O Rebatismo

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mãos estendidas com água caindo

Uma bomba!

“Pai, mãe, por favor, sentem-se. Eu tenho que dizer uma coisa a vocês. Eu decidi que quero ser batizado novamente.”

No passado, tal anúncio era inédito em nossas casas, ou, pelo menos, muito raro. Não mais. Enquanto os membros de famílias reformadas têm cada vez mais contato com aqueles que pertencem a várias famílias anabatistas ou se juntaram a uma igreja batista, isso acontece com mais frequência.

Motivos

E por que isso? Às vezes, começa com uma pessoa insatisfeita com a igreja reformada da qual ela é membro. Talvez ela não esteja feliz com a liturgia e gostaria de cantar canções diferentes, ouvir sermões mais práticos, experimentar um ambiente de adoração menos formal. Ou pode ter algo a ver com um namorado ou uma namorada que é membro de igreja dessa linha histórica e que quer que o namorado ou namorada mude e se junte a ele ou ela. Pode até ter algo a ver com outras questões ou com o fato de não se sentir mais em casa na igreja em que foi criado.

Fundamentação

Em qualquer caso, qualquer que seja a razão, ele agora tem a convicção de que Deus o chama para ser batizado novamente. Frequentemente ele dirá a seus pais e outros: “Mas a Bíblia ensina que temos que tomar uma decisão por Deus e que depois de tomarmos essa decisão, precisamos ser batizados. Cristo não diz em Marcos 16.16: ‘Quem crer e for batizado será salvo’? Isso não prova que a crença vem em primeiro lugar e que o batismo vem logo depois? Então, realmente, o fato de eu ser batizado como bebê não importa. Então, eu não pude crer e não cri e não deveria ter sido batizado. Tudo o que você deveria ter feito por mim é me dedicar e depois esperado para ver o que aconteceria comigo. Uma vez que eu tivesse idade suficiente e realmente acreditasse, então você deveria ter me dito para ser batizado.

Reação

Agora, ser informado disso como um pai de persuasão reformada é uma coisa difícil. Sem dúvida, a primeira reação é de choque. Depois disso, segue uma profunda decepção. E, em seguida, muitas vezes há raiva e frustração.

Claro, eu entendo que nem todos os que se consideram reformados reagem dessa maneira. Alguns deles, que têm as assim chamadas “simpatias evangélicas,” levariam tudo numa maneira mais tranquila. No entanto, mesmo entre eles, muitas vezes haverá esse sentimento real de mágoa. Afinal, se juntos como marido e mulher vocês decidiram criar seus filhos de uma certa maneira, uma maneira que vocês consideraram bíblica e melhor, é difícil de ser dito por um de seus próprios filhos, direta ou indiretamente, que vocês entenderam tudo errado.

Mas há mais. Porque depois do anúncio, muitas vezes vem o convite. O filho ou a filha quer que seus pais estejam presentes em seu rebatismo, e os convida a ir à cerimônia e testemunhá-la.

O que fazer? Alguns pais vão, muitas vezes, com dor na alma. Outros simplesmente não conseguem participar, sabendo muito bem que, ao fazê-lo, correm o risco de estranhamento. E, além disso, muitas vezes há mais crianças na família, e elas estão assistindo, observando para ver o que mamãe e papai farão.

Em suma, então, muitas vezes há muita mágoa aqui. Mágoa por parte dos pais. Mágoa por parte do filho ou filha que decidiu dar esse passo. Bem como mágoa por parte de irmãos, avós, outros membros da família e amigos. Não há maneira fácil de lidar com isso. É preciso muita oração e sabedoria de cima.

E, devo acrescentar, é preciso muita caridade também. Os pais magoados podem facilmente atacar, dizer e fazer coisas das quais se arrependerão mais tarde. Afinal, um filho que decide seguir esse caminho ainda é um filho. Além disso, é insensato terminar o relacionamento quando você nunca sabe o que o tempo, a oração, o amor e o Senhor farão no futuro. Os pais afetados precisam prosseguir com cuidado.

Ao mesmo tempo, os membros da igreja precisam fazer o mesmo. Não seja rápido demais para expressar sua opinião a esses pais. Não se apresse a julgamento. Especialmente se você nunca teve que lidar com esse tipo de situação, tenha cuidado e tente mostrar empatia às pessoas afetadas.

Reflexão

Ainda assim, sempre que algo assim acontece, é preciso acontecer mais do que reação. Também precisa haver reflexão. Em particular, é necessário refletir sobre a natureza do sacramento do santo batismo.

Por que temos nossos filhos batizados? Isso é uma mera questão de tradição? Isso é devido a algum tipo de consenso da comunidade? Esta é uma maneira de dispensar graça cedo e especial?

Por todas essas razões, e mais, diríamos, “Não! Batizamos nossos filhos porque esse é o mandamento de Deus, porque essa é a maneira histórica, pactual e redentora em que Deus lida com o seu povo.

E ao dizer isso, temos forte apoio bíblico. Veja o que a Bíblia ensina. Ensina que desde o começo do tempo, Deus tem estado ocupado chamando a Si mesmo um povo, uma igreja. Mais tarde, o apóstolo Paulo fala sobre isso em Efésios 4.4-6 e enfatiza que “há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.” Deus é um. Seu trabalho é um. Seu povo é um.

Então, como esse Deus se aproxima de seu povo? Ele vem a Abraão, o pai de todos os crentes, e diz: “Você pertence a mim, mas seus filhos terão que esperar. Eles precisam fazer uma escolha para mim antes de eu aceitá-los e abraçá-los”? Não, em vez disso, o soberano Deus vem a Abrão e diz: “Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência” (Gênesis 17.7).

Depois disso, Deus acrescenta: “Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós. O que tem oito dias será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações…” (Gênesis 17.11-12).

Tréplica

Então, o que isso nos diz? Diz-nos primeiro que Deus é o Deus da aliança, que Ele entra em um relacionamento vivo, obrigatório e eterno com seu povo. Em segundo lugar, Diz-nos que Deus é soberano. Nós, seres humanos, não iniciamos este relacionamento. Não, vem de Deus. Isso vem de Deus para nós. Terceiro, é-nos dito aqui também que esta relação pactual é marcada com um sinal: a circuncisão no Antigo Testamento e o batismo no Novo Testamento (veja Colossenses 2.11-12). Finalmente, é-nos dito que este sinal deve ser dado aos crentes e a sua semente (Atos 2.39). Não é apenas um caso a que somente os adultos confessantes pertence. Não, todos os crentes e seus descendentes pertencem a Ele também.

Deus reivindica todos eles. Ele reivindica os adultos e reivindica seus filhos. E, para que não nos esqueçamos, Ele também reivindica seus filhos que morrem na infância, assim como aqueles que estão mentalmente incapacitados, dementes ou em coma1. Sua reivindicação soberana é sobre todos eles.

Quão bem os autores do Catecismo de Heidelberg entenderam isso também e declararam que “as crianças, assim como os adultos, pertencem à aliança e à igreja de Deus” (DS 27, Pergunta e Resposta 74)2. A Confissão Belga diz quase a mesma coisa quando declara no Artigo 34: “De fato, Cristo derramou o Seu sangue para purificar os filhos dos crentes do mesmo modo que o derramou pelos adultos.” Vemos no Antigo Testamento que os filhos dos crentes foram reivindicados por Deus e pertenciam a Deus. Ele até chama as criancinhas dos israelitas de “meus filhos” (Ezequiel 16.21). Todos eles têm status e posição com ele.

Mas eles ainda têm esta posição, ou a perderam? Quando chegamos ao Novo Testamento, os filhos dos crentes de repente se afastam e recebem um conjunto diferente de regras para crer e viver? Deus dá um passo para trás e diz que a partir de agora temos que reivindicá-lo primeiro ou que suas mãos estão amarradas até o momento em que o reivindicamos?

E isso é importante. De acordo com a opinião daqueles que são de convicção batista, o sacramento do batismo é em primeiro lugar sobre nós, sobre a nossa fé ou sobre a nossa profissão de fé. Errado! O sacramento é primeiramente sobre Deus, sobre seus direitos, suas prerrogativas e suas promessas. Neste sacramento, Deus está vindo para nós e colocando seu selo de propriedade sobre nós.

Sim, e é também esse fato que dá segurança e estabilidade aos nossos corações e vidas. Felizmente, a fé cristã não é em primeiro lugar sobre nossas escolhas, nossos sentimentos, nossas experiências ou nossos desejos. Todas essas ações e reações têm seus bons e maus momentos. Quão frágeis e vulneráveis nós somos. Quão patética uma fundação que fazemos. Por outro lado, quão

grande e firme é o alicerce que Ele faz. Que certeza e fidelidade maravilhosas existem nas promessas da aliança de Deus.

Resolução

Com certeza, a compreensão de tudo isso também deve nos encher com a determinação de não repetir ou refazer nosso batismo, mas trabalhar mais com ele e lembrar nossos filhos de trabalharem mais com o batismo deles também. Ao contrário do que outros podem dizer, a verdadeira posição bíblica e reformada é que os filhos de Deus precisam trabalhar com o batismo todos os dias. Não é um ingresso para a glória. Não é um passaporte para o céu. Não é um portão para o credo fácil. É um chamado à fé, à esperança, ao amor e a uma nova obediência (veja a Forma Para Administrar o Batismo aos Filhos dos Crentes das Igrejas Reformadas do Brasil3 ).

Permitam-me concluir com mais algumas palavras da Confissão Belga: “Cremos, contudo, que aquele que almeja a vida eterna deve ser batizado uma vez com um só batismo4. O batismo nunca deve ser repetido, pois não podemos nascer duas vezes. Além disso, o batismo não nos beneficia apenas quando a água está em nós e quando o recebemos, mas por toda a nossa vida” (Artigo 34).

Leve seu batismo a sério; tome suas promessas e as abrace; atenda às suas exigências e se esforce para encontrá-las com a ajuda de Deus. Não duvide ou rejeite. Viva isso!

1. Na seção da forma, “As Obrigações da Aliança,” lemos:

“Todas as alianças têm duas partes, uma promessa e uma obrigação. Falando das obrigações da aliança, Deus nos chama e obriga no batismo a uma nova obediência. Isto quer dizer que devemos nos unir a este único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Devemos confiar nEle e amá-lo de todo o nosso coração, de toda nossa alma, de todo o nosso entendimento e de toda nossa força. Devemos romper com o mundo, crucificar a nossa velha natureza e levar uma vida piedosa. Se, às vezes, por fraqueza cairmos em pecado, não devemos desesperar da misericórdia de Deus nem continuar em pecado. Isto porque o batismo é um selo e testemunho indubitável de que temos uma aliança com Deus.”

Nota:

1 Os Cânones de Dort traz uma palavra consoladora aos pais que perdem seus filhos pequenos (Capítulo 1, Artigo 17 – Os filhos de crentes que morrem na infância):

“Devemos julgar a respeito da vontade de Deus com base na sua Palavra, que declara que os filhos dos crentes são santos, não por natureza, mas em virtude da aliança de graça, na qual estão incluídos com os seus pais. Portanto, pais tementes a Deus não devem duvidar da eleição e da salvação de qualquer de seus filhos, que Deus chama desta vida ainda na infância”.

2 O texto completo do Catecismo de Heidelberg e da Confissão Belga podem ser encontrados em http://igrejasreformadasdobrasil.org/doutrina.

3 http://igrejasreformadasdobrasil.org/culto/forma-para-administrar-o-santo-batismo-aos-filhos-de-crentes.

4 Essa declaração mesma expressão e doutrina está na terceira divisão do Credo Niceno: “Confessamos um só batismo para remissão dos pecados”.

A Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XXVIII, seção 7, diz: “O sacramento do batismo deve ser administrado uma só vez a uma mesma pessoa”.


Tradução: Jim Witteveen.

Revisão: Iraldo Luna.

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