Um estudo sobre a questão do rebatismo

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VOCABULÁRIO

O vocabulário básico é: Baptizo. Baptisma Baptismos. Estes são, respectivamente, o verbo e os substantivos, significando batizar e batismo. Eu irei mais fundo dentro do significado ritual dessas palavras em outro post. Por enquanto, pretendo apenas mapear o terreno.

O significado básico de baptizo nas Escrituras é lavar (Mc. 7: 4; Lc.11:38). O termo refere-se nestes textos a um rito de lavagem para purificar ou impedir a disseminação da impureza.

Baptismos também é usado neste sentido (Mc. 7:4), para os ritos de purificação no A.T. (Hb. 9:10), e possivelmente para as lavagens rituais do A.T na igreja do N.T (Hb. 6:2). Em todos esses casos, é no plural.

Baptizo em Marcos 7:4 inclui uma questão textual. Se formos com o texto como está, ainda temos uma dificuldade, porque a palavra poderia ser traduzida por “tomar um banho”. Em Lucas 11:38, no entanto, isto parece ser mais uma captura de todos os termos para lavagens.
A palavra ‘baptismos‘ no plural, usada em Hebreus 6:2, é difícil, uma vez que aparece no meio de uma lista de coisas que não contém nada especificamente do N.T. Todas as doutrinas mencionadas eram conhecidas e defendidas no A.T. Isto poderia incluir uma referência ao AT e lavagens rituais farisaicas como foram explicadas e esclarecidas pela

vinda de Jesus Cristo, ou continuadas entre os cristãos judeus que ainda mantinham os costumes judaicos. Também pode ser uma referência ao batismo e até ao batismo pelos mortos (1 Coríntios 15:29), ou incluindo atos de hospitalidade, como a lavagem dos pés (1Tm. 5:10), ou comparações do batismo cristão com outros, tais como: o de João Batista. Como os outros usos dessa palavra no plural não se referem ao batismo, parece que não devemos tomá-lo como uma referência específica ao batismo, embora podemos incluí-lo.

Baptizo, Baptisma, também pode ter um significado figurativo, referindo-se ao sofrimento de Cristo e pode incluir o martírio dos discípulos por causa de Cristo (Mc. 10:38-39; Lc. 12:50).

Os outros textos que usam as palavras baptizo, baptisma, baptismos referem-se ao batismo cristão. O batismo é usado neste sentido apenas uma vez, e depois no singular (Cl. 2:12, um texto curioso, pois o uso do baptismo em vez do baptisma é uma exceção ao vocabulário normal do apóstolo Paulo).

Estas palavras usam certas preposições, eis (em, até, para), mais o caso acusativo; en (em, com, por), mais o caso dativo; e epi (em cima), mais o caso dativo, ou simplesmente o caso dativo ou genitivo sem qualquer preposição.

Baptizo, ou Baptisma, com eis pode indicar:

1) O lugar do batismo (o rio Jordão Mc. 1:9),

2) O propósito ou resultado (por exemplo, arrependimento, até o perdão dos pecados, Mateus 3:1; Marcos 1:4; Lucas 3:3; Atos 2:38), 3) União com. Ele é usado para indicar união com o corpo de Cristo, a igreja (1 Cor. 12:13). Cristo em sua morte (Rm. 6:3). União com o nome no qual alguém é batizado (Mateus 20:19; Atos 8:16; 19: 5; Rm. 6: 3; 1 Cor. 1:13,15). Ninguém é batizado em nome de João Batista, mas em seu batismo (Atos 19:3). As pessoas podem ser batizadas em Moisés como em Cristo (1 Cor. 10:2; Gl. 3:27; não há menção do “nome” nesses textos). O fato de alguém poder ser batizado em Moisés parece se referir ao fato de que ele era o salvador e legislador do A.T, um precursor do Cristo.

Baptizo e Baptisma com en podem indicar;

1) Lugar (Mateus 3:6)

2) O instrumento / meio de batismo; em / com água, ou em / com o Espírito Santo e com fogo. No caso do fogo, não explicitamente a preposição en governa ambos os substantivos (Mt. 3:11; Mc. 1:5; Lc. 3:16; Jo. 1:33; 1 Co. 12:13). No caso em que o dativo só é usado para água, en usado com o Espírito Santo, só poderia indicar o elemento ativo, ou seja, o Espírito vem sobre aquele que foi batizado consciente ou voluntariamente.

3) O nome no qual alguém é batizado (a menos que baptizo use o verbo para ordenar, significando ordenar como representante do Senhor, mas isso é menos provável) (Atos 10:48).

Baptizo com epi aparece em Atos 2:38, um texto crucial. O uso de epi pode ser simplesmente:

1) Sob a influência do aramaico um substituto para eis (em hebraico e aramaico, a preposição equivalente pode sombrear em el [Holladay, en loc.], que é igual a pros ou eis em grego),

2) Uma pergunta estilística para não ter a preposição eis aparecendo duas vezes seguidas e um desejo controlador de reservar eis para a palavra perdão [isso poderia ser combinado com 1]),

3) Uma elipse para algo como “invocar o nome do Senhor” (p.288, Bauer, Gringrich, Danker, 1979) (cf. Atos 22:16).

4) Significa a base sobre a qual (que é um uso clássico de epi + dativo) o perdão é oferecido. 3) e 4) preencher um ao outro desde 4) poderia indicar o conteúdo do chamado sobre o nome do Senhor de 3).
Baptizo e Baptisma com o caso dativo indicam apenas o meio em que alguém é batizado. Em

Marcos e Lucas, se for usado em uma sentença em que tanto a água quanto o Espírito Santo são mencionados, a água está no caso dativo sem a preposição ‘en’, e o Espírito Santo recebe a preposição ‘en’ (Mc. 1:8; Lc. 3:16; Atos 1:5, 11:16). No entanto, em Mateus e João ambos recebem a preposição ‘en’. Essas diferenças pareceriam mais uma questão de gosto do que de significado, embora a consciência do Espírito Santo não devesse ser perdida de vista. Ele não é um elemento passivo como a água.
Baptisma mais um substantivo no caso genitivo é um genitivo de definição (de arrependimento Mc. 1:4, Lc. 3:3; Atos 13:24; 19:4). Pode se referir a uma pessoa. Em todos esses casos, identifica-se com o batismo de João.

O SIGNIFICADO DO BATISMO

O batismo de João é um batismo muito disputado. Sua relação com o batismo cristão é frequentemente debatida entre os reformados e outros grupos, porque não há perdão dos pecados fora de Cristo. Entre os pentecostais, o batismo de João costuma ser a parte da água do batismo cristão. O batismo cristão completo inclui então o batismo no ou pelo Espírito, como sendo um elemento separável. Esta explicação não está correta.

O batismo de João era do céu (Mt. 21:25 e Lc. 3:3; João 1:6-8,33). Ele foi enviado para preparar o caminho do Senhor. isto é, preparar o povo de Deus para receber sua vinda, chamando-os ao arrependimento (Mt. 3:2,3-10; 11:10; Mc. 1:2-6; Lc. 1:16-17, 76-79; 3:4-9; João 1:23,31; 3:28), Ele foi enviado para batizar, a fim de que aqueles que cressem em sua mensagem e fossem batizados recebessem o perdão dos pecados (ver textos acima). A imersão na água sugeriria que isto fosse entendido como algum tipo de rito de purificação. O próprio João entendeu que o batismo tem um efeito de purificação (Mt. 3:14). No entanto, não havia tal rito prescrito no A.T.

Dizem que os prosélitos foram batizados, mas, apesar disso, o batismo era considerado peculiar pelos judeus. Segundo eles, somente o Cristo,

Elias ou o Profeta batizaria (João 1:25). Isso implicaria que eles achavam que o batismo era uma coisa que só poderia ser feita por um líder há muito esperado por Deus. Então foi um rito de purificação muito especial. Talvez devesse ser entendido como respondendo à necessidade que Josué 22:17 tinha deixado claro, que Israel ainda não havia sido limpo da iniquidade de Baal Peor, apesar da punição recebida. Isto é, outro tipo de purificação era necessário para os pecados que não podiam ser perdoados sob as provisões da Lei (cf. Atos 13:39). Na época de João, é claro, essa iniquidade chegou até os altos céus. Se este é o caso, podemos entender que eles achavam precisar do Cristo, Elias ou o Profeta para batizar. A limpeza exigida estava além das provisões da lei. (João foi evidentemente identificado como Elias por Cristo, mas isso não significa que ele tinha respondido às expectativas judaicas. Seu batismo era do céu, mas ele mesmo o separa enfaticamente do batismo feito pelo Senhor [veja abaixo].)

Parte da tarefa de João era identificar o Senhor (Mt. 3:11-12 e par. João 1; 7,15, 26-27, 29-36; 3:29-36). Um elemento constante em sua pregação era se diferenciar do Senhor (João 1:20, 28; Atos 13:25) e diferenciar seu batismo do batismo que Jesus efetuaria. Ele batizou na água, enquanto Cristo batizaria com o Espírito Santo e com fogo (Mateus 3:7-12; Marcos 1: 7-8; Lucas 3:7-19), o que colocando em termos gerais significaria a bênção e o juízo supremos. A água no batismo de João é, portanto, de pouco valor em comparação com o batismo que o Senhor daria. Essa comparação já leva a uma divisão entre o batismo de João e o batismo cristão, embora o mesmo elemento, a água, esteja presente. Outros pontos levantados na pregação de João são que o Senhor veio para tirar os pecados do mundo (João 1:29,36), e que aquele que crê nEle tem a vida eterna, não mais permanece sob a ira de Deus (João 3:36). Isso é captado pelo apóstolo Paulo em Atos 19: 4.

Por um tempo, o batismo de João foi copiado pelos discípulos de Jesus (João 3:26; 4:1-2). Este é um tipo de estado intermediário, já que não há nenhuma fórmula de batismo cristão mencionada. Ele sublinha os elementos de

continuidade de um batismo para o outro, água e arrependimento.

Quando nos movemos para o batismo cristão, a grande diferença é que alguém é batizado em um nome. Alguém foi batizado no batismo de João, não no nome de João (Atos 19: 3), mas o Senhor Jesus Cristo ordenou que batizássemos “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt. 28:19). A melhor maneira de entender isso é pensar em alguém unido com o outro.

É estranho, mas esta fórmula não retorna a lugar algum no N.T. O que aparece é o batismo no nome de Jesus Cristo somente. Não se pode ser batizado em nome do Pai ou somente em nome do Espírito Santo. É, portanto, claro para aqueles que acreditam na unidade da Bíblia, que o ponto de entrada na relação entre o Pai e o Espírito é o Filho. Aquele que é batizado em nome de Jesus Cristo está unido ao Pai e ao Espírito. As duas fórmulas são efetivamente equivalentes.

1) Em Atos 2:38, o primeiro e mais explícito exemplo de batismo cristão na Bíblia, o apóstolo Pedro diz: “Arrependam-se (no plural) e sejam batizados (no singular), cada um de vocês, sob o nome de Jesus Cristo, para perdão de seus (pl) pecados, e receberá (pl) o dom do Espírito Santo” (minha tradução bastante literal).

A palavra arrependimento pode ser entendida como um elemento de continuidade com o batismo de João. No contexto imediato (2:36), isto exige uma reação ao fato de que Israel havia crucificado o Senhor e Cristo. No entanto, este é apenas um caso particular de um mal geral: a rejeição de Deus, que é o problema que João abordou. O que Israel fez em geral, o fez na crucificação do Cristo a quem Deus enviou e certificou (2:22).

2) “Ser batizado (sg)… sobre o nome de Jesus Cristo” é uma frase difícil de exegeta, mas seu significado é importante para nós. Os possíveissignificados são numerosos (ver Parte 1 para algumas possibilidades). O indivíduo deve ser batizado em (epi) o nome de Jesus Cristo. No

contexto, o elemento de reconhecimento de Jesus como Senhor e Cristo é proeminente (2:36). Portanto, se permitirmos que isso pese em nosso entendimento, a palavra em cima implicará um reconhecimento de Jesus de Nazaré como Senhor e Cristo. Se compararmos com 8:12, notamos que a pregação “concernente (peri)… o nome de Jesus Cristo” deve se referir primariamente à sua posição no reino de Deus. Podemos então parafrasear “sobre o nome de Jesus Cristo” como: no reconhecimento de que Jesus Cristo é o Senhor, ou mais amplamente, no reconhecimento de que Jesus Cristo reina no reino de Deus. O batismo é, portanto, constitutivo do povo de Deus; aqueles que reconhecem que Jesus é ao mesmo tempo Senhor e Cristo e, portanto, se submetem ao batismo, submetem-se a Ele (Jr. 33: 15-18; Ez. 37:21-28). Este é um elemento de descontinuidade quando comparado com o batismo de João. João só podia se preparar para a vinda do Senhor. Agora o Senhor chegou e o batismo se torna uma união e submissão a Ele.

3) “para o perdão dos seus (pl) pecados” é um resultado deste batismo. Por submissão ao governo de Cristo, a pessoa recebe o perdão dos pecados. Este perdão é algo dado ao povo de Deus constituído em Cristo. (cf. Jeremias 31:32-34; 33: 8,16) O batismo para a remissão dos pecados é também um elemento que continua do batismo de João, mas o perdão agora tem um nome.

4) “e vocês (pl) receberão o dom do Espírito Santo” é o outro resultado do batismo em nome de Jesus Cristo. Esta era uma verdade visível naquele momento juntos. Os sinais eram o som do vento, línguas de fogo e falar em línguas. O Espírito permanece um elemento constante entre o povo de Deus. Ele é e deve permanecer assim para cumprir as profecias do A.T. (cf. Ez.11: 19 [cf. 18:31]; 36: 25-29a). É também o cumprimento da pregação de João Batista (cf. Atos 1:5). É o elemento que finalmente separa o batismo de João do batismo cristão. João não tem equivalente a isso, mas está inseparavelmente ligado ao batismo pela água.

A separação da água e do Espírito no caso dos samaritanos (8:12,15-17) e dos gentios (10:44,47-48; 11:15-17) serve apenas para sublinhar a união essencial dos dois elementos. Os dois estão unidos. No primeiro caso, os apóstolos mostraram que os samaritanos deveriam ser incluídos na igreja, sendo a aprovação apostólica baseada no exemplo anterior de Cristo (João 4:39-42). No último caso, Deus mostrou que também os gentios deveriam ser incluídos, para que fosse aceitável à igreja (11:1-3, 18).

Elementos de Continuidade

Anteriormente, comparamos o batismo de João e o batismo cristão. Existem alguns elementos de continuidade entre os dois batismos, sendo os principais: arrependimento, perdão e água. Agora vamos olhar para esses elementos de continuidade, especialmente a água.

Água no Batismo

Qual a importância da água? E como isto está ligado com o perdão? Como apontado anteriormente, o batismo não é um rito do A.T. Era necessário alguém que pudesse instituir novos ritos para instituir o batismo, seja Cristo, ou Elias, ou o Profeta (João 1:25). Parece ser um híbrido, incluindo pensamentos de purificação e sacrifício. Portanto, para entender o batismo, teremos que buscar o pano de fundo deste rito e compará-lo ao sacrifício. Existem vários lugares que podemos procurar.

Os ritos de purificação do A.T: Há um grande número de ritos de purificação no A.T., nenhum que lida com o pecado moral. Nós não lemos aquele que, e.g. havia roubado ou matado tinha que se lavar antes de entrar no templo de Deus. Ele tinha que fazer um sacrifício. Os ritos de lavagem deveriam remover a culpa da impureza cúltica (cf. Lv. 11-15; Nm. 19), que resultava de comer ou tocar os corpos de animais impuros, sangue do parto, lepra, sêmen, sangue menstrual, coito, e tocar uma pessoa morta ou tocar qualquer coisa que tenha estado em contato com uma coisa ou pessoa tão contaminada. Com tais fontes de contaminação, a maioria de Israel deveria ter estado constantemente impura. A purificação pela água era, portanto, uma característica constante

da vida israelita, e fez com que todos os tipos de lavagens entrassem em vigor (por exemplo, Mc.7:2-5). O batismo se encaixa perfeitamente com essa tendência.

Do A.T. parece que a purificação pela lavagem é o ritual que precede a chegada à presença de Deus. Ninguém poderia entrar no tabernáculo / templo de Deus se estivesse impuro (por exemplo, Lv. 12:4, 13:46; 15:13-14, 28-29, 31). Tinha que haver um ritual que colocasse a pessoa no estado necessário de limpeza para entrar na presença de Deus. Isto se estendeu a entrar no acampamento de Deus, porque uma pessoa impura foi colocada para fora do acampamento (por exemplo, Nm. 5:1-4; Deuteronômio 23:10-11). Impureza fez com que Deus se afastasse (Dt. 23: 14). A impureza, portanto, separou a pessoa não somente de Deus e do templo de Deus, mas também do povo de Deus. Rituais de purificação permitiram, portanto, a reentrada na presença de Deus e no povo de Deus.

Ser cerimonialmente impuro era ser culpado diante do Senhor. Se alguém não se purificasse, poderia ser cortado da nação (por exemplo, Lv. 17:16; Nm. 19:20), e isso era verdade se a pessoa soubesse disso ou não (Lv. 5:2). Portanto, deveria ser entendido que o batismo de João também purificava a pessoa de tal culpa. O batismo de João pode então ser entendido como um certo tipo de rito de purificação, limpando da culpa cerimonial, para que as pessoas pudessem encontrar seu Senhor quando ele viesse.

Existem, no entanto, indicações no A.T. de que a água seria usada para purificar o povo do pecado moral também. B.F. Westcott em seu comentário sobre João 1:25 sugere Ez.36:25; Is. 52:15; Zc. 13:1 como pano de fundo. O primeiro texto é muito relevante. Aspergir com água limpa limparia Israel de sua imundície e idolatria. Este texto, entre muitos outros, mostra que a impureza não é apenas um conceito de culto no A.T., mas também se tornou um conceito moral. Por causa disso, o passo para a purificação do pecado moral, lavando-se com água, é pequeno. No entanto, não foi um rito mosaico do A.T. O batismo de João e o batismo

cristão se movem para além da lei mosaica, na medida em que incluem a purificação do pecado moral.
No momento em que a purificação pela lavagem entra na esfera do pecado moral, temos que separar a relação de purificação pelos sacrifícios para entender a mudança que ocorre. A diferença entre a purificação pela lavagem com água e o perdão pelo sacrifício é grande. O primeiro faz referência ao estado impuro, que excluiu a pessoa da presença de Deus e do Seu povo, enquanto o sacrifício faz referência ao ato ou omissão pecaminosa, que somente excluía alguém da presença de Deus se não fosse perdoável sob a lei mosaica, ou deliberadamente deixado sem ser expiado. Como o ato ou omissão pecaminosa não exclui necessariamente alguém do templo de Deus, devemos entender que a impureza tem referência a um estrato mais fundamental da vida humana: ao estado e não ao ato. De fato, devemos entender a purificação como a condição sine qua non do sacrifício, pois somente os limpos poderiam entrar no templo para oferecê-lo. Então apenas o limpo poderia ser perdoado. A purificação com água, então, tem fortes ligações com o sangue sacrificial da aliança que foi derramada sobre Israel, o qual trouxe à existência a relação da aliança entre Deus e Seu povo (Êxodo 24:6-8).

O batismo, portanto, pelo uso da água, parece estar relacionado com os ritos de purificação do AT, uma vez que realiza o que os ritos de purificação realizaram. Embora também se mova para além deles pelo fato de estar intimamente ligado ao sangue da aliança. O batismo cristão então, podemos dizer, purifica, não da impureza cerimonial (cf. Mc.17: 9), mas certamente da impureza inconsciente e culpa do pecado original, e dos pecados de comissão ou omissão. Ele é a entrada no pacto com Deus, pela aspersão do sangue de Cristo (1 Pe. 1: 2). Ele é a lavagem/purificação que devemos receber para entrarmos na presença de Deus, através da qual somos justificados e santificados (1 Coríntios 6:11). Ele é também o ritual de entrada no povo de Deus.

1) Um elemento importante para a questão do rebatismo surge aqui. O batismo deve ser repetido ou pode ser um rito de reentrada? Os ritos de purificação do A.T eram constantemente repetidos, porque eles não podiam purificar permanentemente (Hb. 9:9-10). Eles apenas forneciam uma espécie de purificação cultual (Hebreus 9:13). A morte de Cristo é, contudo, uma única vez, e prima facie. Isto implicaria que o batismo é uma questão de apenas uma vez, um único batismo em Sua morte servindo para nos purificar de uma vez por todas (cf. Hb. 9:26,28).

2) Outra fonte para o batismo pela água é a criação, pois no batismo cristão o elemento água é mantido e o batismo do Espírito Santo é acrescentado. No princípio a terra era sem forma,  vazia, e coberta pela água. A água era onde o Espírito pairava (Gênesis 1:2). O Espírito estava empenhado em ordenar e trazer uma nova criação das águas. Que este é um elemento importante para entender o batismo é evidente em 1 Cor. 10:1-2, onde o apóstolo Paulo argumenta que todo o Israel estava debaixo da nuvem. Todos atravessaram o mar, todos foram batizados em Moisés na nuvem e no mar. Parece que o apóstolo Paulo entendeu que o batismo incluía um elemento terrestre e celeste, e por essa razão ele poderia chamar a passagem pelo Mar Vermelho de um batismo. Este elemento também está presente quando ele encontrou alguns discípulos que haviam sido batizados somente com o batismo de João (Atos 19:1-6). Sua primeira pergunta foi se eles receberam o Espírito Santo. Também podemos ver esse entendimento nas palavras de Cristo a Nicodemos, embora Ele não se refira explicitamente ao batismo. No contexto de João 1:1-5, as palavras “a menos que alguém nasça da água e do Espírito, ele não pode entrar no Reino de Deus” (João 3:5) tem um conteúdo “recriacional” definido.

Isso também é evidente a partir do 3:3, onde “nascer de novo” também pode ser traduzido como “nascido de cima”. O grego “anothen” tem ambos os significados. A nova criação é trazida da água pelo Espírito. A sensação que se tem deste texto é que a água é mais um elemento simbólico do que real. O apóstolo Paulo também mostra este entendimento quando diz que fomos salvos “através da

lavagem da regeneração e renovação do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente” (Tito 3: 5-6). O elemento terrestre retorna, mas emprestando suas características ao celestial. O Espírito nos lava e é derramado sobre nós. A liquidez é uma propriedade que começa a afetar o retrato do elemento celestial do batismo. Vamos aprofundar isso quando estudamos o batismo pelo Espírito. Por enquanto, o importante é que Deus traz vida do que não pode produzir vida, a água do batismo.

3) Outro elemento relacionado com a água no A.T. é o elemento de destruição/salvação pela água, uma vez que o apóstolo Pedro chama o batismo de antítipo do dilúvio.

O Senhor separou a água e a terra seca na criação, mas no dilúvio Ele permitiu que ela cobrisse a terra novamente, a fim de destruir todos os seres vivos, exceto aqueles que Ele escolheu para salvar na arca. Ele novamente fez uma coisa semelhante no Mar Vermelho, onde os egípcios pereceram na água, mas Israel passou com segurança. Ele também ecoa no fundo quando Israel passa pela inundação do Jordão para obter sua salvação completa, e no decurso da qual eles exercitarão o julgamento de Deus sobre os cananeus. O apóstolo Pedro mostra que ele entende o batismo a esta luz quando, no contexto do julgamento de Deus sobre os pré-diluvianos, ele chama o batismo de antítipo da salvação de alguns pela água nos dias de Noé (1 Pedro 3: 19-21). O elemento de purificação também está presente aqui, porque o batismo não remove a imundícia da carne (cf. Hb. 9:13), mas é “um apelo de uma boa consciência a Deus através da ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pedro 3:21, minha tradução). O batismo é, portanto, um julgamento de Deus sobre o pecado e, ao mesmo tempo, uma salvação e purificação da consciência pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos. Este é também o entendimento do apóstolo Paulo, quando ele diz que aqueles que são batizados em Cristo são batizados na morte de Cristo e sepultados com Ele através do batismo na morte. Esse é o lado do julgamento, mas imediatamente ele segue com uma referência à ressurreição de Cristo e à novidade da vida em que devemos andar (Rm. 6:3-4).

Arrependimento e perdão

O clamor de João Batista e Jesus Cristo foi “arrependimento porque o Reino de Deus está próximo” (Mateus 3:2; 4:17). O batismo de João foi um “batismo para arrependimento”, e as pessoas vieram e foram batizadas por ele confessando seus pecados (Mt. 3:11,6). Foi um batismo com o propósito de, ou com o resultado da (eis) remissão de pecados (Mc. 1:4). Esse também foi o caso do batismo cristão (Atos 2:38; 11:38; 22:16).

Uma coisa que está ficando clara é que o batismo de João deve ter estado em conflito com o pessoal do templo. Eles devem ter sentido que estavam sendo superados. Uma fonte alternativa de purificação e perdão estava sendo oferecida por Deus. Essa é provavelmente outra razão pela qual os clérigos daquela época insistiram que era necessário que Cristo, Elias ou o Profeta batizasse.

Outra coisa que está se tornando clara é que não devemos confundir o batismo cristão com a ceia do Senhor, como se já tivéssemos tudo no batismo. Existe uma diferença real e necessária entre eles, que corresponde à purificação e sacrifício. A ceia do Senhor só pode ser participada por aqueles que foram purificados e perdoados no batismo, que entraram na relação de aliança com Deus, estabelecida pelo sangue de Jesus Cristo.

No batismo estamos lidando com um novo rito. É basicamente uma aliança baseado nos ritos de purificação do A.T, que tem sobretons de julgamento/salvação e regeneração/renovação/ recriação. Na próxima vez, veremos mais o lugar de Cristo e Sua morte em nossa compreensão do batismo.

Circuncisão

Gênesis 17:7,19; 9-10,14 fala da aliança que Deus fez com Abraão e seus descendentes, especialmente através de Isaque. O cerne da aliança era que Deus seria um Deus para eles, e eles seriam o Seu povo. Esta relação continua na Nova Aliança (NA) (2 Cor. 6:16-7:1; Hb. 8:10; 1 Pe. 2:9-10; Apc. 21:30). O sinal da antiga aliança era a circuncisão, e aqueles que não se circuncidaram foram afastados do povo de Deus. A circuncisão tornou-se assim o sinal de entrada no pacto com Deus e uma questão de obediência. Todos os israelitas do sexo masculino foram obrigados a ser circuncidados. Mais tarde, sua interpretação espiritual é dada e se torna uma metáfora para arrependimento e renovação. Circuncidar o coração significava cortar o que era de coração duro e amar o Senhor (Dt. 10:16; 30:6; Jr. 4: 4; cf. Rm. 2: 29). Inicialmente, pode ter incluído outro significado, talvez muitos descendentes, já que muitas vezes é um rito de fertilidade, e foi dado no contexto de precisamente tal promessa, mas isso é impossível de verificar.

Uma questão confusa nas Escrituras é a relação da circuncisão com a lei. A circuncisão é realmente o sinal do pacto feito com Abraão, e não do pacto da lei, e mesmo que a circuncisão e a lei possam estar intimamente ligadas, Jesus afirma que a conexão é ‘matizada’ (João 7:22).

Não obstante, deve ser dito que a circuncisão obriga os israelitas a guardar toda a lei (por exemplo, Rm. 22:25; Gl. 5:3), desde que o pacto da lei foi feito com todos os descendentes de Abraão de Moisés em diante.

A circuncisão de Cristo

Que Jesus foi circuncidado é, naturalmente, uma questão de uma perspectiva. Isto estabeleceu o relacionamento de aliança entre o menino Jesus e Deus, mas visto do lado de seu significado espiritual, é claro que é tão estranho quanto Seu batismo, pois Ele não tinha pecado. Portanto, merece um olhar mais atento.

A circuncisão era obviamente um ato voluntário de Jesus Cristo. Isso pode parecer estranho, porque ele tinha oito dias quando circuncidado, mas a realidade é que o Filho, antes da sua encarnação decidiu seguir esse caminho. Assim, embora como um ser humano Ele não tenha exercido escolha, isto ainda continua sendo um ato voluntário, e não simplesmente uma indignidade à qual ele foi erroneamente exposto. Pela circuncisão, o Senhor se uniu ao Seu povo debaixo da lei e, portanto, estava sujeito à maldição da mesma, pois sendo israelita, também era um com eles em seus pecados. Ele poderia, portanto, legitimamente pagar por seus pecados como um dos súditos da lei (Gálatas 4: 4-5). Isso significa que o direito de poder levar seus pecados pertence não apenas ao fato de que Jesus era humano, mas também ao fato de estar sob a lei.

A relação da circuncisão e o batismo de Cristo

O relacionamento entre a circuncisão e o batismo de Cristo parece se referir simplesmente a  “suposição voluntária”(como humano) em relação a tarefa que o Filho pré-encarnado tinha voluntariamente tomado sobre Si, nascendo sob a lei. No entanto, a morte de Cristo revela todo o conteúdo do sinal da circuncisão. O sinal do corte da carne é cumprido na morte de Cristo, e assim seu significado é totalmente revelado, e o próprio sinal se torna parte do ensino do batismo.

Romanos 6:3-14 não menciona especificamente a circuncisão, mas a morte é aqui retratada como parte do batismo. O batismo (por imersão) simboliza a morte (“batizado em Sua morte”), o enterro (“fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte”) e a ressurreição de Jesus Cristo (“assim como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, para que também possamos andar em novidade de vida”).

Colossenses 2:11-15 menciona a circuncisão no mesmo contexto. O que é cortado na circuncisão de Cristo é o “corpo (ou os pecados – uma questão do texto) ou a carne”. No contexto, a circuncisão deve se referir à morte de Cristo na cruz, que está imediatamente ligada ao Seu batismo. O termo circuncisão é então usado para descrever a morte de Cristo, que em outros lugares é retratada como parte do batismo de Cristo. É a primeira das três partes do batismo: viz. morte. As outras duas partes são novamente o sepultamento (“sepultado com Ele no batismo”) e ressurreição (“na qual você também foi ressuscitado com Ele”). Podemos dizer que a circuncisão como sacramento foi cumprida na morte ou no batismo de Cristo e chegou ao seu fim como um sinal. No entanto, ele continua por meio da incorporação de seu significado ao batismo. Juntamente com o sinal, o A.T. chegou ao fim, e o N.T. foi instituído com o novo e mais rico sinal: batismo.

A relação entre a morte de Cristo e o nosso batismo

Jesus Cristo chamou o sofrimento que Ele teria que sofrer em Jerusalém de batismo. Ele falou disso como o alvo de Sua missão (Lc. 12:50). Ele também falou desse batismo como um fator presente durante o Seu ministério (Mc. 10:38-39). O termo batismo pode ter o sentido destrutivo de ser vencido por um dilúvio, e, como tal, o uso da palavra ‘batismo’ não precisa ter outra referência além de sua morte. Mas ainda podemos perguntar por que Jesus usaria precisamente essa palavra? A explicação é provavelmente que ambos os textos estão relacionados ao Seu batismo no Jordão, o qual simbolizava Sua morte e tornava inevitável a Sua morte na cruz. Nesse ponto, Jesus levou sobre si os pecados do Seu povo (Mateus 3:15). Desta forma, o próprio Jesus teria estabelecido uma conexão entre Seu batismo e Sua morte, indicando a realidade para a qual Seu batismo referido foi Sua morte.

Em todos os evangelhos sinóticos, o batismo de Jesus está no início de Seu ministério. Em Mateus, o batismo de Jesus é visto como estranho por João, mas Jesus deseja que se “cumpra toda a justiça”, o que no contexto do livro dificilmente pode significar outra coisa senão “salvar o povo de seus pecados”. Em Marcos, o Batismo simplesmente marca o início do ministério de Jesus. Em Lucas, também funciona como o início do ministério, mas a imagem que vemos quer enfatizar que Jesus é batizado como uma das pessoas ali. Para o ministério de Cristo começar, Jesus teve que se identificar primeiro com os pecados do Seu povo. Somente estando unido voluntariamente ao Seu povo, em seus pecados, Ele poderia cumprir Sua tarefa: morrer por eles.

Ele foi ungido pelo Espírito como parte de Sua ordenação. Mateus faz Jesus sair imediatamente da água, e então o autor mostra o desejo de Jesus pela ordenação. Lucas enfatiza isso de outra maneira, pois em seu evangelho, após o batismo, Jesus estava orando quando os céus foram abertos e o Espírito desceu. O céu também se mostrou ansioso, pois Marcos abre os céus logo imediatamente depois que Jesus saiu da água, e o Espírito desceu naquele momento.

As palavras do Pai são mencionadas nos três relatos. Ele foi ordenado com as palavras: “Este é (você é) meu Filho, o amado, em quem (em você) fiquei muito satisfeito (aor indic). O tempo deste último verbo é interessante. Na maioria das vezes se traduz no presente, mas está no passado. A forma substantiva deste verbo é geralmente traduzida por ‘bom prazer’ e geralmente se refere a uma escolha soberana feita por Deus. O verbo então pareceria se referir a uma escolha eletiva de Deus no passado. Significaria então: Este é meu Filho, o Amado, a quem tive o prazer de escolher. Esta é uma declaração pública, uma afirmação soberana do apontamento de Cristo feita por Deus para Seu triplo ofício, no exercício do qual Ele teria que morrer/ser batizado.

Nossa União com Cristo em Seu Batismo/Morte

Contudo, a última palavra ou batismo não é a morte, mas a ressurreição e o estabelecimento do novo povo de Deus.

Após a ressurreição, Jesus ordenou que seus discípulos fizessem discípulos em todas as nações. Literalmente, Ele diz: “Toda autoridade no céu e na terra foi dada (aor. indic. pass.) a mim. Portanto, depois de ter ido (aor. pt.), fazei discípulo (aor. impv.) em todas as nações, batizando-os (pres. pt.) em nome do Pai e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os (pres. pt.) a guardar (pres. inf.) todos as coisas que eu lhe ordenei (aor. indic.)”. Exatamente quando Jesus Cristo recebeu toda a autoridade não está claro na gramática. Devemos entender Seu batismo como Sua unção para a tarefa, e Sua ressurreição/ascensão/sessão como a instalação. Ele então, como o Senhor, instrui Seus discípulos.

Pela gramática, é claro que os discípulos devem estabelecer e discipular as nações para onde vão. O aor. impv. significa que o discipulado deveria ser uma ação por tempo limitado. O discipulado consistia em batizar em nome de …, e ensinar os discípulos a guardar constantemente (pres. inf.) o que foi uma vez (aor. indic.) ordenado pelo Senhor. Isto é, aquilo que Jesus ensinou durante Seu tempo na Terra.

O mandamento de discipular foi dado aos onze (Mt. 28:16). Isso significa que o batizar da igreja é baseado no mandamento dado aos apóstolos, e no fundamento apostólico, com Cristo como a pedra angular (cf. Ef 2, 20). Também parece significar que o batismo não é prerrogativa de nenhum membro da igreja, mas apenas daqueles designados por Ele.

Isso pode afetar a questão do rebatismo quando a pessoa em questão foi batizada por alguém não autorizado pelas Escrituras ou pela igreja. Também pode levantar questões sobre a validade de um batismo administrado por alguém autorizado por uma igreja, mas essa autorização é suspeita com base nas Escrituras. Por exemplo, na igreja Católica Romana, o batismo de uma freira ou de um leigo em emergências. O problema é subjetivo, pois quem é batizado não pode obter muito conforto de seu batismo se não achar que é válido. Essa pergunta era real nas tribos de Israel, onde o sacerdócio era ilegítimo (1 Reis 12:31,32) e a adoração a Deus era ilegal. Mas ainda assim Deus se dirigiu a esses sacerdotes e a esta falsa igreja, e manteve os direitos de Sua aliança. e sanções (por exemplo, 1 Reis 13; Oséias; Amós 4:1-5; 7: 10-17).

O verbo ‘discípulo’ significa ser aluno ou tornar alguém seu seguidor. O fato de o Senhor falar sobre discipular aqui significa que Ele queria que homens fossem feitos seguidores dAquele que havia recebido toda autoridade no céu e na terra. Aqueles que o fizeram poderiam ser batizados em nome do Deus Triúno. A obediência da fé ao Senhor coloca os discípulos em comunhão com o Deus Triúno. Portanto, o resto do N.T. não introduz algo novo quando fala apenas do batismo no nome de Jesus. O batismo no nome de Jesus ou no nome do Deus

Triúno é o sinal da nova aliança, que estabelece o relacionamento da nova aliança no qual o Deus Triúno é nosso Deus, nós Seu povo, constituindo assim uma nova nação, o novo povo de Deus.

A questão do uso da fórmula correta do batismo surge aqui. Se alguém foi batizado apenas em nome de Jesus Cristo, o batismo é válido, mas essa é a única variação possível.

A questão do rebatismo também se levanta neste contexto. Um católico romano ainda tem uma relação com o Deus Trino por meio de Jesus Cristo hoje? Esta questão está intimamente relacionada à verdadeira questão da igreja. Se apenas a igreja verdadeira/fiel tem um relacionamento com Deus através de Jesus Cristo, ela não pode reconhecer o batismo de nenhuma outra igreja. Eu acho que essa perspectiva está errada. No A.T. e no N.T, Deus se dirige ao Seu povo com base em Sua reivindicação sobre o mesmo e em suas pretensões, sejam eles fiéis ou não (por exemplo, Ezequiel 23:37-39). Portanto, não parece ser de importância fundamental estabelecer a validade do batismo para saber se a igreja era uma igreja verdadeira fiel ou não, mas se Deus comprometeu a pessoa batizada à obediência da fé por causa da relação de aliança entre a pessoa e Deus, estabelecidos pelo sacramento do batismo.

Em outras palavras, parece ser Deus quem mantém a Sua afirmação sobre eles estabelecida pelo batismo, e isso valida o batismo. A remoção do candelabro (Apocalipse 2:5) de uma igreja desobediente não muda isso. O Senhor tira o Seu Espírito, o que significa que a igreja está morta, mas não sem as obrigações contínuas do pacto. Isso também fica claro a partir das contínuas maldições do pacto em relação àqueles que quebram a aliança. Deus mantém Seus direitos e sanções da aliança enquanto essa igreja existe.

A questão de qual é o poder de ser batizado agora surge. É simplesmente uma questão de estar em comunhão com o Deus Triúno? É uma bênção que coloca o nome de Deus em Seu povo (cf. Nm. 6:27)? O que significa? Nos chama para fazer/ser qualquer coisa?

Em Romanos 4:11-12, a circuncisão era um sinal da justiça que Abraão tinha pela fé e, portanto, deve funcionar como um chamado à fé que justifica. Abraão tornou-se o pai de todos os crentes desde que ele foi o primeiro a receber o sinal da justiça pela fé. O sinal, no entanto, também mostrou o conteúdo dessa fé: a remoção da carne. A fé de Abraão era para ser uma fé em Deus, que um dia condenaria e venceria o pecado na carne; e isto aconteceu no batismo/morte de Cristo. A circuncisão, portanto, chamou Abraão à fé em Cristo (João 8:56).

Podemos dizer que Jesus recebeu Seu batismo como sinal de sua justiça pela fé? Sim, mas não sem qualificação. Podemos dizer que Jesus teve que viver pela fé como parte de sua participação no estado humano (cf. Hb. 5:7-9). Esse foi um elemento da obediência que Ele deveria ter como homem. Contudo, Ele não foi justificado como quem outrora tendo sido ímpios (Rm. 4:5), como nós somos. Ele foi justificado porque Ele era sem pecado. Ele viveu em perfeita fé, e assim a morte não teve controle sobre Ele. A parte da ressurreição do Seu batismo prova a Sua justiça (e a suficiência do Seu sacrifício por nós [Rm. 4:25]). Era a prova de que Jesus era justo pela fé em Deus (cf. Hb. 9:14; 5:7-9). Portanto, aqueles que são batizados em Cristo recebem o sinal da justiça pela fé o qual Ele recebeu, são chamados à fé. Não somente à fé perfeita de Jesus, nosso Senhor, mas à fé em Jesus Cristo. Em comparação com Abraão, há uma escalada, pois Israel não foi chamado à fé em Abraão, mas à mesma fé a qual Abraão teve em Cristo.

O batismo de Cristo, então, é uma condenação do pecado na carne, um chamado à perfeita fé de Cristo e um chamado à fé no sacrifício de Cristo em nosso favor. O chamado que vem do batismo é um chamado para uma nova vida no Espírito. É um chamado para uma vida que não está debaixo da lei, uma vez que nós fomos condenados por ela e pagamos a penalidade (morte) em Cristo Jesus, mas a uma vida sob a graça, onde a lei não pode mais nos condenar à morte (Rm. 7:4,6).
Cl. 2:11-14 é importante a esse respeito. Nós estávamos mortos em nossas transgressões e na nossa incircuncisão de carne, mas nEle fomos circuncidados com a circuncisão não feita por mãos humanas, em que o corpo do pecado foi protelado. Mas fomos sepultados com Cristo, no batismo, e também ressuscitados com Ele, pela fé na obra de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. Ele também nos ressuscitou para a vida, pois nos perdoou os pecados, apagou as acusações e pregou a acusação na cruz do calvário. Cristo pagou os nossos pecados na sua morte, despojando o corpo da carne (cf. Rm.8: 3; 2 Cor. 5:14, 21), o qual foi enterrada e ressuscitada. Pelo batismo acompanhamos nosso Senhor nessa trajetória. Entramos na morte, sepultamento e ressurreição de Cristo simbolicamente e espiritualmente no batismo por imersão. Morte e sepultamento estão para o pecado (Cl. 3:5,8), e para os rudimentos do mundo (2:20), mas a vida está para o colocar a mente em Cristo (3:1-4), e o estar sendo renovado diariamente (3:9-17).

Romanos 6:1-14 também descreve o mesmo entendimento. Nós morremos para o pecado, porque aqueles que foram batizados em Cristo Jesus foram batizados em Sua morte. União com Cristo é união com Ele em Sua morte. O batismo, portanto, simboliza o julgamento sobre o pecado e a nossa morte com ele. Deus condenou o pecado na carne (Rm. 8: 3), quando Cristo morreu, e assim, a carne daqueles que creram e foram batizados foi condenada e também morreu (cf. 2 Co. 5:14). Esta união se estende ainda mais, pois o apóstolo Paulo está falando do batismo por imersão aqui. Estar debaixo da água é igual a estar enterrado com Cristo. Portanto, não apenas a cruz, mas também a sepultura de Jesus Cristo está em vista aqui. As palavras reais são interessantes aqui: “Nós, portanto, fomos sepultados com Ele através do batismo na sua morte…”. O sepultamento parte dessa morte. Estávamos unidos à morte de Cristo nesse grau, “para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos… também possamos andar em novidade de vida”. A ressurreição de Cristo também faz parte do simbolismo do batismo (vindo da água) e inclui um imperativo moral. Aquele que é batizado passou da morte para a vida, um Deus que serve a vida.

Filipenses 3:1-11 também trabalha com a construção morte/ressurreição. Lá Paulo pôde dizer que “nós somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus pelo Espírito de Deus (ou servimos/adoramos a Deus no Espírito – uma questão textual) e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne. “Paulo não quer sua própria justiça (da lei), mas “a justiça pela fé através de Cristo (genitivo), a justiça que procede de Deus, baseado na fé, para o conhecer, e o poder de Sua ressurreição, e a comunhão dos Seus sofrimentos, conformando-me com Ele na Sua morte, para de algum modo alcançar a ressurreição dentre os mortos “.

É claro do exposto acima que aquele que é batizado é chamado para seguir a Cristo. Aquelas igrejas que administram o batismo se obrigam a este curso. Se não o fazem, o batismo as coloca sob a ira da aliança de Deus. O batismo é válido também na desobediência. As obrigações do pacto permanecem. “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor.” (2 Timóteo 2:19).

O precedente é também um forte argumento para o pedobatismo. O batismo inclui o significado do sinal da circuncisão, e é um sinal de/e inclui o chamado para a mesma fé justificadora. Se no A.T. as crianças podiam ser circuncidadas, então no N.T. as crianças podem ser batizadas. Cristo é o cumprimento das promessas que no A.T. as crianças recebem. No N.T. as crianças podem se alegrar com isso.

Batismo como aspersão.

A aliança da lei tem seu sacramento, a Páscoa. Ela adota o sacramento da aliança com Abraão, a circuncisão. Também teve sua própria cerimônia de ratificação da aliança, a aspersão de sangue. Êxodo 24:3,7-8,12 registra a realização desta aliança pelo sacrifício e morte de animais e a aspersão de seu sangue. Esta ação é referida várias vezes no N.T. A nova aliança tinha que ser ratificada pelo derramamento do sangue de Cristo e a aplicação desse sangue ao povo. O batismo é essa aplicação? Aspersão é outro modo de se referir ao batismo?

O verbo hebraico para aspersão usado em Êxodo 24:6,8 é zrq, que é usado para a aspersão do sangue sacrificial no altar, e a aspersão da água da separação/purificação, além de outros usos seculares. Os verbos usados ​​para traduzi-lo no grego do A.T. em Êx. 24:6,8 são prosxein e kataskedannuvai respectivamente. Estes não estão relacionados com as palavras usadas no N.T. para se referir a aspersão que são rantizein e rantismos. Rantizeinrantismos ocorrem no grego do A.T. para traduzir, e.g ndh (o que é separado, ou a água da separação/purificação). E uma forma composta do verbo é usada para traduzir zrq (isto é, peri + rantizeína). (cf. Nm. 19:13,20 onde ndh e zrq ocorrem juntos).

Embora no N.T. a terminologia não está presente no grego de Êx. 24:6,8, está presente quando Hebreus 9:19 se refere àquela cerimônia de aliança. Seu efeito é limpeza, com a morte do fornecedor do sangue (Hebreus 9:21-22). No entanto, vamos ver se outras referências à aspersão de sangue no N.T. podem ser vistas como ecos da aliança, estabelecendo assim a conexão com o ritual no Sinai, e se sua precisa referência no N.T pode ser definida.

A aspersão de sangue aparece várias vezes no N.T. O apóstolo Pedro pode escrever aos “forasteiros da Dispersão… eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito (genitivo), para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo,”. (1 Pe. 1: 1-2) Em Êxodo, Deus escolheu um povo (19:4-6), e ordenou que eles se santificassem (19:10, 14), de modo a fazer um pacto com Ele (24:3, 4,7). A aspersão seguiu o juramento de obediência (24:7,8), e quase  todos os elementos retornam explicitamente em 1 Pe. 1: 1,2 na mesma ordem. Podemos dizer que Pedro está olhando para o estabelecimento da nova aliança no sangue de Cristo.

Em Hebreus 12:22-24 diz que os crentes não vão ao Monte Sinai (não mencionado pelo nome), mas “tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e as

incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel.” A aliança do A.T. não é um lugar apropriado para a reunião do povo da nova aliança. Agora o lugar é a Jerusalém celestial (que também é o entendimento do apóstolo Paulo [Gálatas 4:21-27]). Entretanto todos os elementos do A.T. retornam. Os anjos estavam presentes no Sinai. (Deuteronômio 33:2; Gálatas 3:19). A igreja do primogênito é uma referência àqueles que foram salvos da morte na Páscoa e levados ao Sinai. Agora em nosso cordeiro pascal, Jesus Cristo, somos levados a celestial Jerusalém. Havia um livro dos arrolados já nos dias de Moisés, mencionado no contexto do perdão e do julgamento (Êxodo 32:32). Todos eles estavam diante de Deus, o Juiz de todos, no Sinai, e todos foram aspergidos com sangue, mas será que aqui fala de coisas melhores do que o sangue da aliança feita no… Sinai?

O autor refere-se a Abel, porque ele quer sublinhar o fato de que Jesus sofreu perseguição, assim como os destinatários desta carta devem estar prontos para fazer por causa da justiça. A aspersão do sangue refere-se a um acontecimento local histórico, quando Cristo foi morto na cruz pelo ímpio Caim (israelitas), ou seja, sua morte foi Seu batismo. Assim, apesar da referência a Abel, a maior parte do texto é definitivamente baseada na compreensão da realização da nova aliança pelo sangue de Cristo, que traz benefícios, enquanto que o de Abel não.

A questão da aspersão do sangue aparece também em Hebreus 9:13-15; Aqui a superioridade do sangue de Cristo é enfatizada. Ele não purifica a carne, mas “sua consciência de obras mortas para servir ao Deus vivo”. Também 10:22 vale a nossa atenção, pois diz: “aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura”. O tempo perfeito significa que uma ação passada tem conseqüências presentes, por isso deve se referir a uma lavagem que ocorreu e que ainda tem seus efeitos (que só pode ser batismo), e que está ligado à aspersão de sangue a qual também aconteceu no passado, mas com efeito continuado, como realidade correspondente externa. 1 Pe. 3:21, referindo-se ao batismo (provavelmente como imersão), também estabelece a conexão entre a lavagem e uma boa consciência quando diz: “… o batismo… não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação/demanda (é difícil encontrar um sentido adequado para esta palavra aqui) de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo”.

A lavagem externa do batismo corresponde à remoção de uma má consciência pela realidade interior da aspersão no coração com o sangue de Cristo. E o batismo/ressurreição de Cristo significa que somos justificados (cf. Rm. 4: 25). Parece, portanto, que a aspersão de sangue se refere à cerimônia da nova aliança (batismo) que deseja transmitir a realidade espiritual desse sacramento nos termos da lei pactual do A.T., ratificando a cerimônia. Mas com a dimensão adicional da vida/ressurreição que se segue. Essa semelhança de teologia e terminologia entre batismo, lavagem e aspersão parece indicar que aspergir/lavar com sangue/água é uma referência ao batismo.

Pareceria então bastante adequado ao significado do batismo batizar através da aspersão de água, uma vez que captura bem a construção da aliança e os aspectos judiciais/purificadores do batismo. Há talvez até um traço dessa prática no N.T. quando Pedro pergunta se alguém pode proibir a água (Atos 10:47). Pareceria uma maneira estranha de falar para alguém que seria imerso, mas não estranho para alguém que seria aspergido.

Batismo espiritual

Eu escrevi sobre este assunto anteriormente, quando comecei a lidar com o batismo do Espírito Santo. Perguntei quem na Bíblia fez isso, quando aconteceu, e se podemos encontrar vestígios dele no simbolismo do batismo na água. Observamos que nos textos em que se

discutem este tópico a terminologia de água e óleo aparecem como referências ao Espírito. Um ponto que eu gostaria de enfatizar é que o batismo não deve ser visto como um mini Pentecostes. Pentecostes é o dia em que o Espírito desceu sobre a igreja, na qual a igreja foi batizada de uma vez por todas no Espírito. Em outras palavras, o batismo no Espírito foi um evento único, assim como a morte de Cristo foi. O batismo é o momento de nossa participação em ambos os eventos. O Espírito foi derramado sobre a igreja e nisso participamos quando entramos no corpo de Cristo. Até aqui foi a última postagem sobre este assunto.

Desta vez, quero olhar para o que chamei de donum superadditum (um termo dogmático que estou usando indevidamente, mas que literalmente significa um dom acrescentado além do que já foi recebido), com o qual quero dizer que o Espírito não é somente aquele que cria a fé em nós, mas também um dom recebido no batismo em nome de Jesus, juntamente com o perdão dos pecados. O que desejo esclarecer é o que é extra dado  no batismo, quem pode recebê-lo,  quando e como.

Estamos acostumados a enfatizar que o Espírito produz fé em nós. Não há fé que não tenha origem em Deus (Efésios 2:8), e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor senão pelo Espírito (1 Coríntios 12:3; cf. também 1 Pedro 1:22, uma questão textual – as palavras “através do Espírito” estão faltando em alguns textos). Contudo, aqui muitas vezes cometemos um erro, porque raciocinamos que, uma vez que a pessoa foi convertida, ele já tem o Espírito e o perdão dos pecados. Não recebe mais nada no batismo. Ele já recebeu tudo pela fé. Isso não é assim, pois, como dito acima, o Espírito foi derramado sobre a igreja, e não está disponível dessa maneira especial fora dela. Aquele que não está batizado, não está (exceto em situações extremas) na igreja. Portanto, para receber o Espírito Santo e o perdão dos pecados, normalmente alguém deve ser batizado. Vamos ver como isso funciona.

Atos 2:38 O apóstolo Pedro disse aos israelitas que estavam contritos de coração: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.” Este texto mostra claramente a ordem normal para aqueles que estão fora da igreja, que chegam à fé. Não se pode esperar receber perdão dos pecados, ou o Espírito, se alguém não for batizado em Cristo. Isso significa que, embora o Espírito crie fé, ele é, todavia, somente recebido pela fé, uma vez que alguém é batizado em nome do Cristo rejeitado e crucificado naquele tempo e lugar. E se de fato alguém cresse no Senhor (cf. Hb. 13:13). Nesse sentido, o batismo é a prova da fé, pois é a obediência da fé.

Esta ordem e entendimento encontramos em muitos textos nas Escrituras. Gálatas 3:2-5 diz: “… recebestes (aor.) o Espírito pelas obras da lei, ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito (dativo instrumental), agora, vos aperfeiçoando na carne (inst. dat.)? …Aquele, pois, que vos concede  (constantemente – força de tempo presencial) o Espírito e que opera milagres entre vós (constantemente), porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” O Espírito aqui não é recebido antes da fé, mas recebido no ouvir (e no ver cf. 3.1) da fé. Ouvir não é simplesmente um ato auditivo, mas um ato que leva à obediência, onde o primeiro ato é o batismo (cf. Atos 8:36). Tampouco recebe o Espírito (e o perdão dos pecados) uma vez por todas, pois o texto diz que pessoas estão constantemente sendo supridas em resposta ao ouvir da fé. Isso significa que o dom está sujeito ao ouvir com fé, mesmo após o batismo.

Aquele que é batizado, recebe e continua a receber o dom do Espírito (e o perdão dos pecados) somente na medida em que realmente continua a ouvir com fé, e continua a obedecer com fé. Esse é um elemento que precisa ser enfatizado entre os filhos da aliança de hoje. “Tendo começado” parece referir-se vagamente ao começo da vida em Cristo, isto é, a fé que se manifesta no batismo. O término, então, refere-se a essa mesma vida de fé em Cristo dentro do reino de Deus. Os gálatas desejavam completar suas vidas com a carne, fazendo as obras da lei. Eles estavam retornando a um poder fatalmente fraco, e por isso não seriam capazes de terminar a sua carreira cristã. Somente a continuidade do ouvir da fé fará alguém alcançar este fim, porque somente assim continuarão recebendo (perdão dos pecados e) o Espírito. (2 Tm. 1:14).

Efésios 1:13 também mostra o entendimento de que o Espírito é dado na fé. “em quem também (ou “no qual” referindo-se ao evangelho, mas improvável) vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa (dat inst. ) … o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória”. Este texto define o dom do Espírito como tendo uma função dupla: como um selo em Cristo, e como a primeira parcela recebida da herança prometida que vamos plenamente receber quando Cristo vier finalmente nos redimir. O único momento que podemos identificar como momento de selo (assinatura) e efetuar do depósito é o momento do batismo.

Gálatas 4:6 também traz a mesma sequência. Ele diz: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!”. (cf. João 1:12-13 onde diz: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome;…”) É enquanto incorporado em Cristo (no batismo) que nos tornamos filhos de Deus, e porque somos filhos de Deus por adoção, recebemos o Espírito do Filho (cf. Rm. 8,9). O Espírito então nos ensina a clamar Abba Pai. A palavra clamar tem que ser definida a partir do contexto. Neste caso, o clamor é o regozijo do escravo em sua adoção como filho. Ele clama “pai”.

Em todos esses textos, o mesmo entendimento é mostrado, primeiro vem a fé, depois o Espírito. O Espírito Santo cria fé pelo ouvir da palavra, mas Ele é dado somente como um dom em cima da fé, para aqueles que estão em Cristo pelo batismo. Nesse ponto, eles entram na esfera apropriada de operação do Espírito, o corpo de Cristo (1 Coríntios 12:12-13), ponto a partir do qual eles podem dizer que Cristo vive neles (Gl. 2:20).

Se o acima estiver correto, poderemos então distinguir vários (mas não separados) momentos no batismo. Quando um não cristão primeiro acredita estar fora do reino e de Cristo. Quando ele é batizado na obediência da fé, ele é batizado em nome de Cristo, pelo qual ele recebe o perdão dos pecados e se torna um filho de Deus. Este filho recebe formalmente o Espírito (do Filho) pelo qual ele é selado em Cristo e recebe – enquanto aguarda a sua redenção – o pagamento da sua futura herança como filho de Deus. O Espírito de Filiação realiza a relação filial nele. Ele forma o clamor ‘Pai’ em seu coração, e permite que a fé termine seu curso pelo Seu poder.

Se o Espírito é dado no batismo, devemos também insistir que a regeneração é dada no batismo, pois é no batismo que participamos na ressurreição do Senhor e em seu Espírito. Poderíamos talvez dizer que no batismo a fé recebe as promessas em que acredita. Deve ser evidente que, quando visto desta perspectiva, a palavra regeneração não pode ser entendida como muitas vezes a entendemos, isto é, ela não é primariamente uma mudança subjetiva passiva, mas é primeiramente uma mudança existencial, conferida pelo Senhor e ativamente recebida em união com Ele.

Quando trabalhamos com essa doutrina, não podemos separá-la do batismo e do dom do Espírito, como se a fé (entendida como convicção mental) já tivesse recebido tudo. Não é assim. A obediência da fé (mostrada em submissão ao mandamento de ser batizado) a recebe. Apenas para citar alguns textos: Romanos 6:4 diz: “Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida”. O nascer da água batismal é o momento da nova vida, a qual surge da união com Cristo. Colossenses 2:12 diz: “tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos”. O apóstolo empilha as palavras umas em cima das outras aqui, mas o sentido é que aquele que é batizado ressuscitou dos mortos junto com Cristo, crendo no poder de Deus manifestado na ressurreição de Cristo. Neste texto, a vivificação é apresentada como tendo ocorrido em Cristo (ver também v. 13). Efésios 1:18-20 diz: “iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais”.

Nós que cremos em virtude da eficácia do Seu poder, devemos entender a suprema grandeza deste poder. Esse poder nos deu vida. Por isso morremos e fomos ressuscitados com Cristo. Esse mesmo poder, que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos e o fez assentar-se à sua mão direita, devemos saber que está sobre nós. Isso não é apenas algo pontual, no momento da fé e do batismo como selo. Mas um assunto de longa data. Isto significa que Deus aplicou e aplica esse poder em nós constantemente, para que possamos ser igualmente ressuscitados e aperfeiçoados (cf. Rm. 8:23,29; Hb. 12:23). Crer aqui é igual à vivificação, e esse poder revitalizante e vivificante continua a funcionar durante toda a nossa vida, até atingir seu objetivo na glorificação. Assim, o batismo é, e deve, permanecer um momento muito significativo na vida de um convertido. Não devemos deixar que diminua em importância, tornando-se apenas um mero sinal. Ele é o momento em que os dons de Cristo são conferidos a nós, para que por esses dons o crente possa alcançar a vida eterna (1 Co. 1:7-9; 2 Tm. 1:14). É o começo da vida em Cristo.

Esta é a posição reformada. Infelizmente, a regeneração, como um mero termo, tornou-se restrita ao momento do início da fé, e muitas vezes pensamos que a regeneração está completa quando a fé nasce, e que nossa vida após essa regeneração é simplesmente viver na fé. Essa nunca foi a posição reformada.

Como mostrado acima, as Escrituras geralmente dizem que o Espírito Santo é recebido na fé e pela fé (cf. Calvino. Institutas 3.2.33). Calvino argumentou que a fé produz arrependimento e não é precedida por ele (cf. Institutas 3.3.1.5). Finalmente o arrependimento é/ou produz regeneração. Calvino diz “Logo, em uma palavra, por arrependimento, eu entendo (espiritual – francesa) a regeneração”, que “…consiste em duas partes – a saber: a mortificação da carne e a vivificação do Espírito”. (Calvino 3.3.8.9. Beveridge trad. Calvino também cita os seguintes textos: 2 Co. 3:18; Ef. 4:23-24; Cl. 3:10; 2 Cr. 4:16; cf. CH P&R 33). A fé, portanto, produz regeneração. Essa é a posição de nossas confissões. O Artigo 24 da Confissão de Fé Belga diz: “Cremos que essa verdadeira fé operada no homem pelo ouvir da Palavra de Deus e pelo agir do Espírito Santo, regenera-o e torna-o um novo homem;  faz com que viva uma vida nova e o liberta da escravidão do pecado”. A Confissão Francesa (Confissão de La Rochelle – basicamente uma cópia do rascunho de Calvino e a base da Confissão Belga) diz: “Cremos que por essa fé somos regenerados para uma nova vida, estando por natureza escravizados ao pecado. Agora recebemos pela fé a graça de viver vidas santas e no temor de Deus, recebendo/aceitando a promessa que nos é feita através do Evangelho, de que Deus nos dará Seu Espírito Santo”. Essa regeneração, então, é fruto da fé e é um esforço continuado por toda a nossa vida, pois apenas os renascidos entrarão no reino de Deus (Calvino 3.3.9.19). A regeneração, então, não é apenas uma questão passiva, mas altamente ativa, ao longo da vida. A regeneração, nesse sentido, é: “e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.” (Ef 4:23,24). O novo homem é algo que foi criado à imagem de Deus. Ele é visto como algo separado, já sendo à imagem de Deus, pronto para ser revestido assim. Isto é dito para aqueles que começaram a trilhar o caminho da fé, em quem a regeneração já começou. Cl. 3:10 diz que este novo homem já foi colocado. Entende-se que a regeneração começou, mas não foi completada na vida do santo. É uma mudança progressiva em direção a imagem de Deus (Rm. 8:29). Essa é também a compreensão de 2 Co. 3:18; 4:16.

Para destacar um pouco a diferença entre aqueles que foram batizados e aqueles que não foram, podemos perguntar como o Espírito trabalha fora de Cristo, por exemplo, em um pagão.

Primeiramente, devemos começar com o efeito da Palavra. Devemos lembrar Atos 2:38 onde os ouvintes foram contristados de coração pela pregação da Palavra. Mas quando perguntaram o que deveriam fazer, a resposta voltou: arrependam-se. Estar contristado de coração ainda não era o arrependimento que o Espírito desejava. Jesus disse em João 16:8-11 que o Espírito convenceria o mundo do pecado, da justiça e do julgamento, mas esse dom espiritual, esse conhecimento da verdade, cria apenas medo e leva à morte se não houver um arrependimento piedoso. (cf. 2 Co. 7:9-11). O conhecimento por si só não é necessariamente fé, mesmo que acredite naquele conhecimento (cf. João 12:42-43). Para ser fé, o conhecimento deve ser obedecido. E se não for obedecido, ainda serve a um propósito: deixar os que rejeitam a verdade sem desculpas. Se praticados com fé, podemos dizer que faz parte da fé, porque a pregação era crida e obedecida (cf. os israelitas que foram picados em seus corações Atos 2:37). O crente deve então se arrepender (que é fruto da fé) e ser batizado (que é outro fruto da fé) (cf. Hb. 13:13). Então,  receberá o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo (Atos 2:38). Fora do corpo de Cristo, pode haver reconhecimento da verdade e disposição para obedecer ou não à verdade. Nos dois casos, é o Espírito em ação. Ele convence um e converte o outro, mas o perdão dos pecados e o dom do Espírito não são (normalmente) recebidos, exceto no corpo de Cristo, e uma pessoa entra neste corpo através do batismo. Novamente, teremos que entender que a maneira correta de falar é que a fé produz regeneração. Oficial e ordinariamente, fé e regeneração não têm status fora do batismo em Cristo, embora na verdade possam estar presentes. Penso que um dos erros em que cometemos não é respeitar suficientemente esse fato em nosso ordo salutis. Não é simplesmente uma questão de ordem lógica, nem mesmo da obra do Espírito, mas de união com Cristo pela obediência da fé. O que acontece antes do batismo é que o Espírito leva o crente a se unir
a Cristo, para que ele seja regenerado através do Senhor, que nele vive, através de seu Espírito (Gálatas 2:20). Isso nos leva a uma pergunta difícil: todos dentro do corpo de Cristo,  crentes e incrédulos, compartilham do perdão dos pecados e do dom do Espírito?

Começaremos o mais longe possível. Veremos nas Escrituras quem realmente recebe o Espírito. Já vimos como o Espírito pode convencer e converter fora do corpo de Cristo. Nas Escrituras, o Espírito também soberanamente se aproxima e usa pagãos incrédulos. Por exemplo. o Espírito falou através de Balaão, mas ele não era crente (Números 24:1-2). De fato, podemos chamá-lo de “anticristo”, já que ele tentou amaldiçoar o povo de Deus para que eles não ganhassem sua herança. O Espírito também encontra incrédulos convictos entre o povo da aliança de Deus para usá-los para seus propósitos. Os setenta anciãos receberam o Espírito de Moisés, mesmo os dois desobedientes (Números 11:17,25,26). Saul e seus homens profetizaram pelo Espírito enquanto tentavam matar Davi (1 Sm. 19:20,23-24). Também podemos nos referir a Caifás, que profetizou que Jesus morreria pela nação e foi um dos principais instigadores de sua morte (João 11: 49-52; 18: 14,24,28,35).

Os personagens mencionados acima eram inimigos de Deus que foram vencidos por Ele em sua defesa ao seu povo, ou para que sua palavra fosse dita em lugares onde, de outra forma, não chegaria. Contudo, Deus também dá o seu Espírito em um sentido mais positivo, mas ainda não de maneira salvífica. O Espírito pode ser dado a uma pessoa, e uma mudança pode resultar, contudo depois a pessoa ainda não se engaja. O rei Saul é um exemplo disso. Aquele que não era muito temente a Deus (cf. 1 Sm. 9: 6; 10: 11,12; 19:24) recebeu o Espírito (1 Sm. 10:6). Ele foi transformado em outro homem (10:6), recebeu outro coração (10:9), mas ainda assim o Espírito o deixou (16:14). A razão foi a sua infidelidade ao Senhor. Consequentemente ele foi rejeitado por Deus para ser rei (1 Sm. 15:26; 16: 1). o Rei Saul perdeu toda a fé (1 Cr. 10:13). O que realmente aconteceu aqui é difícil de explicar. Uma coisa é bastante certa: Deus nos fornece essas

informações para que possamos saber que Ele não foi responsável pelo fracasso de Saul. Ele deu a Saul tudo o que ele precisava para cumprir seu ofício e, quando não o fez, Deus retirou seu dom. No entanto, por outro lado, a demanda por um rei era rebelião contra Deus, de modo que poderia haver um elemento de punição na escolha de Saul como rei (cf. 1 Sm. 10:23-24 e 13:14). Se assim é, poderíamos dizer que Saul foi escolhido como rei para cair, embora Deus tenha dado a ele tudo o que ele precisava para permanecer. Seja qual for o caso, 10:6,9 significa que Saul realmente recebeu o Espírito e os dons espirituais. Isso significa que o Espírito e seus dons podem ser dados àqueles que não estão entre os eleitos. A questão de saber se Saul foi regenerado, ou não, terá que ser respondida de forma negativa, mas aqui podemos ver quão perto podemos chegar e quão profundamente essa pessoa pode cair.

Talvez possamos ver esse entendimento também no N.T. Simão o Mágico, creu e foi batizado (Atos 8:13). Ele aparentemente também recebeu o Espírito (8:17). No entanto, Pedro diz que ele não tinha parte nem herança nesse assunto, pois seu coração não estava reto diante de Deus. Ele ainda estava vinculado a ira, amargura e injustiças. Ele queria comprar o poder do Espírito e concedê-lo a outros. Por isso, foi amaldiçoado por Pedro (Atos 8: 17-25). Jesus fala daqueles que profetizaram em Seu nome e expulsaram demônios, mas os quais Ele não conhecia, e que portanto, foram rejeitados (Mateus 7:21-23). Aqui podemos pensar, por exemplo, em Judas Iscariotes. Ele, como um dos doze, foi enviado com poder contra os demônios e para curar pessoas (Lc. 9: 1-2). Em Mateus 11:12 igualmente, Cristo diz: “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele.” Aparentemente, alguns estavam entrando no reino e se beneficiando com suas riquezas, mas sem a qualificação necessária: verdadeira fé em Jesus Cristo. O apóstolo Paulo também fala daqueles que pregam a Cristo em inveja e contenda (Filipenses 1:15-18; cf. Rm. 16:17-18). Eles estavam no serviço do Senhor, usando os dons espirituais, mas sem serem salvos do pecado e da corrupção, pois buscavam a si mesmos e não à honra de Deus.

As escrituras também falam geralmente daqueles que se afastam da fé. Podemos nos referir a Hebreus 6:4-8, onde fala daqueles que já foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito e provaram a boa palavra de Deus e os poderes da era futura, e caíram. Hebreus 10:29, fala daqueles que pisaram o Filho de Deus, desprezaram como um nada o sangue da aliança pelo qual eles foram santificados, e insultaram o Espírito da graça; à parábola do semeador onde a semente germinou, mas não morreu ou deu fruto (Mateus 13:1-23), e aos textos que se referem ao pecado contra o Espírito Santo que nunca será perdoado, e que não devemos orar por aqueles que o cometem (Mateus 12:31; 1 João 5:16-17). São todos plantas que o Pai celestial não plantou e que serão arrancadas (Mt. 15:13).

Uma maneira comum reformada de lidar com esses textos é falar deles como hipotéticos, mas quando fazemos isso, nos sentimos um pouco desconfortáveis. Suspeitamos que não estamos fazendo justiça às Escrituras. O caso de Saul serve para sublinhar essa suspeita. O apóstolo João também não diria ao povo para não orar por aqueles que cometeram o pecado que leva à morte, se fosse apenas algo de possibilidade hipotética.

É interessante ver como as Escrituras falam desse tipo de fé. O Senhor dá o Seu julgamento sobre esta fé que não garante salvação. Ele fala sobre isso em Mateus 13:12; Marcos 4:24-25; Lucas 8:18; 19:26. Esses versículos parecem auto-contraditórios. Eles falam sobre entendimento e dons que não temos, sendo tirados. Mas, não podemos tirar algo que não temos. Lucas 8:18 acrescenta a palavra “parece”, e isso esclarece um pouco a intenção dessas palavras, contudo à custa de tirar o paradoxo: há algo lá, que não é nada, que será retirado. O ponto das parábolas que nosso Senhor contou, e nas quais esses versículos estão embutidos, parece ser: Somos responsáveis ​​por realizar nossa salvação com temor e tremor, por meio da palavra que recebemos (Filipenses 2:12-13; 2 Pedro 1:10-11). Quem não se rebela contra a verdade ele conhece e ouve. Há quem pareça ter fé, mas se não houver ouvidos ou fruto da fé, essa fé aparente será tirada. Deus não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que faça vencedor o juízo. (Mateus 12:20).

No trabalho missionário, vemos frequentemente exemplos disso. Muitos que crêem mais tarde caem, mas enquanto crêem participam da boa fé. Eles crêem na Palavra, mas essa fé morre por uma razão ou outra (cf. João 6:60,66). Na tentativa de encontrar uma maneira de descrever essa fé de uma maneira aceitável, conforme as escrituras, examinei as definições de fé que o escolasticismo reformado usou, mas não encontrei nenhuma definição que me satisfizesse (ver apêndice). O melhor que posso fazer é dizer que esse tipo de fé nasce da carne, e não do Espírito, mesmo que nasça em resposta à palavra de Deus. Podemos ver isso sendo ensinado pelo Senhor na parábola do semeador, onde a palavra semeada se enraíza, mas depois morre (“não tem raiz em si mesma”) ou não produz frutos (“palavra sufocada”). Em outros lugares, diz-se que a palavra é incorruptível e vive e permanece (para sempre – uma questão do texto) e perdura para sempre, mas é aí que se fala dos regenerados. (1 Pe. 1:23,25). Muitos no mundo acreditam em mentiras e mentirosos; portanto, não devemos nos surpreender que a carne possa crer na palavra de Deus se for convicto/convencido pelo Espírito, ou ouvir algo que isoladamente reconhece como verdade, que pode fazer ter esperança de salvação da miséria desta vida. Essa fé dura enquanto vê lucro no evangelho, ou até ver que o evangelho em outros lugares entra em conflito com aquilo que parece ser seus verdadeiros interesses. Estes interesses são machucados, então essa fé morre. É até razoável pensar que essa fé continue por toda a vida, se a pessoa simplesmente vai junto com a maré, entretanto não chega a regenerar.

Aqueles que têm essa fé nascida na carne são capazes de receber muitos dos dons espirituais que Deus dá à sua igreja em Cristo. Parece que 1 Coríntios 2:14 nega essa possibilidade, pois diz que “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. Mas vimos acima que há casos em que os dons espirituais foram recebidos e perdidos. Portanto, teremos que entender “receber”, conforme apropriado, e entender que existem diferenças nos dons. Alguns dos quais estão disponíveis para todos, e outros são dados apenas aos eleitos. Mas todos são dados para o bem comum (cf. 1 Co. 12:7-11). Também teremos que levar a sério o que Paulo disse a todos os membros da congregação problemática dos Corintos: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.”. (1 Co. 12:13). A carne identifica erroneamente aquele bem proclamado, e nessa fé errônea que é produzida, se apropria daquilo que considera interessante. Ela não pode apropriar-se de alguns desses dons, mas de outros que pode apropriar-se. Ela usa-os mal ou, no exercício desse dom, percebe que não produz o que se esperava. Portanto, é escandalizada e morre. Esses dons espirituais são dons bem intencionados, pois a oferta do evangelho é uma oferta bem intencionada. Mesmo que o ‘crente’ não possa fazer nada com eles, ele é responsável pelos mesmos desde que foram recebidos. O quão importante é isto, podemos aprender com Hb. 6:4-8; 10:29-31. Se eu estiver certo, há dentro da igreja, uma participação muito real e rica no evangelho. Aqueles que entram, mas caem, ou que não são regenerados pela fé, não usam corretamente o que têm. Algo foi dado a ele, mas vai perdê-lo. Os que estão na igreja correm grande perigo se desprezarem os dons de Cristo, seu Senhor. Penso que podemos ir mais longe, pois é com base na participação muito real nos dons espirituais que o chamado à fé e ao arrependimento é tão sério para os membros da igreja.

Apêndice
A teologia reformada geralmente divide a verdadeira fé pessoal em três partes: 1) notitia, que é a compreensão intelectual do evangelho; 2) assensus que é favorável a esse evangelho; 3) fiducia, que é a confiança pela qual esse evangelho com suas promessas é apropriado.

Todos os três devem estar lá para que algo seja chamado de fé. A teologia reformada também pode distinguir de outra maneira as duas primeiras que são de maior interesse para nós: a primeira é a fé salvadora; a segunda: fé temporária que dura apenas um tempo; o resto é, na verdade, todas as formas de descrença: fé histórica que acredita nos fatos, mas não confia; fé milagrosa que só confia, porque vê milagres; fé legal que aceita apenas a lei (por exemplo, judeus); fé evangélica que aceita apenas o evangelho (vários ramos do cristianismo). Da terceira à sexta categorias encontramos tentativas de caracterizar uma fé por sua (falta de) conteúdo. A primeira e a segunda categorias não são uma caracterização da fé por seu conteúdo, mas por seu efeito ou duração. Duvido muito que essas categorias sejam úteis. Também as duas primeiras, que o C de D usa. A terminologia dos dois primeiros é um tanto infeliz. por exemplo. Quando a fé termina, não podemos dizer que chegou ao fim, porque era uma fé temporária. Nem podemos dizer que a fé salvadora salvou, porque era fé salvadora, porque assim seria é um raciocínio circular; primeiro, definimos fé por suas características e depois explicamos as características pelo nome que demos a ela. O C de D dizem que a fé temporária não é recebida no coração (3/4.9), e a fé salvadora é (cf. 3/4.12). Mas a verdadeira razão pela qual ambas não são temporárias não é encontrada na fé em si mesma, nem no lugar em que é recebida, mas em Deus, que a coloca no coração. Ele mantém sua obra nos eleitos (5.3). Existem outras divergências como a potentia (a possibilidade da faculdade da fé existir), o habitus (capacidade de crer) e o actus (ato de crer) da fé. Essas categorias são de natureza aristotélica, e eu tenho muito conhecimento delas. Estas categorias foram refinadas ainda mais na dogmática protestante, mas vou omitir a discussão sobre elas aqui.

A participação da criança da aliança

Na última oportunidade, fiquei preocupado em tentar mostrar qual era o valor do batismo e quem poderia participar dos dons espirituais. Desta vez, quero olhar especialmente para a participação das crianças da aliança nos dons espirituais. Ou, se preferir, o que uma criança recebe no batismo. Quero abordar esta questão nos termos do rebatismo.

O Novo Testamento geralmente fala em termos de fé em Jesus Cristo e, em resposta, ser batizado. Ele não fala sobre aqueles que nasceram na nova aliança e que portanto foram batizados quando crianças sem ter fé. Se você trabalha em uma situação missionária, pode ser confrontado com uma situação em que muitos não foram batizados. Outros foram batizados quando crianças em igrejas como a Igreja Católica Romana, mas não sabem nada sobre o evangelho. Mais uma vez, outros foram rebatizados em igrejas pentecostais ou outras denominações evangélicas. Temos que tratar estes casos de maneira diferente? O batismo deles é válido? Eles já faziam parte do povo da nova aliança de Deus ou não? Eles participaram da morte e ressurreição de Cristo e do batismo do Espírito? Outras perguntas também se seguem: Nós que nascemos na aliança e nos batizamos em igrejas que professam a verdade, morremos e ressuscitamos em Cristo e recebemos o dom do Espírito, ou também devemos esperar até que cheguemos à fé? À luz do batismo, parte 6, podemos ser bastante curtos sobre a última pergunta. A criança batizada participa dos dons espirituais, mas ainda podemos perguntar até que ponto.

1) Quando uma criança nasce de pais crentes, dizemos que ela pertence ao povo de Deus e, portanto, pode ser batizada. Ao nascer, ele participa da relação expressa nas palavras: “Eu serei seu Deus e você será meu povo”. Essas palavras implicam que qualquer pessoa que esteja nessa relação com Deus esteja entre aqueles que foram salvos. Deus sempre começa com Sua graça, colocando as pessoas em possessão de salvação, com base nas quais Ele pede nossa resposta obediente e amorosa de gratidão. O relacionamento estabelecido na aliança com Deus não começa com: se você… então eu… começa com: “Eu sou o Senhor que te tirei de… para lhe dar isto… para herdá-lo” (Gn.15:1,7) ou “Você viu o que eu fiz… e que te dei asas de águia e te trouxe para mim”, e “Eu sou o Senhor, teu Deus… que te tirei da terra da escravidão” (Êx. 19: 4; 20: 1). Obviamente, isso continua a ser verdade também no N.T., onde as congregações são tratadas como um corpo. cf. Rm. 1:7 e 1 Co. 1:2 “chamou (= escolhido) santos” não “chamou para ser santos”; que foram lavados, santificados e justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito de Deus (1 Co. 6:11; cf. 1 Co. 12:12-13)

2) 1 Co. 7:14 diz: “Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos”. Os filhos dos crentes são puros (não impuros) e santos, e isto só pode significar que eles nasceram na relação de aliança com Deus. Pois somente aqueles que foram separados do mundo para Deus, por Deus são santos. Eles, portanto, pertencem àquele grupo de pessoas que foram lavadas, santificadas e justificadas no sangue de Jesus Cristo (1 Co. 6:11). Portanto, eles podem ser batizados, porque participam da morte, sepultamento e ressurreição de Cristo. Eles compartilham de todos os ricos dons espirituais dados à igreja. A santificação do cônjuge incrédulo não é da mesma ordem, pois no caso dele, devemos dizer que Deus santifica o incrédulo em sua união (os dois serão uma só carne) com o crente santificado, para que seus filhos não sejam impuros, mas santos. A união conjugal (não apenas sexual) com um crente santificado, significa que a santificação é estendida ao incrédulo aqui.

A Confissão de Westminster 10.3 traz um equívoco quando fala sobre crianças que morrem na infância. Diz “As crianças eleitas, morrendo na infância, são regenerados e salvas por Cristo…”. A qualificação “eleito” tira qualquer qualidade pastoral que este artigo possa ter. Serve apenas para empurrar a questão de volta à pergunta de saber se a criança era eleita ou não. Podemos dizer, através da confiança que a aliança de Deus conosco nos dá, os filhos dos crentes, se morrer na infância, serão salvos.

3) Se confessarmos que filhos de crentes que morrem na infância são salvos (C de D 1,17), somos forçados a concluir que eles também foram justificados, pois não há salvação fora do sangue justificador de Cristo.

Nesse contexto, nenhuma separação pode ser feita entre o sangue que santifica e que justifica. A santificação não se separa da justificação no presente. Mesmo o Batista, se ele deseja afirmar que os filhos dos crentes, que morrem na infância, são salvos, deve admitir que eles foram justificados no sangue de Cristo. Pois a salvação não é dada porque uma criança morre jovem, ou assumindo que ela não cometeu qualquer pecado real. Mas somente por causa do sangue justificador de Cristo concedido a ele na aliança que Deus fez com o crente e sua descendência. Se alguém deseja negar isso, é obrigado a negar a salvação de todas as crianças que morrem na infância. Mas isso parece jogar fora a bênção divina que Cristo concedeu aos pequenos filhos de Israel em suas palavras (Mt. 19:13-15). Portanto, o Batista, que admite a salvação de filhos de crentes que morrem na infância, é inconsistente em sua negação do batismo às crianças.

4) Não dizemos que uma criança é incrédula, assim como não dizemos que é crente. Simplesmente não podem crer. Também não dizemos que é regenerada. Também não devemos afirmar que as crianças que morrem na infância foram ou serão regeneradas nesta vida. Eu acho que Calvino está errado neste momento, porque ele argumenta a regeneração dessas crianças antes da morte (Calvino Institutas. 4.16,17). Seria melhor dizer que a criança é regenerada quando morre. A regeneração não é a base legal da salvação. Portanto, não deve ser elevada a esse nível. João 3:3,5 não pode ser usado para tornar obrigatória a regeneração nesta vida para a salvação de bebês, pois o Senhor estava conversando com um adulto. O ponto da visita de Nicodemos e a resposta de Jesus foi: quem era Jesus? Jesus disse que não poderia ser salvo se não soubesse quem Ele era. Também disse para Nicodemos que não poderiam entrar no reino de Deus se não nascessem de novo. Uma criança não pode saber disso, e Jesus não pretendia excluí-las do reino de Deus (cf. Mt.19:13-15).

Além disso, não dizemos que uma criança batizada será regenerada. Como cidadãos do

reino, ouvem pela Palavra quais são as riquezas nas quais já participam em Cristo. Elas se apropriam de todos esses ricos dons pela fé, assim como aqueles que vêm de fora. E no exercício dessa fé são regeneradas pelo poder e pelo Espírito de Deus que a fé deles recebe. Na medida em que a verdadeira fé opera, a regeneração prossegue. (A descrença está sempre presente, mesmo nessa pessoa.) Na medida em que uma pessoa batizada não se apropria de suas riquezas da fé, ela deve ser chamada ao arrependimento/conversão (eu uso essas palavras no sentido bíblico como termos equivalentes que significam mudança de mente e mudança de direção, respectivamente). Se a criança não crê, ela despreza suas riquezas e então também será rejeitada. Pois ela considera o sangue pelo qual foi santificada como algo comum, e insulta o Espírito da Graça. Ele receberá uma punição muito pior do que as que foram aplicadas sob a lei, pois cairá nas mãos do Deus vivo (Hb. 10:29-31).

No entanto, não devemos cair no erro oposto. Ele diz que, uma vez que depende da vontade de Deus ser regenerado (regeneração passiva inicial), não há maior probabilidade de um filho de crente ser regenerado. Isto está errado, pois isso negaria a verdade de Deus em sua palavra, e sua fidelidade ao seu povo (cf. Dt. 7: 9-11; Atos 2:39; 1 Co. 7:14). Deus fez uma aliança conosco no sangue de Cristo, e ele não desprezará esse sangue. Os filhos da promessa (Rm. 9:8) geralmente nascem dentro da igreja.

A questão do rebatismo quase não parece ser algo dessa perspectiva. Parece não haver razão para isso. O batismo chama os batizados a exercerem os dons que receberam com verdadeira fé. Se uma pessoa batizada chega à fé, ela está fazendo isso. Isso é verdade, seja qual for a igreja da qual ele possa vir, ou em que igreja ele possa ter sido batizada. A questão de saber se uma igreja falsa ainda faz parte da Igreja, e se o seu batismo é válido, falei na Parte 4, mas devo acrescentar que uma igreja falsa realmente não tem mais o direito moral de administrar o batismo, pois nega ao Salvador. que ostensivamente confessa (cf. Sl. 50:16-17). Há uma outra pergunta relacionada também: Se os pais não são verdadeiros crentes, o filho está incluído na aliança da graça feita com o crente e sua semente? Novamente, a resposta não é um simples sim ou não. Podemos dizer que Deus lhes responde com base em sua pretensão de ser seu povo. Se eles não viverem como tais, então, de acordo com suas próprias pretensões, eles e a criança deverão sofrer a maldição da aliança. Eles não têm o direito moral de batizar seus filhos e, portanto, devem se arrepender para escapar do julgamento. Isso me parece determinar a questão do rebatismo. Aquele que foi batizado de maneira errada, deveria chorar pelo sacrilégio cometido em seu batismo, mas se alegrar com a eleição de Deus que, já lá, no meio do pecado, o estava separando do mundo, com a intenção de trazê-lo à fé. Eu concluo do que estudei que não há necessidade de rebatismo. O resultado final estará em português, então não testarei mais a sua paciência. Espero que você tenha gostado desse passeio, bastante rápido, por algumas partes da doutrina do batismo.


Tradução: Marcel Tavares

Revisão: Thaís Vieira

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