Há algum tempo, em outubro, o Centro de Estudos de Burlington organizou três noites de estudo sobre liturgia. Na terceira noite de estudo o tema exposto foi sobre cantar nos cultos de adoração. Houve uma pergunta sobre acrescentar um hino bíblico muito amado ao nosso Livro de Louvor, nenhuma objeção por isso. Mas, isso nos leva a outro ponto que às vezes surge em nossas discussões. Os salmos podem ser experimentados como canções do Antigo Testamento, enquanto que com os hinos a igreja canta obviamente sobre Cristo e a salvação por meio dEle. Nesse artigo, irei lidar com esse falso dilema. Os salmos falam de Cristo e da sua salvação.
Na noite da ressurreição, o Senhor disse aos seus discípulos:
A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos — Lucas 24.44.
Temos este mesmo ensinamento em João 5.39, onde Cristo diz que as Escrituras do Antigo Testamento testificam dEle.
Em todos os livros do Novo Testamento, percebemos como o Senhor viveu com essa verdade. Vez após vez aplicava as palavras do Antigo Testamento a si mesmo. Da mesma forma, os apóstolos e evangelistas fizeram exatamente a mesma coisa. Vejamos o exemplo do Salmo 22.
Na cruz, no final das três horas de escuridão, nosso Senhor clamava: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Estas palavras são encontradas no primeiro verso deste salmo. Em seu sofrimento, o Senhor levou essas palavras de Davi em sua boca e as aplicou a si mesmo. Desta forma, Ele cumpriu essas palavras, vivendo pelo que foi escrito em obediência ao Pai. Pois foram escritas sobre Ele, sob a orientação do “Espírito de Cristo“, como afirma Pedro (1 Pedro 1.11). Lemos que quando os profetas falaram suas palavras, eles estavam “tentando descobrir o tempo e as circunstâncias para as quais o Espírito de Cristo estava apontando, quando Ele predisse os sofrimentos de Cristo e as glórias que haveria de vir”.
Contudo, há mais no Salmo 22. Quando Mateus descreve os sofrimentos de Cristo, ele nos diz também que os principais sacerdotes “escarneciam” do Senhor (Mateus 27.41). Eles fizeram isso, entre outras coisas, com estas palavras: “Ele confia em Deus! Deixe Deus, então, resgatá-lo agora, se Ele O quer, pois Ele disse: ‘Eu sou o Filho de Deus’ (v. 43). O que eles ironicamente queriam dizer era: O próprio fato de que Deus não O resgata, é a melhor prova de que esse homem na cruz é um mentiroso. Ele não pode ser o Filho de Deus. Pois se Ele realmente fosse, Deus certamente o teria resgatado. Deus obviamente não fez isso.
Há algo notável sobre essas palavras do sacerdote zombeteiro, são palavras do Salmo 22.7-8. Cercado por inimigos, Davi declara: “Todos os que me vêem zombam de mim; afrouxam os lábios e meneiam a cabeça: Confiou no Senhor! Livre-o ele; salve-o, pois nele tem prazer.”
Em outras palavras, Mateus nos conta como os principais sacerdotes, conscientemente ou não, cumpriram as palavras de Davi no Salmo 22.7-8, em sua relação hostil com o Senhor Jesus.
Mas isso ainda não é tudo. Na segunda parte do Salmo, no versículo 22, lemos: “A meus irmãos declararei o teu nome; cantar-te-ei louvores no meio da congregação”. O autor da epístola aos Hebreus coloca essas palavras na boca do exaltado Senhor Jesus como palavras que expressam seu cumprimento obediente e contínuo do que está escrito a respeito Dele.
O autor faz com as palavras do Salmo 22.22 da mesma forma que o próprio Cristo fez com as palavras do versículo 1.
Podemos descrever pelo menos duas conclusões. Primeiro, o próprio Cristo e o evangelista Mateus (como Marcos e Lucas), bem como o autor da epístola aos Hebreus, leram o Antigo Testamento à luz de seu cumprimento Nele, o Cristo.
A segunda conclusão é que essas três citações do Salmo 22 em diferentes lugares do Novo Testamento indicam que, de fato, todo o Salmo pode ser lido como uma profecia sobre Cristo. Ler todo o Salmo confirma isso. Sem nenhum problema, podemos aplicá-lo em sua totalidade ao nosso Senhor. Todo o Salmo, primeiramente falado por Davi, é uma profecia sobre, e tão aplicável a Cristo e ainda, é cumprido por Ele.
Nas três citações do Salmo 22 no Novo Testamento, temos uma lição do Espírito Santo. Ele nos ensina que esse salmo de Davi e sobre Davi é também um salmo de Cristo e sobre Cristo Jesus com seu serviço obediente a Deus e ao seu povo, tanto em seu sofrimento como em sua glória. A consequência desta instrução do Espírito de Cristo é que aprendemos a cantar o Salmo 22 como um salmo de Davi e, ao mesmo tempo, um salmo de Cristo. É uma palavra de Davi sobre a sua vida e experiência, e é uma palavra do nosso Salvador sobre o seu sofrimento na terra e o seu trabalho contínuo de reunir a igreja em glória.
Agora, alguém poderia perguntar: mas e nós e a nossa salvação? Bem, quando nós cantamos o Salmo 22, nós cantamos sobre nós mesmos e sobre a nossa salvação. Quando cantamos sobre Cristo que foi abandonado, acreditamos que isso implica que Ele foi abandonado por nós e em nosso lugar. Este castigo pelos nossos pecados foi suportado por Ele, para obter perdão e justificação para nós. E quando cantamos a respeito de Cristo desejando cantar louvores a Deus com uma grande congregação, então nós, membros crentes dessa congregação na adoração a Deus, nos alegramos que esta obra de ajuntamento da igreja de Cristo também nos inclui.
Ler e cantar salmos à luz de seu cumprimento em Cristo, pode ser feito sem muita dificuldade, como muitos outros salmos também. Eu gostaria de sugerir que você, leitor, tente ler e cantar todo o Salmo 31 da mesma maneira. Na cruz, Cristo também declarou as palavras do Salmo 31.5 — Davi disse a Deus: “Nas tuas mãos, entrego o meu espírito; tu me remiste, Senhor, Deus da verdade.” Da mesma forma, Cristo diz ao seu Pai: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Cantamos de novo sobre Cristo. E cremos que, por sua obediência completa, da forma como está escrito, Ele cobre a nossa desobediência pecaminosa e nos concede que, por sua causa, nós também possamos tomar estas palavras de confiança no Pai celestial em nossa boca: “Pai, agora também nós entregamos o nosso espírito, a nossa vida, em suas mãos onde estamos totalmente seguros”.
Vamos aprender a ler e a cantar todos os salmos desta maneira. Cantar salmos no culto público torna-se muito mais rico e completo. Claro, isso precisa de trabalho cerebral. O cristão tem que estudar sobre isso. Ele tem que pensar, enquanto lê e canta. Não cantamos apenas com nossas almas. É necessário também cantar com nossas mentes pensantes. Porque Deus deseja que o amemos com todo o nosso coração e alma, como também, com a mente.
Tradução: Morgana Mendonça.
Revisão: Thaís Vieira.
O website revistadiakonia.org é uma iniciativa do Instituto João Calvino.
Licença Creative Commons: Atribuição-SemDerivações-SemDerivados (CC BY-NC-ND). Você pode baixar e compartilhar este artigo desde que atribua o crédito à Revista Diakonia e ao seu autor, mas não pode alterar de nenhuma forma o conteúdo nem utilizá-lo para fins comerciais.