1 João 02.04

Leitura: 01 João 02.01-06; Deuteronômio 10
Texto: 01 João 02.04

Amada Congregação do Nosso Senhor Jesus Cristo:

A vida está cheia de provas. Não estou falando sobre provações ou dificuldades, mas, na verdade, provas – provas que determinam o quanto sabemos, provas que determinam o quanto entendemos, provas que determinam quão habilidosos somos numa coisa ou outra. Os alunos entre nós sabem tudo sobre isso, e todos nós somos testados de uma forma ou outra ao longo da nossa vida.

Na escola, somos testados sobre o quanto sabemos. Como sabemos que sabemos alguma coisa? Digamos que você tenha estudado para uma prova, que se sinta bem preparado e que conheça o material. Então você vai ao seu professor e diz, “Eu conheço todo o material, então não preciso fazer a prova.”

Sem dúvida ele vai olhar para você de forma estranha. Sem ter sido testado, como você pode saber que conhece qualquer coisa? Então você diz ao seu professor: “Veja. Eu tenho um sentimento no meu coração que eu sei disso. Ontem à noite, enquanto estava estudando, tive uma súbita percepção de mim mesma, e aquela vozinha dentro de mim disse, ‘Agora você sabe disso.’ Eu tive essa experiência. Foi mística. Foi impressionante. Eu sei que sei.”

O professor, se ele já não tivesse fugido de você pensando que você é louco, certamente diria a você, “Ok, já que você tem tanta certeza de que sabe, faça a prova, e prove.” Não saiba que você realmente aprendeu o que foi ensinado a menos que você sustente a prova – a menos que você mostre pelo seu trabalho que você aprendeu tudo, que você internalizou o material, que você o compreende. Como você sabe que sabe? Você sabe, sustentando a prova.

O Apóstolo João nos diz o ponto central da sua primeira carta em 1 João 5.13:

“Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus.”

João escreve sobre a segurança. Ele havia escrito seu evangelho para nos levar à fé, e agora essa carta deveria fortalecer-nos nessa fé. Por meio da mensagem do evangelho, chegamos a conhecer Jesus Cristo. Mas como sabemos que passamos a conhecê-lo? Como podemos ter certeza de que estamos unidos a Ele? Como podemos ter certeza de nossa salvação em Jesus Cristo?

Esta é a mensagem de João em nosso texto. Ele escreve para encorajar a vida santa, “para que não pequeis,” como ele diz em versículo 1. Mas, ao mesmo tempo, ele sabe que todos ficam aquém da santidade que Deus requer. E assim ele acrescenta que se alguém pecar, nós temos advogado diante do Pai – Jesus Cristo, que é verdadeiramente e perfeitamente justo. Ele se ofereceu como a propiciação pelos nossos pecados – como o sacrifício que apaziguaria a ira do Pai contra o pecado. E essa propiciação é para todos que crêem, independente de onde eles vêm, independente de sua origem, independente de quando na história eles viveram ou viverão.

Mas para ter parte desta propiciação, a fim de ter nossos pecados cobertos pelo sangue de Cristo, precisamos estar unidos a Ele pela fé. Precisamos conhecê-lo verdadeiramente, ter conhecimento íntimo dele, ter a verdadeira comunhão com ele, que vem somente pela fé verdadeira.

Ao longo da história da igreja, esta questão da segurança da salvação continuou a exercitar os teólogos, especialmente em certos momentos da história, quando parecia que essas questões realmente entraram numa posição de destaque. Como podemos saber que somos salvos? Como podemos saber que nossa fé é real? Como podemos saber que somos parte do povo eleito de Deus?

Existem aqueles que lutam com esses problemas. Pode se tornar um tipo de obsessão, algo que consome, algo que se torna a questão importantíssima na vida do cristão – como posso ter certeza de que sou realmente salvo?

E alguns apontaram à experiência como a resposta. Como o aluno que mencionei na minha introdução – este aluno alega conhecer o material por causa de uma visão mística que ele tinha. É como um louvor que eu conheço em inglês, mas imagino que já foi traduzido em português também. Aqui estã um verso daquele hino (pelo menos na minha tradução):

Jesus vive, Jesus vive, salvação para conceder

Você me pergunta como eu sei que ele vive

Ele vive dentro do meu coração, oh sim,

Ele vive dentro do meu coração.

Esse hino responde à questão da segurança com conhecimento experiencial e místico. Como é que eu sei que meu Salvador vive (e, por implicação, que eu vivo nele)? Ele vive dentro do meu coração!

Soa bem, parece muito simples, mas também é enganador e anti-bíblico.

Confessamos juntamente com Jeremias, em Jeremias 17.9:

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?”

Se eu tiver que olhar para o meu coração em busca de segurança, estou procurando no lugar errado. Eu nem sempre me sinto forte em minha fé. Tenho dúvidas. Vacilo. Luto com pensamentos enganosos. Ele vive? Sim. Ele vive dentro do meu coração, Sim, pela graça de Deus, o Espírito de Cristo habita em mim pela fé. Como eu sei disso? Por causa de um sentimento dentro de mim? Por causa de uma experiência mística? Não. O coração é enganoso. Os sentimentos enganam. Experiências místicas podem ser caudadas pela fome, pela falta de sono e por certos produtos químicos. Não podemos contar com essas coisas também.

Então, não buscamos algum tipo de experiência de conversão, algum tipo de experiência mística esmagadora que nos diz que somos verdadeiramente salvos. Mas o que devemos procurar? Se nos encontramos com dúvidas sobre nossa fé, duvidando nossa salvação, duvidando se somos realmente filhos de Deus, o que devemos fazer? E se nunca tivéssemos uma experiência mística esmagadora? Certo, pode acontecer na vida do crente, não quero negar isso. Mas não é uma experiência universal.

A conversão pode ser instantânea e notável, ou pode acontecer como resultado de um processo que pode nem mesmo ser discernível para nós. Especialmente os filhos da aliança, criados em famílias cristãs, nunca conhecendo um momento em que não conhecêssemos a Cristo e crêssemos nele, esse tipo de experiência pode nunca acontecer.

Mas mesmo que aconteça, não é motivo para segurança. João nos diz claramente um dos principais fundamentos da segurança da salvação: Como sabemos que o temos conhecido? Por isto: se guardamos os seus mandamentos. Como podemos ter certeza de que estamos nele? Se guardarmos a Sua Palavra. Como podemos saber que Cristo habita em nós? Andamos assim como ele andou.

Nós temos a tendência de complicar as coisas demais. Alguns de nós temos a tendência de analisar as coisas demais, tornando as coisas mais difíceis do que realmente são. Basicamente, a mensagem de João é muito simples, muito realista e facilmente compreendida por todos nós. Como você pode saber que o tem conhecido? Se guarda os seus mandamentos. Como você pode saber que está nele? Anda como ele andou.

Como Ele andou? Como nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo andou durante sua vida na terra?

Ele confiou em seu Pai celestial. Através de toda a sua vida, Ele não vacilou. Ele foi “fiel àqueles que o constituiu, como também o era Moisés em toda a casa de Deus” (Hebreus 3.2).

Ele era perfeitamente obediente, obediente até a morte. Ele assumiu a forma de servo, tornando se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz (Filipenses 2.7-8).

Ele buscou fazer somente a vontade do Pai, entregando-se por seu povo. No Getsêmani,

“Ele, por sua vez, se afastou, cerca de um tiro de pedra, e, de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lucas 22.41-42).

Sua vida era doação de si mesmo, a vida de abnegação, totalmente centrada no bem dos outros e não em seu próprio bem, totalmente dedicada à glória de Deus Pai. E nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou.”

Você quer certeza da sua salvação, de que você pertence a Cristo? Você quer saber que sua fé é real? Então você deve andar assim como Ele andou! O caminho da obediência. O caminho de “seja feita a tua vontade,” não, “seja feita a minha.” O caminho de auto-sacrifício. O caminho de serviço. O caminho da fidelidade.

Existem dois grandes mandamentos, nosso Senhor disse:

“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lucas 10.27).

Pertencer a Cristo não é uma questão de alguma experiência mística, alguma coisa emocional ou extática. É amar o Senhor de todo o coração e, fluindo desse amor ao Senhor, amar o próximo como a si mesmo. Lemos isso em Deuteronômio, e o chamado para nós não é diferente hoje do que naquele tempo:

“Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor requer de ti? Não é que temas o SENHOR, teu Deus, e andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração e de toda a tua alma, para guardares os mandamentos do SENHOR e os seus estatutos que hoje te ordeno, para o teu bem?” (Deuteronômio 10.12-13).

Moisés chamou o povo à obediência fiel novamente em Deuteronômio 30:

“Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando o SENHOR, teu Deus, dando ouvidos à sua voz e apegando-te a ele; pois disto depende a tua vida e a tua longevidade; para que habites na terra que o SENHOR, sob juramento, prometeu dar a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó” (Deuteronômio 30.19-20).

João Calvino disse sobre essa passagem: “A lei, que é espiritual, não ordena apenas obras externas, mas ordena isto especialmente, amar a Deus de todo o coração.”

Mas você pode dizer: “Como isso me ajuda? Eu não vivo como deveria. Eu não faço boas obras o suficiente. Quando eu penso na minha vida, eu não tenho nenhuma garantia, porque não há o suficiente para mostrar.” Esse tipo de auto-exame pode se transformar num exercício de “contagem de frutos.” Nós pensamos: “Eu preciso ter o fruto do Espírito. Então, quantos frutos eu tenho?” E então caímos no desespero porque achamos que não é suficiente.

A resposta para esse desespero não é auto-exame contínuo. Não é uma espécie de olhar sagrado para dentro de nós, à medida que continuamos a entrar em ciclos cada vez mais profundos de auto-exame. O fato é que, se olharmos para nossas obras para nos salvar, nunca daremos frutos suficientes. Se olharmos para nossas obras para fazer Deus nos amar, nunca daremos frutos suficientes.

Porque a vida cristã não é um processo mágico onde, quando você se converte, de repente você começa a fazer o certo sem escolher fazer o certo, ou sem fazer uma escolha consciente para fazer o que é certo e rejeitar o que está errado. O apóstolo Paulo deixa isso claro, enquanto ao mesmo tempo enfatizando a soberania de Deus, em Filipenses 2.12-13:

“Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor.”

“Desenvolvei a vossa salvação” – esse é o imperativo, o mandamento para o povo de Deus. Mas então vem o indicativo. Devemos desenvolver nossa salvação com temor e tremor,

“porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.”

O apóstolo Pedro diz a mesma coisa em 2 Pedro 1:

“Reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.”

E ele acrescenta:

“Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum.”

“Procurai confirmar a vossa vocação e eleição.” “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor.” Repetidas vezes a Palavra de Deus nos dá a mesma mensagem:

“Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para a vossa alma” (Jeremias 6.16).

“Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; andai em todo o caminho que eu vos ordeno, para que vos vá bem” (Jeremias 7.23).

A fé que é real é a fé obediente. Fé que é real é a fé operando através do amor. Quando isso acontece, nossa obediência resume-se a uma coisa, nas palavras de nosso Senhor Jesus:

“A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado” (João 6.29).

E, claro, sempre precisamos lembrar o contexto. Lembre-se do que João já havia dito:

“Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós… Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (1 João 1.8,10).

Lembre-se, ele estava escrevendo essas coisas para nós, ele diz, “para que não pequeis.” “Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2.1).

Não estamos falando de perfeição sem pecado – nesta vida é impossível, e não é disso que João está falando aqui.

Confessamos no Dia do Senhor 44 do Catecismo de Heidelberg:

“Até mesmo os mais santos nessa vida só têm um leve começo dessa obediência.”

Mas eis a coisa incrível que acontece nas vidas do povo de Deus:

“Mesmo assim, eles começam a viver – com sincero fervor e propósito – não apenas segundo alguns mandamentos de Deus, mas conforme todos eles.”

Essa é a incrível obra de Deus em nossas vidas, obra evidenciada pela maneira como vivemos. De odiadores dele, Ele nos faz pessoas que o amam. De inimigos uns dos outros, Ele nos torna pessoas que amam os outros. De pessoas que odeiam os mandamentos de Deus, pessoas que amariam nada mais do que quebrar cada um deles, e tanto quanto possível, Ele nos torna pessoas que “com sincero fervor e propósito” começam a viver não apenas segundo alguns desses mandamentos, mas conforme todos eles.

Na Antiga Aliança, a justificação era uma questão de fé, não de obras. Levar uma vida justa, viver de acordo com os mandamentos de Deus, significou amar o Senhor, significou confiar em sua graça. Significou adorar ao Senhor, usando seus meios de graça, o sistema sacrificial que apontava para Cristo, as cerimônias e festivais que apontavam para Cristo. Significou que o povo de Deus era chamado não para ganhar ou merecer sua salvação, mas para confiar em Deus. Homens justos eram homens que guardaram a aliança, homens que eram fiéis ao seu Deus.

E o mesmo é verdade hoje. Temos a certeza da obra de Deus dentro de nós pela evidência dessa obra em nossas vidas. Nós olhamos para o único sacrifício de Cristo na cruz como nossa justiça. Nós confiamos na graça de Deus. Nós nos humilhamos diante dele. Usamos os meios de graça que Ele nos deu – a leitura e a pregação da Palavra, os sacramentos, para nos fortalecer. Constantemente nos arrependemos de nossos pecados, constantemente olhamos para Cristo. Essa é a evidência de que estamos unidos a Cristo pela fé. Para citar João Calvino novamente:

“João não entende que aqueles que guardam os mandamentos satisfazem totalmente a lei (nenhum exemplo desse tipo pode ser encontrado no mundo), mas que eles são aqueles que se esforçam, de acordo com a capacidade da enfermidade humana, de formar sua vida em conformidade com a vontade de Deus. Pois sempre que a Escritura fala da justiça dos fiéis, não exclui a remissão de pecados mas, ao contrário, começa com ela.”

Então, se você duvida de sua salvação, se você duvida que você pertence a Cristo, olhe para Ele. O fato de você cair em pecado, o fato de que você não conseguir alcançar o ponto de santidade em sua vida que você quer alcançar, não significa que você não é um cristão – significa apenas que você está enfrentando a mesma luta que todos os justos enfrentaram ao longo da história. Não duvide das promessas de Deus. Ele é fiel, e quando você se aproxima a Ele com humildade, com fé, Ele nunca o desviará. O Artigo 16 do primeiro Capítulo dos Cânones de Dort diz isso:

“Alguns não ainda discernem claramente em si mesmos uma fé viva em Cristo, nem confiança firme no coração, nem boa consciência, nem zelo pela obediência filial e pela glorificação de Deus por meio de Cristo.”

Então, o que deveria fazer? Esse artigo diz:

“Apesar disso, eles usam os meios pelos quais Deus prometeu operar tais coisas em nós. Eles não devem se assustar quando se fala da reprovação, nem devem se incluir entre os reprovados. Pelo contrário, devem continuar a usar esses meios com diligência, a almejar com fervor um tempo de graça mais abundante e a esperá-lo com reverência e humildade.”

E tenho certeza disso: aquele que iniciou uma boa obra em você a completará no dia de Jesus Cristo (Filipenses 1.6). Acredite.

Amém.

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Jim Witteveen

Pr. Jim Witteveen é ministro da Palavra servindo como missionário da Igreja Reformada em Aldergrove (Canadá) em cooperação com as Igrejas Reformadas do Brasil. Atualmente é diretor e professor no Instituto João Calvino.

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* Este sermão foi originalmente escrito para uso do pastor e não passou por correção ortográfica ou gramatical.