comentado, Gerhardus Vos, Os Puritanos, P&R 170.2″