É compreensível que a doutrina do pecado original não seja tão popular. Nessa doutrina, a igreja confessou que todas as pessoas que vivem na terra são pecaminosas desde a sua existência. Para dar um exemplo do nosso próprio contexto teológico, o Catecismo de Heidelberg nos ensina sobre isso. A pergunta no Dia do Senhor 3, faz referência à origem da natureza depravada que pertence a todos.1 A resposta é clara: a queda e a desobediência de nossos primeiros pais, Adão e Eva no paraíso, tornou a nossa natureza tão corrupta que todos são concebidos e nascidos em pecado. Isso também é mencionado como base para o batismo infantil em nossa Forma Litúrgica para o Batismo dos Filhos dos Crentes.2 Ensina-nos que, nós e nossas crianças, somos concebidos e nascidos no pecado. Aqui você tem o pecado original. E o contexto permanece, explicando o resultado: somos por natureza filhos da ira, e não podemos entrar no reino de Deus, a não ser que sejamos regenerados.
Ao longo dos séculos, não foram poucos os adversários deste ensino. Recentemente, uma líder teóloga feminista na Alemanha, Elisabeth Moltmann Wendel, se levantou em oposição a ele3. A linguagem do pecado original é “alemã legalista”. Segundo ela, esta é uma razão pela qual as pessoas não vão à igreja: “Se somos sempre bombardeadas com essas ideias, que são rejeitadas pela maioria das pessoas, então, muitas pessoas não vão à igreja”. Seu feminismo mostra em sua observação que a ideia do pecado original é uma “discriminação do corpo das mães e das mulheres em geral”.
Não é surpreendente que os ataques sejam lançados contra a doutrina do pecado original. As objeções foram levantadas há muito tempo: na época de Agostinho, no período da Reforma do século XVI, e continua hoje. É uma doutrina que não é aceita facilmente; pois provoca a nossa raiva, e nos sentimos muito desconfortáveis. É bem verdade que a maioria das pessoas sinta uma resistência interna para admitir que, elas e suas crianças, são essencialmente pecadoras desde o início. Contudo, essa oposição interna deve nos deixar desconfiados. Estamos tentando incluir algo? Somos, em geral, muito bons em ignorar o que não queremos ouvir. Essa doutrina não pode ser removida com base em uma reação alérgica a “questões legais”.
O pecado original discrimina a mãe?
É surpreendente ouvir alguém afirmar que a doutrina do pecado original é uma discriminação às mães, e por implicação, a todas as mulheres. A questão geral é, se as crianças ficam contaminadas com o pecado original por seu pai ou por sua mãe, até onde eu sei, isso não foi estabelecido. Na verdade, antes que essa pergunta possa ser respondida, outra questão precisa ser resolvida primeiro: Como as crianças se contaminam com esse pecado? O pecado original é herdado?
Essa questão foi discutida extensivamente através de muitos séculos na Teologia. Há, em geral, duas teorias sobre como o pecado original é transmitido. A primeira, é que o pecado original é, de alguma maneira, herdado pelas crianças. Assim como as crianças herdam características físicas de seus pais, elas também herdam o pecado original deles. Observe o fato de que isso é atribuído aos pais. Isso não se limita à mãe, como se ela fosse a única manchada no pecado. Na verdade, a Bíblia dá mais destaque a Adão. Em 1 Coríntios 15.22, Paulo escreveu que, em Adão, todos morreram. Aqui, a importante posição de Adão é enfatizada como o motivo pelo qual todos nós devemos sujeitar-nos a punição da morte.
Da mesma forma, a Bíblia não encobre Eva. Ela afirma claramente que Eva foi a primeira a comer do fruto proibido. Ela começou a questionar se a Palavra de Deus era realmente verdadeira, e foi a primeira a cometer o pecado. Paulo menciona em 1 Timóteo 2.14: “E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”. A Bíblia responsabiliza (se quisermos usar esta palavra) ambos, Adão e Eva em um único lugar; responsabilidade, pelo primeiro pecado e suas consequências.
O movimento contemporâneo feminista é atraído para a discussão sem nenhuma boa razão. O pecado original, propriamente dito, não tem nada a ver com a depreciação do corpo feminino. Em minha opinião, o problema é uma recusa para aceitar o fato de que somos concebidos e nascidos em pecado. A teóloga Elisabeth Moltmann considera essa ideia difícil de aceitar. O feminismo não é, para ela, mais do que uma ferramenta usada na tentativa de remover a doutrina do pecado original.
O pecado original é uma realidade
A verdade do pecado original é confirmada pela Bíblia. Uma rápida pesquisa em alguns textos confirmará isso. O início do pecado é apresentado em Gênesis 3. Eva pecou comendo o fruto proibido. Mas isso nos leva diretamente a envolver outros no pecado: ela convenceu Adão a comer também. Imediatamente, seus pecados continuam, e quando Deus vem questioná-los eles não respondem de maneira direta, mas usam suas palavras para “enganar” a Deus.
O fim do primeiro mundo, antes do dilúvio, vem quando Deus olha para a terra, e considera que a inclinação dos pensamentos dos corações das pessoas era apenas para o mal o tempo todo (Gn 6.5). Noé era diferente, Deus o salvou e também a sua família. Mas, mesmo após o dilúvio, o pecado continuou a existir (Gn 9.20). Isso não é apenas um exemplo de que Deus havia observado (Gn 8.21). Davi, em um dos seus salmos, reconheceu que nascemos em pecado: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.” (Sl 51.5).
Isso continua no Novo Testamento. O apóstolo Paulo escreveu uma passagem muito impressionante sobre isso em sua carta aos Romanos. A passagem de Romanos 5.12-19 é importante, mas apenas a frase mais relevante precisa ser mencionada: “Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”. No pecado de Adão todos nós tornamo-nos pecadores. Podemos ter uma discussão aprofundada sobre o quê e como, mas o fato que não pode ser questionado é: todos nós nascemos pecadores!
As pessoas que não acreditam nisso ficarão constantemente desapontadas com os seus companheiros. Confiam neles, mas são frequentemente enganadas. As pessoas que pensam viver em um mundo ideal certamente estarão em um doloroso despertar. A mensagem cristã não é exatamente agradável. Todos nós gostaríamos de fazer objeção a essa visão negativa, argumentando como a Dra. Elisabeth Moltmann o faz. A rejeição do pecado original é mais uma variante da antiga recusa da nossa pecaminosidade, somente a rejeição da maneira feminista é moderna. Mas isso não muda a realidade. É melhor abordar o mundo e as pessoas com realismo bem fundamentado. Ensina-nos a ver o mundo como é, e a colocar a nossa esperança somente em Deus.
Pode ser que todas as pessoas sintam uma resistência interna, para admitir que elas e seus filhos sejam, basicamente, pecadores desde o início.
O pecado original como tal não tem nada a ver com a depreciação do corpo feminino.
É melhor abordar o mundo e suas pessoas com realismo bem fundamentado. Ensina-nos a ver o mundo como é, e a colocar nossa esperança em Deus.
Notas de rodapé:
1 Para conhecer o Catecismo de Heidelberg, visite: http://www.igrejasreformadasdobrasil.org/doutrina/catecismo-de-heidelberg. [N. do E.]
2 Para conhecer a Forma Litúrgica para o Batismo dos Filhos dos Crentes, visite: http://www.igrejasreformadasdobrasil.org/culto/forma-para-administrar-o-santo-batismo-aos-filhos-de-crentes. [N. do E.]
3 Li sobre isso em uma carta com informação no Confessional Movement in Germany (Bekenntnisbewegung “Kein anderes Evangelium”) em Junho de 2003.
Artigo publicado originalmente na Clarion Magazine, 2003.
Tradução: Alaíde Monteiro.
Revisão: Ester Santos.
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