Devemos nos envolver politicamente?

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mulher com as duas mãos em cima da bíblia

Devemos nos envolver politicamente? A resposta curta para essa pergunta é sim, devemos nos envolver politicamente. Mas primeiro, o que é envolvimento político? Vamos entendê-lo como qualquer atividade pela qual procuremos influenciar o cenário político atual e a direção de nossa cidade, província ou país.

Também em questões como esta, a Bíblia dá direção. A primeira passagem que podemos considerar é encontrada no livro de Jeremias.

A carta de Jeremias

Jeremias foi um profeta que ministrou ao povo de Deus antes e durante a primeira parte do exílio babilônico. Aqueles exilados por seus pecados receberam a promessa de que eles ou seus descendentes acabariam retornando à Terra Prometida (Jeremias 32). Mas enquanto isso, o que deveriam fazer em um país estrangeiro com uma cultura estranha à eles? Eles estavam em uma terra cujos exércitos destruíram seu país e destruiriam sua cidade santa de Jerusalém. Em suma, esses exilados devem ter se sentido deslocados quando se estabeleceram na Babilônia.

Agora, como deveria ser a atitude deles em relação ao novo ambiente? Jeremias enviou-lhes uma carta com instruções muito específicas. Lemos nessa carta, conforme registrado em Jeremias 29:5-7:

Edificai casas e habitai-as; e plantai jardins, e comei o seu fruto.

Tomai mulheres e gerai filhos e filhas, e tomai mulheres para vossos filhos, e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; e multiplicai-vos ali, e não vos diminuais.

E procurai a paz da cidade, para onde vos fiz transportar em cativeiro, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz.

Em outras palavras, eles foram instruídos a participar da cultura e negócios de sua nova morada. Isso incluía buscar a paz e a prosperidade da cidade em que viviam. O termo usado para a paz é shalom, um termo muito abrangente, abrangendo toda a vida. Também pode ser traduzido como “bem-estar” – “buscar o bem-estar da cidade” (NASB). Este conselho aos exilados é sem paralelo no Antigo Testamento e na literatura da antiguidade. Eles deveriam buscar o bem-estar de seus captores e orar por eles. Eles deveriam trabalhar pelo bem do país e da sociedade daqueles que um dia destruiriam Jerusalém. Buscar seu bem-estar significaria se envolver, cultural e politicamente. Eles deveriam dar seus melhores esforços para isso. E eles tinham algo para dar. A herança da sabedoria divina nas Escrituras que eles haviam recebido era algo a ser compartilhado. De fato, Deus já não havia dito a Abraão já que seus descendentes seriam uma bênção para as nações (Gênesis 12: 2-3)? Israel não seria uma luz para todos os povos da terra? (cf., por exemplo, Isaías 42: 6, Deuteronômio 4: 6, Salmo 67).

Ao mesmo tempo, eles precisavam ter consciência de que acabariam retornando. Pois Jeremias também disse: “Porque assim diz o SENHOR: Certamente que passados setenta anos em babilônia, vos visitarei, e cumprirei sobre vós a minha boa palavra, tornando a trazer-vos a este lugar.“, isto é, Jerusalém (Jeremias 29:10). Em outras palavras, a permanência deles na Babilônia acabou sendo temporária. Eles tinham que manter isso em mente.

Agora precisamos dar um passo atrás e considerar os princípios envolvidos nesta parte das Escrituras. Há alguns pontos relevantes para nossa situação hoje. Como crentes, somos de certa forma como os exilados judeus que viviam na Babilônia. Nós também não somos deste mundo, apesar de vivermos nele. Também sabemos que nossa estada aqui é temporária e também estamos ansiosos pela terra prometida do novo mundo que está chegando. E assim, em certo nível, este mundo é um lugar hostil para nós, um lugar temporário, e alguns diriam: vamos evitá-lo e nos separar! Vamos nos concentrar em nossa própria comunidade e cuidar de nossas próprias necessidades. Eles são abundantes o suficiente. Esqueça a sociedade sem Deus que nos rodeia. Essa é uma resposta que poderia ser esperada dos exilados babilônicos. No entanto, Deus disse o contrário. Seus filhos têm uma obrigação para com a sociedade em que vivem, mesmo que essa sociedade seja hostil à sua fé e valores. Essa obrigação em relação à sociedade também envolve a esfera política. Afinal, como os exilados judeus, nós também temos instruções explícitas para orar por aqueles que têm autoridade sobre nós. Como lemos em 1 Timóteo 2:1-2:

Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; Pelos reis, e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade;“.

Como podemos orar por aqueles que têm autoridade sobre nós, se não fizermos o que pudermos para testemunhar sobre as normas de Deus para nossa sociedade e nação? Aqueles em autoridade sobre nós não são nossos adversários, mas aqueles a quem devemos respeito e obediência. Eles foram colocados lá pelo próprio Deus (Romanos 13: 1-5). Devemos, portanto, ajudá-los de todas as maneiras possíveis e nos envolver no processo político. Se nós como cristãos e de confissão reformada não ajudarmos nossos representantes de qualquer nível para que vejam uma perspectiva cristã sobre as questões do dia, quem será? Nós devemos isso a eles.

Ao mesmo tempo, precisamos ser realistas. Somos afinal estranhos aqui e nossa estada é limitada. Não podemos esperar ver resultados imediatos e, de fato, podemos nem ver resultados. Para que uma verdadeira mudança positiva ocorra em um nível político, a cultura e a mentalidade de uma nação precisam passar por essa mudança.

Daniel

E, no entanto, você nunca sabe como o Senhor pode nos usar. Será que Daniel alguma vez pensou, enquanto crescia em Jerusalém, que um dia ele teria influência na Babilônia!? Vamos apenas parar por um momento e considerar como Daniel exerceu seu chamado político como um crente.

Pense por um momento em como Daniel se levantou e disse isso ao mais poderoso governante do mundo naquela época. “Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniqüidades, usando de misericórdia com os pobres, pois, talvez se prolongue a tua tranqüilidade.” (Daniel 4:27). Daniel é educado. “aceita o meu conselho.” Ele está, depois, falando com Nabucodonosor em cuja mão está a vida de cada um de seus súditos. Mas ele também é firme e dá direção. “põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniqüidades, usando de misericórdia com os pobres.” De fato, Deus acabara de revelar a Nabucodonosor por meio de um sonho que o rei seria expulso de seu palácio para viver com os animais selvagens até que ele reconhecesse que Deus é rei! Daniel está a ponto de conclamar o rei a se arrepender e fazer o que é certo.

Agora, em nosso atual contexto multicultural e politicamente correto, isso não é exatamente o que você esperaria. Então Daniel teria defendido apologeticamente a sua fé pessoal e basicamente teria dito ao monarca que fizesse o que seus conselheiros pagãos lhe dissessem para fazer. Afinal, ele, Daniel, não deveria impor sua moral aos outros! Mas não, Daniel falou a verdade, educadamente, mas no ponto. Precisamos fazer o mesmo onde quer que Deus nos tenha colocado e sempre que ele nos der a oportunidade. E nós temos muitas oportunidades em uma democracia. Como cristãos, representamos os interesses de Deus e, assim, nossos líderes podem esperar receber contribuições de nós!

Ensinamento do Novo Testamento

Vamos para o Novo Testamento. Dois exemplos vêm à mente. João Batista havia confrontado Herodes, o tetrarca, sobre o pecado de seu casamento com a esposa de seu irmão Filipe (Mateus 14: 3-4). Mas ele também disse mais. Lemos em Lucas 3:19 que ele também o advertiu sobre “todas as maldades que Herodes tinha feito“. Ele visou as políticas do governo de Herodes e apontou o mal que ele estava fazendo. Custou a João o Batista a sua liberdade e depois a sua vida, mas ele sabia das suas responsabilidades perante Herodes, e também das suas responsabilidades políticas.

De maneira semelhante, o apóstolo Paulo confrontou o governador romano Félix enquanto ele era prisioneiro em Cesaréia. Atos 24:25 nos diz que ele falou com Félix sobre “da justiça, e da temperança, e do juízo vindouro“. Pode-se ter certeza de que também lidou com os padrões morais do dia e, portanto, com a política do governo.

Bem, alguém poderia dizer: Eu não sou João Batista, ou Paulo, o Apóstolo! Eu sou apenas um simples crente. No entanto, os exemplos dados mostram que o evangelho é relevante para os oficiais do governo. Precisamos, portanto, refletir sobre o que nosso Salvador disse no Sermão da Montanha. Isso é também relevante para o envolvimento político. Em seu Sermão da Montanha, o Senhor Jesus disse:

Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens

Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. (Mateus 5: 13-16)

O Senhor Jesus usou duas imagens. A primeira é o sal. O sal impede ou diminui o apodrecimento. Os cristãos, vivendo sua fé, combatem o apodrecimento moral e espiritual da sociedade em que vivem. A figura é grandiosa. “Sal da terra!” Não sal de nossa casa ou igreja, mas da terra! Em outras palavras, nada deve ser deixado de fora da influência dos cristãos! Também a sociedade, a cultura e a política precisam sentir o efeito do testemunho cristão. Onde quer que este testemunho seja experimentado, há resistência contra a decadência moral desta era e ele pode, em última análise, ter consequências políticas. Se os cristãos não vivem sua fé na plenitude da vida, nossas palavras significam pouco e nosso testemunho será comprometido.

A outra imagem que Cristo usou é a luz. A luz é usada nas Escrituras para muitas coisas positivas, como justiça e verdade, que os cristãos devem incorporar (Efésios 5: 8-9). Mais uma vez a imagem é grandiosa e abrangente. “Você é a luz do mundo!” Tudo precisa ser iluminado pelo evangelho e pelos princípios cristãos, incluindo o freqüentemente sórdido mundo da política. É impensável deixar a luz ser escondida sob um alqueire. A luz está destinada a brilhar! O impacto positivo deve ser tal que “os homens possam ver suas boas ações e louvar seu Pai no céu“.

Junto a isso há uma consideração adicional. A Bíblia é relevante para hoje. Mostra o caminho para tudo na vida. Cristãos que se envolvem no processo político de maneira responsável podem lançar a luz do evangelho nas questões do momento e isso é bom para a nação. Afinal, os princípios e soluções bíblicas funcionam! A Palavra de Deus é lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (Salmos 119:105). Mas essa verdade também é relevante para a nação. Quanto mais nós, como nação, estivermos em sintonia com os desejos de Deus, mais abençoados seremos como povo. “A justiça exalta os povos, mas o pecado é a vergonha das nações.” (Provérbios 14:34).

Existem áreas éticas claras onde nossa voz é necessária no discurso político. Penso no mal do aborto, na redefinição do casamento, no colapso da unidade familiar, na idolatria dos direitos humanos. Uma voz cristã forte continua a ser necessária para lembrar à nação das bênçãos de proteger os nascituros, de manter a ordenança de criação do casamento, de promover a unidade familiar e de equilibrar direitos e responsabilidades. Mas há muitas outras áreas que precisam da nossa atenção.

Mais do que nunca, nos deparamos com desafios que exigem uma resposta bíblica para soluções verdadeiras. Isso exige nosso envolvimento.

O desafio e o consolo

Mas, pode-se dizer, parece impossível! E com o salmista pode-se dizer: “Se forem destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Salmo 11: 3). A implicação é: nada! Se um edifício está em terreno instável, como a nossa sociedade parece estar no momento, o que pode ser feito sobre isso? Nada, muitos dizem. No entanto, Davi, neste salmo em particular, se recusa a fugir do problema e evita a dura realidade. Numa simples fé infantil, ele continua a nos lembrar que “O Senhor está no seu santo templo, o trono do Senhor está nos céus; os seus olhos estão atentos, e as suas pálpebras provam os filhos dos homens.” (Salmos 11: 4). O trono de Deus pode ser altamente exaltado, mas ele sabe o que está acontecendo neste mundo. Ele vê o que as pessoas estão fazendo!

Agora Davi é realista, como também temos que ser. Ele sabe que você não pode sempre mudar uma situação ruim. Mas ele se conforta com o pensamento de que Deus está no controle e que há um dia de julgamento chegando. Ele diz: “Sobre os ímpios fará chover laços, fogo, enxofre e vento tempestuoso; isto será a porção do seu copo.
Porque o Senhor é justo, e ama a justiça; o seu rosto olha para os retos.” (Salmo 11: 6-7). Enquanto isso, ele fará o que puder e não fugirá dos problemas do momento.

Estamos mais adiante no plano de Deus para este mundo do que Davi estava. Podemos conhecer a confissão de que “Jesus é o Senhor” (1 Coríntios 12:3). Bem, se ele é o Senhor do céu e da terra, e ele é, e se todo o poder e autoridade foram dados a ele, e foram (Mateus 28:18), então tal confissão como “Jesus é o Senhor” é uma declaração política! Como cristão, tal confissão tem enormes consequências políticas. Nos dias dos apóstolos, a igreja cristã não era nada aos olhos do poderoso Império Romano. Mas o império temia a confissão cristã de “Jesus é o Senhor“, pois eles viram corretamente que se opunham à sua confissão de que César é o Senhor e o governante do mundo! E, portanto, os cristãos foram perseguidos por sua fé. Mas eles continuaram com sua confissão e simplesmente viveram suas vidas de uma maneira cristã com todas as conseqüências. E no final eles conquistaram o mundo! A fé cristã é relevante para a política.

Nós hoje também podemos ter a mesma rica confissão de que “Jesus é o Senhor“, mas é uma confissão que não podemos e não devemos guardar para nós mesmos. Afinal, o governo é um servo de Deus e, finalmente, todos os governos terão que prestar contas ao Rei dos reis e Senhor dos senhores sobre o que eles fizeram com a autoridade que Deus lhes deu. Nós, como filhos de Deus, devemos aos que têm autoridade o compartilhar com eles o que sabemos a respeito das exigências de Deus para nossa sociedade hoje. Como um dos nossos antepassados, Abraham Kuyper, nos ensinou: “Não há um metro quadrado de território em todo o universo sobre o qual Cristo não diga ‘este é meu’.” E, portanto, tudo o que fazemos tem que ser feito para a glória. de Deus. Como 1 Coríntios 10:31 nos diz:

Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus.

E à medida que procuramos cumprir nossas responsabilidades políticas para a glória de Deus, temos uma maravilhosa oportunidade de mostrar a maneira pela qual um país será verdadeiramente abençoado. Pois aplicar os princípios bíblicos aos problemas de hoje é bom para a sociedade! Não é nossa tarefa política tentar tornar o Canadá cristão. Mas é nossa tarefa mostrar aos que estão em autoridade o que o Senhor Jesus, a quem Deus Pai deu toda autoridade e poder, espera deles.

Assim, podemos trabalhar e laborar em fé e, portanto, na alegre compreensão do Cristo triunfante, nosso Messias. Mas o fazemos com sobriedade, percebendo que nem sempre conseguimos o que gostaríamos e percebendo que, em última análise, somos realmente estrangeiros neste mundo e esperamos ansiosos por um novo céu e uma nova terra.


Tradução: Letícia Cortês.

Revisão: Ester Santos.

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