Princípios por trás da Política Eclesiástica das Igrejas Reformadas – Parte 1

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Um estudo relacionado à  Ordem da Igreja não parece muito relevante ou útil para as questões que enfrentamos no dia a dia. O que o governo da igreja tem a ver com nossos trabalhos na fábrica, nossas responsabilidades com nossos filhos ?! O governo da igreja não é simplesmente a especialidade de um ministro – um campo de estudo com o qual não precisamos sobrecarregar nossos cérebros? Vamos pensar sobre isso, não é a política da igreja simplesmente política da igreja …?

Não, a política da igreja não é simplesmente política da igreja. É verdade que, na igreja do Senhor, muitas situações (do passado distante e não tão distante) foram prejudicadas pela política, e estou envergonhado que isto tenha acontecido; na igreja de Jesus Cristo não há espaço nem para política nem para a politicagem. E digo também que os pecados dos líderes (do passado distante e não tão distante) corroeram a confiança no valor da política da igreja.

Precisamente por causa disso é necessário uma coluna sobre a política da igreja. A tentação certamente existe para concentrar a atenção nas pessoas e em seus pecados. No entanto, a atenção deve se concentrar na vontade de Deus. Isto é: A ênfase não deve ser em como as coisas foram feitas, mas sim sobre como as coisas devem ser feitas.

Enquanto olharmos para o futuro, vamos considerar o que o Senhor nos disse em Sua Palavra sobre como Ele faria com que Sua igreja fosse governada.

Base Bíblica para o Governo da Igreja

É um dado da Escritura que Deus é soberano sobre tudo. Lemos nos Salmos que “o reino é do Senhor, e ele governa sobre as nações” (Sl 22.28); “Ele é o grande rei sobre toda a terra” (Sl 47.2); “O Senhor estabeleceu o seu trono no céu, e o seu reino domina sobre todos” (Salmo 103.19), etc. Como resultado, confessamos de domingo a domingo “creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra” Aquele que criou o mundo no início (que é agora meu Pai em Jesus Cristo) governa o mundo soberanamente.

Depois do triunfo de Cristo sobre o pecado e Satanás na cruz do Calvário, Deus “pôs todas as coisas debaixo dos pés de Cristo” (Ef 1.22). Ter coisas “debaixo dos pés” significa dominar sobre elas, sujeitar essas coisas a você (cf. Josué 10.24f). Assim, Jesus pode dizer antes de sua ascensão ao céu: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Note quão abrangentes são estas duas afirmações: o Cristo ascendido governa sobre todas as coisas. Isso inclui não apenas governos e autoridades seculares, mas também Sua Igreja. É por isso que as Escrituras nos dizem que Jesus Cristo é o Cabeça da Igreja, que é o Seu corpo (Ef 1.20-23; Cl 1.18).

Visto que Cristo é o Cabeça da igreja, segue-se que na igreja de Jesus Cristo as coisas devem ser feitas na maneira de Cristo. Confessamos esta verdade na Confissão Belga com estas palavras: “Cremos que a verdadeira Igreja (esta é a Igreja como confessada nos artigos anteriores) deve ser governada de acordo com a ordem espiritual que nosso Senhor nos ensinou em Sua Palavra” (Artigo 30). Similarmente, “Cremos que, embora seja útil e bom para aqueles que governam estabelecerem uma certa ordem para manter o corpo da Igreja, eles devem sempre observar para que não se desviem do que Cristo, nosso único Mestre, nos ordenou” (Artigo 32). A igreja pertence ao Salvador e, precisamente por essa razão, é imperativo que nós, uma vez pertencentes à igreja pela graça de Deus, vejamos de fato que Sua Igreja é governada conforme a Sua Palavra. Uma igreja que confessa a soberania de Cristo com a boca, mas não honra a soberania de Cristo nos atos concretos do governo da igreja, não é fiel ao único Mestre.

Como Cristo governa sua igreja?
Cristo nos ensinou em Sua Palavra como Ele governa Sua igreja. Confessamos no Dia do Senhor 12.31: Ele “nos governa pela sua Palavra e Espírito”. Com a ajuda de duas grandes palavras, quero fazer uma distinção aqui. Cristo, eu estou convencido, governa Sua igreja pela Sua Palavra e Espírito “imediatamente” e “mediatamente”.

IMEDIATAMENTE
A primeira dessas duas grandes palavras capta a noção de que Cristo governa sem nenhum meio intermediário. (Na palavra ‘imediatamente’, ‘im’ = não e ‘media’= meios. Então ‘immedia’ =sem meios). Cristo governa Sua Igreja diretamente por Sua Palavra e Espírito, sem usar ferramentas específicas. Pela escola da vida, Cristo trabalha diretamente  em Seu povo para fazê-lo crescer em fé, mesmo a despeito dos pecados e fraquezas dos oficiais. Podemos pensar aqui em uma passagem como Hebreus 12: “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos… Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade.”.(vv.7-8,10)

MEDIAMENTE
Cristo também governa Sua Igreja através de um meio particular, isto é, por meio de ferramentas. A ferramenta que Deus tem o prazer de usar é humana, primeiramente o ofício de todos os crentes, e em segundo lugar colocando entre Cristo e Sua Igreja os ofícios especiais.

O OFÍCIO DE TODOS OS CRENTES
No dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado não somente sobre os doze discípulos, mas sobre todos os crentes. Como resultado, o apóstolo pôde escrever a toda a congregação em 1 Pedro 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” Da mesma forma, Paulo pergunta a cada membro da igreja de Cristo em Corinto: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Co 3.16; cf. 6.19).

Com o dom do Espírito Santo, todos os cristãos foram ungidos para o “ofício de todos os crentes”. Somos, então, profetas, sacerdotes e reis. Somos chamados cristãos porque, como cada um de nós confessa, “…eu sou membro de Cristo pela fé e, portanto, compartilho de Sua unção, para que eu possa, como profeta, confessar Seu nome, como sacerdote me apresentar como um sacrifício vivo de gratidão a Ele, e como rei lutar de livre e boa consciência contra o pecado, o diabo, e depois reinar com Ele eternamente sobre todas as criaturas” (DS 12.32). Como todos compartilhamos o ofício de todos os crentes, todos nós temos um lugar e uma tarefa na congregação. É verdade que todos temos dons diferentes, por causa disso temos o privilégio de nos complementar. Como lemos em Romanos 12.4-8: “Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta faça-o com dedicação; o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria”. Na capacidade do ofício de todos os crentes, todos nós podemos ser ferramentas nas mãos do Salvador, pelas quais Ele cuida da Sua igreja.

OFÍCIOS  ESPECIAIS
Agrada ao Cabeça da Igreja, então, usar os ofícios especiais. Quando Cristo ascendeu ao Céu, Ele deu dons especiais a algumas pessoas, para que, além de servirem no ofício de todos os crentes, pudessem também ser capacitados a servir nos ofícios especiais. “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo…” (Ef 4.11-13). Paulo também diz aos presbíteros de Éfeso: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.” (At 20.28).

Política da Igreja Definido
A Política Eclesiástica não se preocupa com o governo “imediato” de Cristo sobre Sua Igreja. A Política Eclesiástica não se preocupa nem em como os indivíduos realizam o ofício de todos os crentes. O foco da Política Eclesiástica é, em vez disso, os ofícios especiais. O Senhor da Igreja revelou em Sua Palavra princípios particulares sobre o modo como Ele deseja que as coisas sejam feitas em Sua igreja. Onde Sua vontade sobre determinado assunto foi claramente revelada nas Escrituras, as igrejas do Senhor não têm outra opção senão agir de acordo. A igreja deve, por exemplo, ter oficiais. Uma igreja também deve exercer disciplina.

Além disso, como uma igreja vai obter obreiros, ou como os oficiais vão exercer a disciplina, não está precisamente estabelecido nas Escrituras nos seus mínimos detalhes. Certos princípios são revelados, com certeza. Mas os detalhes precisam ser deduzidos a partir desses princípios.

A questão que então surge é a seguinte: as igrejas deveriam seguir o seu próprio caminho para determinar como elas devem elaborar as aplicações dos princípios bíblicos? Será que uma igreja chama alguém ao ofício através de um procedimento enquanto outra o faz de uma maneira diferente? Uma igreja pode exercer disciplina de uma maneira, enquanto outra o faz de outro modo? Deveriam as igrejas, aliás, ter a liberdade de mudar suas práticas ano após ano, de acordo com o gosto da época?

O Senhor revelou nas Escrituras que Ele não é um Deus de “confusão, e sim de paz” (1 Co 14.33). Em vez de aproximações aleatórias a um determinado aspecto da vida da igreja, que  “tudo, porém,  seja feito  com decência e ordem.” (v. 40). O fato de haver um modo de fazer as coisas de maneira acordada, coloca o freio em alguém que poderia seguir o próprio caminho. E serve também para restringir as discussões desnecessárias que produzem divisão. Uma maneira acordada de fazer as coisas produz estabilidade, e a estabilidade encoraja a paz e o crescimento nas congregações de Jesus Cristo.

A Política Eclesiástica se empenha em desenvolver formulações práticas aos princípios que Cristo revelou nas Escrituras, e sobre como Ele deseja que as coisas sejam feitas em Sua Igreja.

Uma vez que estas formulações práticas (os artigos do Regimento da Igreja) não estão descritos na Palavra, mas deduzidos dela (por boas razões), não se pode considerar essas formulações como leis no sentido estrito da palavra . Antes, essas formulações são acordos que, quando se adota o Regimento da Igreja, se promete manter. É por isso que a Polícia da Igreja Reformada não pede que alguém se submeta ao Regimento da Igreja (da mesma forma que o faria a um governo ou a um conjunto de leis); A Política da Igreja Reformada, em vez disso, pede que alguém mantenha as suas promessas – o que, de fato, um filho de Deus deseja cumprir (veja Sl 15.4).

Uma vez que esses acordos estão construídos sobre princípios extraídos da Palavra de Deus, deve-se – se alguém quer fazer justiça ao estudo  do Regimento da Igreja – prestar atenção primeiro aos princípios subjacentes.

Esta é a parte 1 de uma série de 4 partes sobre a Política Eclesiástica.


Tradução: Marcel Tavares

Revisão: Ester Santos

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