1 João 02.16

Leitura: 1 João 02.15-17; Lucas 04.01-13
Texto: 1 João 02.16

Amada Congregação do Nosso Senhor Jesus Cristo,

Passamos muito tempo nas últimas semanas falando sobre o significado de uma palavra nos escritos de João, e ao longo do Novo Testamento. É uma palavra simples, cinco letras em português, seis letras no grego original, mas é uma palavra que nos desafia e a nossa interpretação da Escritura, uma palavra que sempre devemos entender no seu contexto.

E aquela palavra é “mundo” – kosmos no grego original do Novo Testamento. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Em João 3.16, vemos que Deus ama o mundo.

“O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más.” Em João 3.19, vemos que Deus mandou a sua luz no mundo, na pessoa do Seu Filho, Jesus Cristo.

“Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu,” Jesus diz aos seus discípulos em João 15.19, “como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (João 15.19).

Aqui temos três passagens no evangelho de João, com três usos daquela palavra, “mundo.” Num sentido da palavra, “o mundo” é algo que Deus ama. Num outro sentido da palavra, “o mundo” é o lugar a qual Deus enviou Seu Filho. E em até mais um sentido da palavra, “o mundo” é o lugar que odeia o povo de Deus. E agora voltamos à primeira carta de João, e nosso texto – “Porque tudo que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo.”

Na igreja primitiva, muitos cristãos não entenderam esse versículo. Eles acreditaram que a palavra “mundo” aqui significou o mundo físico, o mundo de coisas e objetos, o mundo de corpos físicos e desejos físicos, e por isso eles tentaram se separarem daquele mundo. Estes eram os ascetas, os homens e mulheres que foram para o deserto sozinho, para escapar do que eles pensavam como “o mundo.” Eles acreditavam que se deixassem o mundo físico para trás, eles poderiam deixar o pecado para trás. Eles acreditavam que, se denegrissem esse mundo físico e exaltassem o mundo “espiritual,” poderiam alcançar uma espécie de santificação que não seria possível se permanecessem no mundo, que viam como a criação e tudo o que nele existe.

Eles entenderam “a concupiscência da carne” como a sexualidade humana – e por isso eles renunciaram o casamento e tudo associado com o casamento – e podemos ver os resultados até agora no sacerdócio católico romano. Eles entenderam “a concupiscência dos olhos” como sendo as coisas que eles poderiam enxergar e desejar, e por isso eles evitaram qualquer coisa que poderia atrair os olhos. E podemos ver o resultado até hoje naqueles grupos de cristãos que usam apenas roupa preta, que não decoram, que não querem nada a ver com nada que seja atraente fisicamente. E eles viram “a soberba da vida” em todo canto, e por isso eles se degradaram, física, mental, e espiritualmente. Eles torturaram seus próprios corpos. Eles entraram em todo tipo de excesso. Eles não pensaram em si mesmos como sendo “no mundo, mas não do mundo.” Eles queriam se separarem completamente do mundo ao seu redor.

Mas o que é “o mundo”? Precisamos saber, porque João nos diz, “Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele.” E com certeza, queremos amar o Pai, não é? Então precisamos de clareza quanto o significado dessa palavra “mundo,” e o que significa “amar o mundo,” para que nós possamos evitar cairmos na cova que ameaçou atrapalhar cada geração do povo de Deus desde a queda no pecado – aquela cova, aquela armadilha, aquela ameaça, de mundanismo.

João explica o que o mundo é, explicando de que tipo de coisas esse “mundo” é feito. O que está no mundo? A concupiscência da carne. A concupiscência dos olhos. A soberba da vida. “Mundo” aqui em 1 João 2.16 não é o mundo físico. Não é o mundo da humanidade em geral. É o mundo de João 1.10 – “O verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu.” O mundo que não devemos amar é o sistema maligno deste mundo, o mundo da semente da serpente, o mundo que está sob o domínio do maligno. É o mundo sobre o qual Tiago escreve em Tiago 4, onde ele diz em versículo 4: “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.”

Devemos não amar o mundo; aquele sistema mundial sem Deus que ignora o Criador; aquele mundo de ódio a Deus que quer ser independente do único Deus verdadeiro; esse modo de vida baseado na rebelião contra Aquele que deveria ser servido. Se amamos esse mundo, o amor do Pai não está em nós; o amor por esse mundo é nada mais do que inimizade com Deus. Amar este mundo terá um resultado só: você se tornará inimigo de Deus.

Parece horrível. Quando pensamos no mundo como sendo o mundo que odeia a Deus, o mundo que não quer conhecer a Deus, o mundo que se rebela contra Ele, deve trazer repulsa em nossos corações. Mas por que tantas vezes nos ficamos tão apaixonados pelas coisas deste mundo? Por que essas coisas são tão tentadoras para nós?

A resposta a essa pergunta remonta à queda de nossos primeiros pais no Éden. Podemos ver todos os ingredientes deste “amor do mundo” já em Gênesis 3.6:

“Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.”

Na perfeição do Paraíso, nossos primeiros pais caíram na tentação do “mundo.” Eva viu que a árvore era boa para se comer – seu fruto apelava para os desejos da carne, o desejo de satisfação das coisas físicas divorciadas de Deus. Ela viu que era uma delícia para os olhos – apelava para a concupiscência dos olhos – só de ver sua beleza era uma tentação. E finalmente, ela viu que era desejável para dar entendimento – era desejável para agarrar sabedoria independente de Deus; apelava para a soberba da vida, o orgulho de fazer alguma coisa, de conseguir algo, de conhecer algo, separado de Deus.

Ao sucumbir à concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e à soberba da vida, nossos primeiros pais tomaram o caminho da independência de Deus, em vez de dependerem do Deus que os criou e cuidou deles, o Deus que fez com que eles fossem criaturas dependentes, não independentes. Nossos primeiros pais escolheram acreditar na mentira em vez da verdade e, desde então, toda a humanidade seguiu seus passos, à parte da graça salvadora de nosso Deus, através de Jesus Cristo.

Por isso o mundo permanece uma tentação para nós. E por isso precisamos da graça de Deus, a graça do Espírito Santo – para que possamos vencer o mundo e suas tentações, para que possamos vencer o maligno, para que possamos aprender a viver, não de forma independente, mas de forma dependente, dependendo de Deus para o nosso prazer, dependendo de Deus para nossa satisfação, não das coisas deste mundo.

E por isso precisamos ficar em guarda; estamos sempre em perigo de nos distrair, de nos desviar, de sermos enganados pelas coisas deste mundo. A concupiscência é um desejo desmedido. É o desejo de algo fora dos limites que Deus fez.

João começa com “a concupiscência da carne.” E embora pensamos muitas vezes nessa frase em termos de sexualidade, e em nossa cultura é um dos maiores perigos que enfrentamos como povo de Deus; mas é mais do que isso – é um desejo de qualquer coisa fora dos limites que Deus, em Sua sabedoria, colocou sobre eles. Sim, é um desejo de sexo, além do vínculo da aliança e compromisso do casamento. É também outras coisas óbvias, como o desejo de álcool que vai além dos limites que Deus estabeleceu. Mas também pode incluir um desejo de comida, um desejo de conforto, um desejo de amizade, um desejo por qualquer uma das coisas boas desta vida. É um desejo de prazer físico que faz do prazer o bem final, em vez do Deus que criou esse prazer. Qualquer um dos bons dons de Deus pode se tornar um objeto das concupiscências da carne, so nos divorciamos daquele que dá esse dom, Aquele que nos diz como devemos desfrutar desse dom. Quando isso acontece, como João diz no fim do versículo 16, o que quer que seja que desejamos torna-se algo que não é do Pai, mas é do mundo.

A segunda concupiscência é “a concupiscência dos olhos.” Pode pensar que você fez muito bem quando se trata da concupiscência da carne. Você é tentado, mas você se nega. Você fica o mais longe possível do pecado. Você evita situações que podem levá-lo à tentação. Você ora para que não seja levado à tentação e não se coloque em lugares onde possa ser tentado. Mas você ainda olha para o mundo com algum desejo. O pensamento surge na sua mente que você está sacrificando todas essas coisas em sua vida, mas o mundo pode apreciá-las, e você se ressente disso.

O rei Davi lutou com esse problema, junto com a concupiscência da carne – podemos ver isso em Salmo 73.3-5:

“Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio. Não partilham das canseiras dos mortais, nem são afligidos como os outros homens.”

Ou você fica longe do ato físico de adultério, mas brinca com adultério em sua mente. Você fica longe dos prazeres pecaminosos que o mundo tem para oferecer, mas você ainda gosta de dar uma olhada de vez em quando. Você inveja – o que você vê leva você a desejar, pensando que isso o fará feliz. Essa é a concupiscência dos olhos.

E finalmente, temos a soberba da vida, o orgulho que levou Eva a buscar a independência de Deus. Nós vemos tudo ao nosso redor. É uma arrogância, um orgulho de riqueza, de posses, de ter uma bela casa, ter um bom carro. Mas essas coisas são óbvias para nós. Mas pode ser um orgulho em coisas que são boas em si mesmas. Pode ser um orgulho espiritual, um orgulho na igreja, na doutrina, em certas práticas, um orgulho que nos faz desprezar os outros.

Pode ser um orgulho na educação, um orgulho no trabalho, orgulho em certa posição social, um orgulho be busca honra mundana, ou mesmo honra dentro da igreja. Pode ser um orgulho na beleza pessoal, no encanto pessoal, uma personalidade encantadora, de boa aparência, de ser amado pelos outros… de novo, todas essas coisas, em seu contexto apropriado, como dadas por Deus, são boas. Uma bela casa, um bom carro, um bom emprego, uma boa família, uma boa educação – todas essas coisas são dons preciosos que Deus nos dá. Mas eles devem ser motivo de humilde agradecimento, não de orgulho. Nosso orgulho não deve estar em nossas próprias realizações, e nossa motivação para realizar qualquer coisa não deve ser a motivação que o mundo tantas vezes tem – a motivação de parecer bem diante dos outros, a motivação de superar o próximo.

Em Jeremias 9.23-24, o SENHOR declarou:

“Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR.”

E o apóstolo Paulo cita esta passagem em 1 Coríntios 1: “Vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se glória, glorie-se no Senhor.”

A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, a soberba da vida – é isso que constitui o mundo, e se amamos essas coisas, o amor do Pai não está em nós. Isso é motivo suficiente para querermos rejeitar o amor ao mundo, mas João nos encoraja ainda mais a não amar as coisas deste mundo, em versículo 17: “O mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.”

Todas essas coisas vão passar. Busque a felicidade nas coisas deste mundo, e você se encontrará com nada além de miséria. Tentar obter satisfação de um mundo que estes desaparecendo é como tentar satisfazer sua sede bebendo água salgada – quanto mais você bebe, mais sedento você fica. E acabará por matar você.

Mas, novamente, lembre-se disto: os mandamentos das Escrituras, neste caso, o mandamento de não amar o mundo ou as coisas do mundo, sempre chegam a nós edificados sobre o fundamento que o Apóstolo João estabeleceu para nós nos versículos anteriores. Você está em Cristo. Ele te deu força. Em Adão, como filho de Adão, como vimos, nossa inclinação natural é odiar o Deus deste mundo e amar as coisas deste mundo. Além de Cristo, não podemos fazer nada. A resposta às tentações do mundo é encontrar a sua alegria em Cristo, a alegria que só é possível em Cristo.

Nós lemos sobre a tentação de Cristo no deserto. Nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado no deserto exatamente da mesma maneira que nossos primeiros pais foram tentados no jardim do Éden. Satanás o atacou onde ele foi o mais fraco, fisicamente. “Se tu és o Filho de Deus,” diz Satanás, “transforma essas pedras em pães.” Você não precisa estar com fome! Você não precisa sofrer fisicamente! Você pode ter suas necessidades físicas satisfeitas aqui e agora, se você fizer essa única coisa! Satanás apelou para os desejos físicos de Jesus, para a fome que quase o dominou após quarenta dias no deserto.

E então o maligno mostra a Jesus todos os reinos do mundo. “Tudo isso pode ser teu,” ele diz, “se apenas me adorasse.” Ele apelou para o desejo dos olhos, o desejo perfeitamente legítimo de domínio que Jesus tinha. Como o Messias, Jesus sabia que todo o poder e autoridade sob o céu seria dado a ele, e aqui Satanás estava mostrando a Ele uma maneira de alcançar esse poder sem sofrimento!

E finalmente, o tentador apela para a soberba da vida – “O levou a Jerusalém, e o colocou sobre o pináculo do templo, e disse: Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo.” Mostra seu poder, usa teu poder para teu próprio bem desta vez, e pode desafiar a morte de uma maneira espetacular! Satanás tenta fazer com que Jesus use seu poder para seus próprios propósitos, em vez de usá-lo apenas para o cumprimento de sua missão na Terra.

O soberano desta época maligna, o príncipe do poder do ar, usou todas as armas do seu arsenal contra o nosso Salvador, e nosso Salvador resistiu até o fim. E Ele resistiu no poder do Espírito Santo, respondendo a todas as tentações com a Espada do Espírito, com a poderosa arma da Palavra de Deus. Para cada mentira que o maligno contava, Ele respondeu com a verdade da Palavra de Deus. Contra todo decepção, Ele permaneceu firme no Espírito.

E agora, irmãos, unidos a Cristo pela fé, vocês não são impotentes contra as forças da maldade não mais. Vocês receberam o Espírito Santo, para dar força na batalha contra esta escuridão presente. Confie no Senhor, e Ele lhe dará força. Olhe para Ele, e Ele lhe dará o que você precisa. Precisamos reconhecer nossa própria fraqueza pessoal, nossa falta de poder em nós mesmos. Mas, ao mesmo tempo, nunca devemos esquecer que estamos em Cristo. E nEle, como o apóstolo Paulo diz em sua carta aos romanos, somos mais que vencedores!

João voltará a esse tema novamente no quarto capítulo desta carta, e não haverá palavras de encorajamento maiores que o povo de Deus, lutando nessa batalha, pode ouvir:

“Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo.”

Amém.

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Jim Witteveen

Pr. Jim Witteveen é ministro da Palavra servindo como missionário da Igreja Reformada em Aldergrove (Canadá) em cooperação com as Igrejas Reformadas do Brasil. Atualmente é diretor e professor no Instituto João Calvino.

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.