Cristo, pecador como nós?

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“A Última Tentação de Cristo”

Existem muitos filmes que tratam de tópicos bíblicos. Eles retratam  tudo, desde o êxodo até os tempos dos apóstolos. Em 1927, Cecile B. De-Mille fez o clássico sobre a vida de Cristo. O filme foi chamado Rei dos Reis. Desde então os tópicos bíblicos, feitos por Hollywood, sofrem mudanças, que até mesmo chegam a ser controversas. Mas talvez nenhum filme sobre Cristo tenha criado tanta oposição furiosa quanto “A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, lançado pela Universal Pictures em agosto passado.

Já muito antes de este filme ser lançado para o público, havia um grande esforço em andamento para proibí-lo. O filme recebeu uma classificação “O” da Igreja Católica Romana, o que significa que é moralmente ofensivo. Os funcionários da Campus Crusade for Christ na Califórnia se ofereceram para comprar o filme por dez milhões de dólares, a fim de poder ter o direito de destruí-lo. Tudo isso e muito mais, não adiantou; O filme de Scorsese foi lançado um mês antes do previsto. A publicidade gerada pelas reações de pré-exibição serviu apenas para dar mais destaque a este filme sórdido.

A Última Tentação

Martin Scorsese é um conhecido diretor de Hollywood que fez filmes anteriores representando graficamente violência e sexualidade. Em resposta a toda a oposição ao seu último filme, ele enfatiza que este trabalho não é baseado na Bíblia. Portanto, ele argumenta, não se pode esperar que este filme esteja necessariamente de acordo com o relato bíblico. É apenas uma interpretação entre muitas outras.

O filme é baseado, então, em um livro do autor grego Nikos Kazantzakis, escrito em 1948. Aparentemente, esse filme, em contraste com muitos outros filmes baseados em livros, é bastante fiel ao livro, sem todos os tipos de enfeites cinematográficos adicionados para embelezar o original.¹

Kazantzakis, talvez mais conhecido como o autor de “Zorba, o grego”, outro livro que foi filmado durante sua vida, entrou em conflito com a Igreja Ortodoxa Grega por seus pontos de vista expressos no romance A Última Tentação de Cristo, e foi quase excomungado. Quando ele morreu, Kazantzakis não recebeu rituais funerários normais. O livro foi traduzido para o inglês em 1960, mas recebeu pouca atenção no mundo anglo-saxão. Somente agora, através deste filme, Kazantzakis recebe alguma atenção real na América do Norte.

É importante conhecer esse pano de fundo. O próprio Scorsese afirma: “É muito importante que as pessoas entendam que esse filme não se baseia nos Evangelhos… O filme é ficção, e o livro é ensinado em certos seminários católicos; não é evangelho.”² Por causa disso, Scorsese e outros defensores deste filme sentem que têm o direito de interpretar a história de (a morte de) Cristo à sua maneira.

Devemos sustentar, no entanto, que qualquer relato da vida de Cristo, nos livros, no filme, na fita ou na forma falada, deve concordar com a infalível Palavra de Deus e estar de acordo com a verdadeira confissão da fé cristã. Caso contrário, é de fato uma deturpação blasfema da verdade de Deus.

Ideias não novas

A controvérsia feroz em torno do filme de Scorsese, A Última Tentação de Cristo, é um tanto surpreendente. O que realmente incomoda a maioria das pessoas é que Cristo é descrito como um homem moralmente fraco e corrupto, que realmente não queria ser um “messias”, mas teria preferido levar uma vida “normal” como todo mundo. Em algum lugar, encontrei essa descrição: “Nas primeiras cenas, William Dafoe retrata Jesus como um fraco que admite ser um mentiroso, um hipócrita e um covarde. Ele é altamente relutante em servir como messias. Atormentado por vozes e visões, deseja que Deus encontrasse outra pessoa para o trabalho. Mas depois de sua vigília no deserto, ele surge como um demagogo de olhos arregalados – um líder revolucionário armado com a ira de Deus.”³

A “última tentação” supostamente ocorre enquanto Cristo está na cruz, envolvido em alucinação e fantasia em que Ele sonha que sai da cruz, casa-se com Maria Madalena, tem filhos através dela e atinge uma idade avançada. É a cena de sexo com Maria Madalena que é particularmente perturbadora para a maioria dos manifestantes, mas nossa preocupação deve ser muito mais profunda aqui.

Devemos observar que, tanto no livro de Kazantzakis quanto no filme de Scorsese, Cristo “supera” essa última tentação. Mas tudo serve para demonstrar um ponto principal: Cristo era tão fraco e pecador quanto nós. Se Cristo foi totalmente humano, somos informados de que Ele terá lutado e falhado da mesma maneira que todos nós. Por essa razão, Cristo pode se identificar completamente conosco. Scorcese diz: “A luta de Cristo é da mesma maneira que todos lutamos. Todos lutamos até o último suspiro. O último suspiro está entre nós e Deus.”4

A ideia de um Cristo indeciso, fraco e pecador não é nova. No início dos anos 70, foi feito um filme dinamarquês sobre a vida sexual de Jesus Cristo. Houve uma curta onda de protestos. Depois veio a ópera Rock Jesus Cristo Superstar, de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber, que retratou Cristo como um idiota louco e desastrado que foi além do limite ao afirmar que Ele era Deus e causou sua própria ruína. Aqui também foi sugerida uma relação sexual entre Maria Madalena e o Senhor. O mesmo acontece agora, dez anos depois.

Em 1977, foi lançado um filme sob o título Jesus de Nazaré, dirigido por outro italiano, Franco Zefirelli. Este filme também “interpreta” o relato da vida de Cristo, indo diretamente contra os Evangelhos. Embora este filme não vá na direção flagrantemente sexual de “A Última Tentação” de Scorsese, estabelece um precedente na medida em que promove uma interpretação não-bíblica do evangelho.5

O que temos aqui não é novo. Já vimos tudo isso antes: o retrato de Cristo como um pecador inseguro, a escolha de Judas como uma vítima bem-intencionada e enganada, e a representação de Maria Madalena como uma prostituta dura. Tudo isso é totalmente contrário à infalível Palavra de Deus, que é a nossa única norma.

O primeiro erro não foi cometido no estúdio de cinema, mas nos estudos dos teólogos. Não devemos primeiro culpar o cinema, mas buscar a causa na falsa igreja. Quando os teólogos negaram ou subestimaram a divindade de Cristo e atribuíram a Ele uma natureza humana potencialmente pecaminosa, os diretores de cinema seguiram o exemplo. O filme de Scorsese é um reflexo da teologia humanista de nosso tempo. As pessoas não devem protestar apenas pelos excessos, mas devem se aprofundar nas raízes: a negação da verdade da Bíblia.

Tentado em todos os aspectos

Devemos lembrar que nosso Senhor Jesus Cristo realmente sofreu todas as tentações possíveis. Em Hebreus 4.15, lemos:

“Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado.”

Isso significa que nosso Senhor também enfrentou tentação sexual. No entanto, Ele não cedeu nenhuma vez a essa tentação, nem mesmo em Seu coração, pois lemos: “mas sem pecado.”

Sabemos que nosso Senhor Jesus Cristo no Getsêmani experimentou grande tristeza e ficou profundamente perturbado com a perspectiva de Seu sofrimento final, mas nunca foi um Messias relutante, pois sempre dizia: “Seja feita a tua vontade.” (Mt 26.39,42).

Não sabemos exatamente o que aconteceu na mente de Cristo quando Ele estava pendurado na cruz. Sabemos que Ele estava sozinho na desolação, abandonado por Deus, na agonia infernal. No entanto, Ele não estava ocupado com fantasias de como poderia ter sido sua vida, mas concentrado em Sua obra sacrificial, pela qual ainda receberia a ira de Deus e garantiria a vida para Seu povo.

É um erro fundamental pensar que “a luta de Cristo é da mesma maneira que todos nós lutamos”. Sua luta foi de vitória sobre o pecado e a morte. Seu sofrimento foi único. Sim, Ele sabe pelo que estamos passando. Mas não porque Ele seja, de alguma forma, pecaminoso. Ele conhece o poder da tentação e a doçura da vitória como ninguém mais. Pois Ele é Filho do homem e Filho de Deus, e não há ninguém como Ele. A falha mais profunda do filme “A Última Tentação de Cristo”, é que ele faz de Cristo um homem comum, com extraordinárias obsessões. Assim, nega que Ele seja nosso único Salvador.

Notas:
¹ Revisão no registro Kitchener-Waterloo, 11 de agosto de 1988 por Amy E. Schwartz (The Washington Post).
² Entrevista Kitchener-Waterloo Record, 11 de agosto de 1988.
³ Maclean’s, 15 de agosto de 1988.
4 Entrevista, Kitchener-Waterloo Record, 11 de agosto de 1988.
5 Ver meus artigos, Christ and the Cinema, em Clarion, volume 26, 1977.


Tradução: Marcel Tavares.

Revisão: Ester Santos.

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