O mérito de ter pouco

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Às vezes as pessoas pensam que o evangelho promove a posse de bens privados e que qualquer ideia de propriedade do Estado deve ser descartada de imediato. Historicamente, é confirmado que a filosofia da propriedade estatal está ligada ao ateísmo. Contudo, isso não sugere que a filosofia da propriedade privada esteja fundamentada no evangelho. Embora a Bíblia possibilita a propriedade dignamente, ela não profere um discurso de qualquer possessão, como um direito relevante. Na verdade, a mensagem de Paulo à Timóteo tem um aroma completamente diferente. Isso nos leva de volta ao básico e nos diz para nos contentarmos com a comida, roupa e abrigo.

Paulo dá essa ordem no contexto de uma advertência contra a cobiça, a avareza e o desejo de ser rico. Aquele que deseja riquezas ou vive na cobiça nunca terá o suficiente. Seu desejo se torna insaciável. Como Salomão diz:

“O cobiçoso cobiça todo o dia, mas o justo dá e nada retém.” Pv 21.26

Em oposição a essa atitude insaciável, o apóstolo ordena aos obreiros do evangelho a contentar-se com pouco.  Este não é um contentamento místico ou quietista baseado na própria força do homem. Não é um princípio de auto-suficiência estóica pelo qual alguém se torna absolutamente indiferente às coisas ao seu redor. Paulo não nutre ressentimento contra bens e posses como tais. Ele também não defende a independência completa e total indiferença a uma situação. Em vez disso, ele procura colocar todas as coisas a serviço do evangelho. E o trabalhador do evangelho deve se contentar com o que ele precisa para continuar sua tarefa e cumprir as exigências de seu ofício. Esta é também a advertência que Paulo dá aos presbíteros e diáconos mais cedo em sua carta (1 Tm 3. 3, 8). Aqui Paulo toca em um tema que remonta aos pais da fé. Abraão era rico em gado, bens e posses, mas permaneceu um estranho e peregrino na terra. Ele passou a vida morando em tendas, ansioso pela cidade, que tem fundamentos, cujo arquiteto e edificador é Deus (Hb 11.10). Jacó parte para Harã com apenas um cajado na mão e faz um voto a Deus:

“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista,” Gn 28.20

Ele estava preocupado com as necessidades básicas e nada mais.

Nos dias em que Jesus viveu na terra, Ele andou na mesma fé.  Ele advertiu aqueles que eram prósperos e que pretendiam segui-lo:

“Mas Jesus lhe respondeu: As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” Mt 8.20

Na advertência contra o serviço a mamon, Jesus também prioriza unicamente duas necessidades básicas da vida, comida e vestuário:

“Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes?” Mt 6.25

O ministério terreno do Senhor Jesus é caracterizado por delimitar às necessidades básicas, (compare Lc 8.3). Então Paulo diz sobre ele:

“pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos.” 2 Co 8.9

Para os apóstolos, a vida era necessariamente a mesma. Pedro morava com Simão, curtidor, e Paulo morava na casa de Áquila e Priscila, (At 18.3). Um aspecto importante de suas necessidades básicas, era ter um refúgio seguro, mas mesmo aqui, os apóstolos exprimiam contentamento com o mínimo básico, vivendo como hóspedes em vez de proprietários de terra. Paulo pede apenas aquilo que ele precisa para fazer o seu trabalho. Em todas as coisas ele aprendeu a se contentar (Fp 4.11), ele se orgulha não de sua própria força ou liberdade humana, mas na graça de Deus, como Deus lhe disse:

“A minha graça te basta”. 2 Co 12.9

A posse da propriedade não é implicitamente baseada no evangelho. Se Deus conceder essas dádivas, elas poderão ser recebidas com ações de graças. Contudo, o que se aplica ao trabalhador do evangelho também se aplica a toda a igreja. Um cristão deve estar preparado para perder tudo e para ganhar tudo. Pois com tudo o que temos, somos simplesmente mordomos dos dons de Deus. Portanto, somos instruídos por Deus a usar o que Ele nos dá para o Seu reino, colocando tudo a serviço do Seu Nome.

Hoje somos chamados a imitar a fé dos pais da igreja. Por outro lado, as tentações são tão grandes hoje como eram em seus dias, se não maiores. O verdadeiro contentamento exigido pelo evangelho exige que estejamos satisfeitos com as necessidades básicas: as coisas que precisamos para levar adiante nosso trabalho no evangelho e nosso ofício na igreja de Deus. Para essas necessidades, podemos sempre contar com a ajuda
de Deus.

Aqueles que vivem na Palavra não devem depositar sua esperança ou gastar todos os seus esforços na aquisição de propriedade ou posses mundanas. Na verdade, eles devem estar atentos aos perigos e tentações. Para nós, o evangelho e o chamado de Deus deve prevalecer sobre a necessidade ou desejo de propriedade e bens. Obedecer é melhor do que ter! Deste modo: limite- se ao básico! Desta forma, podemos felizmente colocar todos os nossos dons diante do Seu trono.


Tradução: Alaíde Monteiro.

Revisão: Ester Santos.

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