“Cristianismo é comunista”

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“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum.” Atos 2:44

Há em nosso tempo um interesse renovado a respeito da primeira Igreja Cristã em Jerusalém. Algumas igrejas do nosso tempo gostam de apresentar a Igreja em Jerusalém como uma planta ou modelo para os dias atuais. Eles nos dizem que devemos voltar ao estilo de vida original da igreja primitiva. A queixa é que, ao longo dos séculos, nos afastamos muito de nossos primórdios e temos negado nossas raízes.

Esses grupos geralmente explicam a Palavra de Deus de uma maneira biblicista, isto é, sem olhar de perto o contexto de um verso ou passagem. Tudo é literalmente aplicado de maneira estrita. Isso significa que tudo o que foi encontrado na Igreja Cristã primitiva ainda deve ser a prática atual. Tais grupos não atentam para o desenvolvimento histórico posterior da igreja, como a própria Bíblia diz, mas permanecem nos perímetros de Atos 2. Algumas vezes os efeitos de tal posição são limitados; geralmente os resultados são um desastre.

Peguemos o texto acima mencionado: “e tinham tudo em comum“. A ala radical do “Movimento de Jesus” nos anos setenta (os chamados “Filhos de Deus”) fez desse uma exigência básica do Espírito para todos os tempos. Portanto, eles exigiram um modo de vida alternativo dos crentes, a vida da comunidade, onde de fato literalmente todas as coisas são “mantidas em comum” e é um pecado ter (possuir) propriedade ou posses! Tudo (até mesmo a roupa de uma pessoa) era fornecida pela comunidade e pertencia a ela. Não há posses pessoais; um dorme, come e mora na casa compartilhada. Se alguém ganhar algum dinheiro, isso é imediatamente destinado ao tesoureiro (líder) da comunidade.

Esse mesmo texto também foi usado para como uma defesa bíblica do Comunismo. Segundo eles, todos são chamados a servir a coletividade (nesse caso, o Estado) com todas as suas habilidades e posses. A comunidade tem o direito de reivindicar posses privadas se a necessidade do Estado exigir. Nessa explicação, Cristo e Marx parecem ter encontrado um ao outro.

Além do fato de que um estilo de vida comunitário mostrou-se um tanto insalubre e um terreno fértil para todo tipo de tensão, em nenhum lugar ficou provado pelas Escrituras que tal estilo de vida seja uma exigência do Senhor. Ninguém é obrigado a vender todas as suas posses pessoais e dar o dinheiro à igreja. Mais tarde Pedro diz a Ananias: “Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder?” (Atos 5:4). Ananias poderia mantê-lo ou vendê-lo, doar parcialmente ou tudo; foi sua livre escolha. O pecado de Ananias foi que ele fingiu dar tudo, enquanto, na verdade, ele dava apenas uma parte.

A comunhão da igreja não elimina a vida individual dos membros. Quem quer que faça uma lei com o exemplo de modo de vida na Igreja de Jerusalém, vai além dos apóstolos. E devemos ter um olho aguçado para a situação aqui.

A situação da primeira Igreja Cristã em Jerusalém exigiu as medidas extremas mencionadas em nosso texto. Em geral, não havia tal riqueza como hoje. Muitos que se arrependiam de seus pecados e se juntavam à congregação, também perdiam seus empregos e renda (pense em prostitutas e publicanos). No dia de Pentecostes uma grande multidão foi acrescentada à igreja, e entre eles haviam muitos necessitados. Pense a respeito do tempo e esforço envolvidos no cuidado das viúvas (Atos 6). A fim de atender a essa grande e imediata necessidade, vários membros da congregação decidiram vender (algumas de) suas posses e doar os recursos para a igreja para o sustento desses necessitados. A situação extraordinária exigiu medidas especiais.

Isso é muito mais do que organizar uma comunidade e tornar obrigatório o modo de vida comunitário. Esta é uma questão de verdadeira comunhão, de manter o ministério e apoiar os necessitados.

O curso exato dos acontecimentos em Jerusalém, como descrito em Atos 2, não é um modelo para a atualidade, ainda que possamos aprender com isso. Nós não temos que vender nossas posses hoje para sustentar os necessitados. Em nossa época e localidade é possível manter o ministério e as escolas e apoiar os necessitados, enquanto ainda temos nossas próprias propriedades. A este respeito, fomos grandemente abençoados pelo Senhor! Mas, de fato, aprendemos aqui que devemos estar preparados para ir ao limite e fazer o máximo para ajudar os necessitados. Isso permanece uma exigência duradoura na Igreja de Cristo! A este respeito, nós também temos todas as coisas em comum. Devemos buscar o bem-estar da comunhão dos santos com tudo o que nos foi dado.

É um fruto do Espírito Santo, derramado no Pentecostes, que não estamos tão ligados aos nossos bens terrenos que nos apeguemos a eles à custa da edificação da igreja e do benefício de nosso próximo. A Igreja Cristã não vive mais na atmosfera do materialismo mundano. Certamente, sabemos o valor de nossas posses, e não caímos no “espiritualismo” da coletividade, mas também não nos apegamos aos nossos bens terrenos às custas das necessidades da irmandade. Nós não fabricamos a comunhão em uma comunidade, onde todos os direitos individuais são perdidos, mas nós temos sim um olhar atento para a comunhão que prevalece sobre nossos interesses privados. Pois nossos interesses comuns são aqueles da comunhão dos santos que tem um só Cabeça, nosso Senhor Jesus Cristo.

A comunhão dos santos não é um sistema comunista, ou uma comunidade, onde não podemos ter nada de “nosso”. Mas a comunhão dos santos nasce do amor de Cristo por cujo Espírito os membros estão dispostos a reabastecer a necessidade de seus companheiros de acordo com sua capacidade.

O tempo e as circunstâncias mudam. O princípio ainda é o mesmo: nos importamos um com o outro no amor de Cristo.

Tradução: André Lima.

Revisão: Thaís Vieira.

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