Quando um ente querido morre, é correto que um cristão providencie sua cremação em vez de enterrar? Um planejamento prévio de um funeral, a cremação é uma opção?
A escolha se devemos sepultar ou cremar, deve ser só um aspecto de preferência determinada por fatores como custo? Cada vez mais essas e outras questões correlacionadas surgem também em nossos círculos, como observado pelo fato de a Clarion¹ ter recebido um pedido para tratar deste assunto.
A forma habitual
Não há dúvida de que a Escritura apresenta o enterro do falecido em uma sepultura como o modo habitual. São abundantes os exemplos. Deixe-me mencionar apenas o seguinte. O primeiro e único imóvel que Abraão possuía era a sepultura para sua esposa e depois para si mesmo (Gn 23; 25: 9-10). Os outros patriarcas foram enterrados lá também (Gênesis 49: 29-33; 50:13). Quando Moisés morreu no Monte Nebo, foi o próprio Senhor que o enterrou, mostrando que este é o caminho para cuidar dos mortos (Deuteronômio 34: 6). De fato, em sua lei, o Senhor ordenou que até mesmo os culpados de uma ofensa capital recebessem um enterro apropriado (Deuteronômio 21: 22-23). Movendo-se para o Novo Testamento, quando Lázaro morreu, ele foi sepultado (João 11:17), não cremado, embora este fosse o modo romano e grego preferido de lidar com um cadáver naqueles dias. Por fim, é significativo que depois que o Senhor Jesus morreu, Ele foi sepultado (Mateus 27: 59-60). Isso foi de acordo com sua própria expectativa. Quando uma mulher O ungiu com perfume caro em Betânia, logo Ele encontrou oposições dizendo:
“Mas Jesus, sabendo disto, disse-lhes: Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo… pois, derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento.” (Mateus 26:10, 12)
Por isso o enterro era o caminho normal. Isto não é inesperado quando lembramos que o Senhor Deus formou o primeiro homem do pó da terra (Gênesis 2:7) e depois da queda no pecado decretou que “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gênesis 3:19). Esse é o modelo até o retorno de Cristo. O enterro é parte integrante deste modelo.
Queimando como castigo
Embora enterrar os mortos seja a regra, também lemos nas Escrituras do Senhor que ordenam a queima de humanos em determinadas situações. Nós lemos na lei de Deus que “Se um homem tomar uma mulher e sua mãe, maldade é; a ele e a elas queimarão, para que não haja maldade no meio de vós” (Levítico 20:14). Da mesma forma, “Se a filha de um sacerdote se desonra, prostituindo-se, profana a seu pai; será queimada” (Levítico 21: 9; cf. Gênesis 38:24). É óbvio que a queima e a redução a cinzas foi uma punição extrema por um crime hediondo. Isso significava que o corpo não poderia receber um enterro adequado. Sinalizaram a pessoa envolvida como alguém amaldiçoado por Deus. Semelhantemente, após a derrota de Israel em Ai, Deus ordenou que “Aquele que for achado com a coisa condenada será queimado, ele e tudo quanto tiver, porquanto violou a aliança do Senhor e fez loucura em Israel” (Josué 7:15). Acã tinha roubado dos despojos de Jericó que Deus havia reivindicado para Si mesmo e então ele e sua família foram queimados pelo fogo (Josué 7:26). Mais uma vez, essa penalidade extrema mostra a maldição de Deus sobre eles.
Há outro exemplo de queima, mas este caso é específico devido às circunstâncias e não exigido por Deus. Estou me referindo ao incêndio do rei Saul e seus filhos para evitar mais violações por parte dos filisteus (1 Samuel 31: 10-12). Este foi um ato específico em uma circunstância excepcional. É também destacável que “Tomaram-lhes os ossos, e os sepultaram debaixo de um arvoredo, em Jabes, e jejuaram sete dias”(1 Samuel 31:13). Houve um enterro, pois os ossos foram enterrados.
Em certos casos, Deus também punia diretamente com a morte de pessoas, privando-as de um enterro normal. Assim, “Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o que lhes não ordenara. Então, saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor” (Levítico 10: 1-2). O Senhor também puniu com fogo Corá, Datã e Abirão e seus seguidores que estavam ambiciosos pelo sacerdócio: “Procedente do Senhor saiu fogo e consumiu os duzentos e cinquenta homens que ofereciam o incenso”(Números 16:35).
Conforme mencionado, é evidente que a última maneira pela qual um crente do Antigo Testamento gostaria de ser tratado após a morte é ser cremado. Não ser queimado, contudo o enterro era o caminho honroso. Por que isso? Além do que foi observado acima, precisamos considerar brevemente o local do corpo no enterro.
O corpo no sepultamento
O sepultamento não é um pequeno detalhe. Um cadáver não é apenas um pedaço de matéria sem nome que é colocado no solo, como os materialistas sugerem. Mais propriamente, é o corpo de uma pessoa especial que é enterrada. De fato, um funeral, é um enterro de um ente querido. Embora a alma esteja com Cristo (Filipenses 1:23), o corpo ainda é o corpo da pessoa que está enterrada. Quando nosso Salvador ressuscitou Lázaro dos mortos, Ele não disse ao corpo morto: “Levantem-se cadáveres”, mas Ele chamou: “Lázaro, vem para fora!” (João 11:43). Quando o Senhor Jesus morreu, não foi apenas o seu corpo, mas Ele mesmo que foi sepultado. Não foi apenas um cadáver que veio à vida, mas o próprio Cristo ressuscitou (Mateus 28: 6; 1Coríntios 15: 4).
O corpo é uma parte muito importante da nossa identidade. Quando Deus fez a primeira pessoa, então “formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gênesis 2: 7). Primeiro o corpo foi feito e então a vida foi dada. Corpo e alma estão interligados. Não é normal que uma alma esteja sem o corpo. No céu, as almas estão, num certo sentido, nuas, aguardando o dia em que o corpo celestial glorificado lhes será dado (2 Coríntios 5: 1-10). Mas este corpo glorificado é o corpo da ressurreição que ressuscitará da sepultura, assim como Cristo, os primeiros frutos daqueles que estão vivos, foi ressuscitado da sepultura (1 Coríntios 15: 1-34).
Como aqueles que confessam a ressurreição do corpo, nós dispomos do corpo cuidadosamente no sepultamento. A menos que o Senhor volte em breve, o corpo se transformará em pó. Mas nós o semeamos para o dia da ressurreição! A cremação destrói totalmente o corpo, isso não é consistente com a esperança da ressurreição. A morte foi superada. Um novo corpo será ressuscitado incorruptível!
Cremação
O raciocínio que esclarece a respeito da cremação é totalmente distinto. Historicamente, a cremação está enraizada no pensamento pagão. A ideia é que a queima do corpo ajuda na liberação da alma. Não é por acaso que, como o cristianismo se espalhou no Império Romano, a prática comum da cremação deixou de ser a escolha predominante. No século VIII, Carlos Magno proibiu a cremação no Sacro Império Romano.
Na história seguinte, a cremação era praticada apenas em circunstâncias extremas, como durante o tempo das pragas mortais que devastaram grande parte da Europa na Idade Média.
Hoje, como a influência cristã em nossa sociedade está diminuindo e o pensamento secularista e neopagão afeta mais e mais pessoas, a cremação está ganhando popularidade. De fato, as tendências sugerem que cerca de cinquenta por cento dos falecimentos no Canadá são agora cremados. Nas áreas urbanas, a taxa sobe para cerca de sessenta a oitenta por cento. Precisamos ter cuidado para não sermos influenciados pelo pensamento mundano ao decidir como um funeral deve ser realizado.
No grande dia
No grande dia de Jesus Cristo, todos aqueles que morreram aparecerão diante do trono de Deus. Até mesmo o mar entregará seus mortos e a morte também (Apocalipse 20:13). Aqueles criados também incluirão os mártires que pereceram nas chamas da perseguição enquanto estavam amarrados a uma estaca. Incluirá também aqueles filhos de Deus que faleceram em acidentes de fogo e cujos restos mortais foram incinerados. Todos os crentes serão ressuscitados incorruptíveis em um corpo glorificado naquele grande dia. Nosso Deus não é impedido pela forma da morte ou da destituição do corpo.
A Bíblia não designa um certo método de sepultamento, nem as Escrituras condenam a cremação como pecado. No entanto, fica claro a partir do que a Bíblia nos diz que o enterro do corpo, e não a cremação, é consistente com a perspectiva bíblica. O corpo, uma vez cuidadosamente feito por Deus do pó da terra, agora redimido por Cristo, e usado por Ele como um templo do Espírito Santo, não é algo a ser destruído. Antes, é para ser cuidadosamente colocado para descansar com respeito e honra para o dia da ressurreição.
Como as Escrituras nos ensinam tão maravilhosamente:
“Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Coríntios 15: 42-44)
Nota:
¹ Clarion é uma revista reformada canadense que é dirigida por pastores das Canadian Reformed Churches.
Tradução: Alaíde Monteiro.
Revisão: Thaís Vieira.
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