Preso na adolescência?

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mulher jovem

A compreensão dos tempos em que vivemos ajuda-nos a lidar e a buscar soluções bíblicas para os problemas que surgem. Não é segredo que a cultura ocidental está numa fase profunda de mudança, principalmente à custa de normas bíblicas. Existem, obviamente, muitas razões para isso. Um desenvolvimento notável que não é frequentemente mencionado tem sido o surgimento da juventude como uma nova autoridade e tendência normativa para grande parte da cultura atual. Curiosamente, dois livros recentes abordam este ponto a partir de duas perspectivas completamente antagônicas. O primeiro foca na influência da juventude de um ponto de vista cultural secular, enquanto o outro examina seu impacto sobre o cristianismo.

Onde estão os adultos?

Em seu livro perspicaz e provocante, A morte do adulto (2007), Diana West basicamente argumenta que nossa cultura tornou-se uma cultura adolescente. A expressão mais significativa da cultura jovem é o rock ‘n’ roll. É a inspiração para “a visão de mundo do adolescente perpétuo que vê restrição e definição como cadeados na autorrealização e autoexpressão” (34). Em vez de desafiar esses conceitos, os adultos em geral abandonaram seu dever de liderar e dar orientação a seus filhos, e se contentaram em fornecer as informações necessárias para que eles tomem suas próprias decisões. Essa abdicação de responsabilidade é refletida, por exemplo, na educação sexual com muitas informações, todavia, com poucos conselhos morais. “A principal renúncia do adulto foi também o fracasso dos pais” (57). Ao abraçar os valores da juventude, a sociedade começou a abandonar a velha autoridade da tradição, a sabedoria acumulada e a razão abraçou a novidade, a emoção e os sentimentos. Práticas e atitudes antiquíssimas foram derrubadas e nada é mais sagrado. As consequências são óbvias na sociedade atual, tanto na atitude de nossa cultura em relação à autoridade em geral, quanto em questões morais, como aquelas referente ao casamento e à família. Aqueles que resistem são considerados fora de moda e antiquados.

A rejeição de nossa cultura das noções tradicionais de autoridade e normas (muitas vezes baseadas na Bíblia) significa que agora temos uma cultura e uma sociedade que se congratula por não ser julgadora. Basicamente, tudo está indo bem. Desta forma, não se pode mais distinguir entre arte e lixo (95) ou o que é publicamente decente ou não. Assim, a imparcialidade da sociedade transforma o cidadão típico naquele que não tem mais certeza de sua própria identidade e tem dificuldade em defendê-la contra outras culturas em uma sociedade multicultural.

Esse crescimento de uma cultura adolescente com a rejeição da tradição e a ênfase em satisfazer-se, tem alguma consequência para a vida da igreja?

Cristianismo adolescente?

Thomas E. Bergler em sua dissertação de Notre Dame publicada como A Juvenilização do Cristianismo Americano (2012) apresenta um estudo fascinante de como a cultura jovem impactou a vida da igreja na América do Norte. Ele define “juvenilização” como:

O processo pelo qual as crenças religiosas, práticas e características de desenvolvimento dos adolescentes são aceitas como apropriadas para cristãos de todas as idades. Começa com o objetivo louvável de adaptação da fé para atrair os jovens. Mas às vezes termina mal, com jovens e adultos abraçando versões imaturas da fé. (4)

A juvenilização foi um processo de consequências não intencionais e um subproduto de objetivos nobres. Desejando alcançar a juventude, as igrejas da primeira metade do século XX atenderam à cultura juvenil atual.

Mas, como Diana West já havia observado, o limite entre jovem e adulto tornou-se ofuscado e Bergler reconhece que a juvenilização do cristianismo americano e o surgimento de uma nova idade adulta imatura se reforçavam mutuamente. “De fato, depois de cinquenta anos ou mais de juvenilização, a espiritualidade adolescente define poderosamente as identidades religiosas de muitos adultos” (7). Nem tudo isso é ruim. Os jovens podem estar mais entusiasmados com a sua fé e com isso fornecer o zelo e o idealismo necessário, do que os adultos que já estão cansados. Por outro lado, os adolescentes podem ser bastante egoístas e supor que emoções fortes autenticam sua fé e que Deus está lá para ajudá-los a se sentirem melhor ou para curar suas dores emocionais. A espiritualidade juvenil também “favorece a atividade física, o contato e outras formas corporais como expressão da fé” (9), o que, no contexto da adoração, pode prejudicar o enfoque no Senhor. Além disso, sua fé deve ser divertida e a igreja deve usar as últimas tendências musicais, tecnológicas e culturais.

Bergler traça os desenvolvimentos ao longo do século XX, onde levaram ao eventual triunfo da juvenilização do cristianismo americano. É um estudo muito interessante no qual são descritas as lutas para conservar a igreja e o mundo separados, enquanto tentamos manter a juventude.

Embora o atendimento aos jovens tenha tido algum sucesso em algumas igrejas, Bergler, também destaca alguns aspectos negativos. Um dos principais é que “uma vez que ouvem por anos, mensagens simplificadas que enfatizam um relacionamento emocional com Jesus acima do conteúdo intelectual, os adolescentes aprendem que um sistema de crença bem articulado não é importante e pode até tornar-se um obstáculo para a fé verdadeira” (220). Uma consequência é que muitas pessoas de todas as idades “não apenas aceitam uma versão cristianizada do narcisismo adolescente, frequentemente a celebram como espiritualidade verdadeira” (224). E muitos são deixados mergulhados em imaturidade espiritual. Jovens e idosos são todos adolescentes, independentemente da idade

Se o cristianismo norte-americano pode ser descrito dessa maneira, onde chegaremos como cristãos reformados? Dentro do escopo limitado deste editorial, vamos nos concentrar em alguns aspectos da nossa identidade e adoração reformada.

O caminho certo

É óbvio, e Bergler reconhece isso, que uma boa fé não é suficiente. A maturidade espiritual é necessária e vem do progresso de beber leite para comer alimentos sólidos. Uma maneira importante de alcançar esse objetivo é através da instrução da verdade bíblica. Um lar piedoso onde os pais admoestam seus filhos com pregações sólidas, aulas de catecismo e educação cristã são meios importantíssimos para alcançar esse objetivo. Esses instrumentos precisam ser cuidadosamente preservados.

Uma igreja deve, evidentemente, fazer o que puder para que os jovens se sintam em casa e façam parte da congregação. Por essa razão, cultivar uma comunhão abrangente dos santos na igreja local é uma questão de alta prioridade. Jovens e velhos andam juntos como cristãos. Isso é refletido em atividades realizadas em conjunto, especialmente no culto público.

No culto dominical, toda a congregação se reúne. Todos estão envolvidos no louvor a Deus e quando ouvem a pregação do evangelho. Houve mudanças litúrgicas ao longo dos anos, a fim de promover um maior envolvimento congregacional, como o canto do Credo Apostólico e o uso comum dos “améns”. Tais mudanças podem fazer com que jovens e idosos experimentem uma participação maior no culto de adoração.

Em termos de alcançar o desafio de uma cultura juvenil, é necessário perguntar se às vezes somos mais influenciados por ela do que podemos admitir. Começaremos com o que pode parecer ser uma questão superficial: mais e mais pessoas estão frequentando a igreja vestida com roupas casuais, isto é, mais associadas com lazer e diversão do que com adoração e culto. Seria isso um consentimento com a nossa cultura jovem ou é um aprimoramento da seriedade do encontro com o santo Deus em adoração reverente? Quando um ministro introduz mais histórias em seu sermão, ocasionalmente acrescentado uma piada, essas adições tornam sua mensagem mais eficaz ou ele está atendendo a uma cultura adolescente que anseia por entretenimento e informalidade? A inserção da tecnologia eletrônica mais moderna no culto seria por motivos justos ou para ser “legal” e mais atraente para a geração mais jovem? A implantação de uma banda jovem no culto público seria para o aprimoramento do louvor ou para satisfazer os desejos de uma mentalidade adolescente? A implementação de solos musicais e testemunhos pessoais seria um fortalecimento da experiência da concentração em Deus e adorá-lo ou seria uma desculpa para os jovens que desejam pelo menos algum entretenimento?

Em nossos dias, frequentemente, há um desejo por algo novo e excitante no culto dominical. Às vezes, argumenta-se que isso nos ajudará a manter a juventude. No entanto, qualquer mudança deve ser baseada em normas bíblicas com o objetivo de elevar o nível da santidade e dar toda a atenção ao nosso Senhor e Salvador. Afinal de contas, é um culto de adoração em honra ao Rei dos reis. Não é uma sessão de bem-estar narcisista para aperfeiçoamento pessoal. As mudanças nunca devem ser introduzidas para acompanhar a cultura que nos rodeia. Pois, no final, apenas nos misturaremos com a atual cultura de juvenilização e comprometeremos seriamente nosso testemunho como igreja de Cristo.


Tradução: Morgana Mendonça.

Revisão: Thaís Vieira.

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