Confissão Belga: Introdução, Artigo 1-2

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Geral:
Nesta lição, veremos o conteúdo geral da Confissão Belga, que servirá como guia de estudo complementar, e examinaremos os artigos de abertura.

1. A organização da Confissão Belga

A Confissão Belga, que contém 37 artigos, tem um visível esquema sistemático no qual todos os pontos fundamentais da doutrina reformada encontram um bom lugar.  A seguinte divisão muito geral pode ajudar a acompanhar o conteúdo.
Nota: Com as seguintes palavras (de difícil sondagem) não quero sugerir que a Confissão dê um completo, tratamento sistemático (num sentido dogmático) de cada assunto mencionado. Eu uso essa terminologia apenas para mostrar o traço semelhante na confissão e na dogmática reformada.
a) Teologia: sobre Deus e Sua Revelação (artigos 1-11)
b) Antropologia: sobre o homem, sua criação e perversão (artigos 12-15)
c) Cristologia: sobre o Senhor Jesus Cristo e o caminho da salvação por meio Dele –  justificação (artigos 16-26)
d) Eclesiologia: sobre a Igreja e seu Culto – santificação (artigos 27-36)
e) Escatologia: sobre o Dia do Julgamento.
Deus – Homem – Cristo – Igreja – Fim

Especialmente nas seções b-d, podemos descobrir a mesma linha principal que é apresentada no Catecismo de Heidelberg:  Pecado (Miséria) – Libertação – Gratidão.  Depravação – Justificação – Santificação.

2. A Cláusula Introdutória

 A sentença inicial, “Todos nós acreditamos com o coração e confessamos com a boca”, refere-se não apenas ao artigo 1, mas a todos os artigos da Confissão.  O Credo não é “meramente” uma declaração de doutrina, mas totalmente uma confissão de fé.
Esta sentença é tirada de Romanos 10:10
Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação.”
Coração – boca
Fé – Confissão

3. A Existência de Deus (Artigos 1 e 2)
Não podemos provar “cientificamente” a existência de Deus, embora homens como Anselmo de Cantuária tenham tentado fazê-lo.  No entanto, podemos, da glória da criação, concluir a majestade e a sabedoria do Criador. Ainda mais importante, lemos sobre Deus em Sua própria auto-revelação.  Precisamos acreditar na existência de Deus e também temos toda a razão para fazê-lo.
Nós distinguimos entre:
a) ateísmo: a crença de que Deus não existe
b) monoteísmo: a crença de que existe apenas um Deus
c) politeísmo: a crença de que existem muitos deuses
d) panteísmo: a crença de que tudo tem um caráter divino.

A fé cristã é essencialmente “monoteísta”, confessando apenas um Deus, Tiago 2:19.

4. Os Atributos de Deus (Artigo 1)

Deus se fez conhecido com muitas características maravilhosas, que denominamos de “atributos” – aquilo que pode ser atribuído somente a Deus, mesmo em contraste com o homem. Como esses “atributos” são definidos nesse contraste, eles soam “negativos” (por exemplo, invisível: não visível), mas devem ser entendidos de maneira totalmente positiva.  Basicamente, Deus é tão único que não há comparação possível.

Com quem comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com ele?”
‭‭Isaías‬ ‭40:18‬ ‭
“A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo.”
‭‭Isaías‬ ‭40:25

Adicionamos as seguintes observações:
a) simples: Deus é amor, 1 João 4: 8
b) espiritual: não do mundo material, criado João 4:24: “Deus é espírito…”
c) eterno: sem começo nem fim;  imortal Salmo 90: 2: “De eternidade a eternidade, tu és Deus”
d) incompreensível: não podemos entender completamente o divino Ser de Deus, nem Suas maiores ações e motivos mais profundos. Isaías 40:28, “Não se pode esquadrinhar o seu entendimento”. e) invisível: Colossenses 1:15, “Ele – Cristo – é a imagem do Deus invisível”
f) imutável: Deus não “muda” em Seu Ser ou caráter, mas é eternamente o mesmo.  Tiago 1:17, “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.”
‭‭‬g) infinito: Deus não pode ser limitado ou restrito
Salmo 139: 7, “Para onde fugirei da tua face?”
h) justo: Deus lida de acordo com a Sua Lei Salmos 7:11, “Deus é justo juiz”
i) bom: Não há “mal” em Deus. Mateus 19:17: “Bom só existe um”.  A “bondade” de Deus está plenamente provada no fato de que Ele enviou Seu Filho para morrer por nós na cruz do Gólgota (João 3:16).

5. O Conhecimento de Deus (Artigo 2)

 Nós diferenciamos entre:
a) agnosticismo: a crença de que Deus não pode ser conhecido
b) ceticismo: a crença de que Deus não pode “verdadeiramente” ser conhecido
c) misticismo: a crença de que Deus pode ser plenamente conhecido.

As Igrejas Reformadas confessam que Deus pode ser suficientemente conhecido nesta vida, até onde Ele se revelou, e que depois desta vida, Deus será conhecido perfeitamente. 

Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.” ‭1 Coríntios‬ ‭2:11‬ 

“Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.” 1 Coríntios‬ ‭13:12‬ 

Nós conhecemos Deus de duas maneiras:
a) pela criação, preservação e governo do universo.  Salmo 19: 2, “Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.”
‭‭ 

b) pela Sua santa e divina Palavra.  Salmo 19: 7, “A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices.”

A manifestação de Deus na criação (que revela Seu poder eterno e divindade) já deixa todos os homens indesculpáveis, mas o conhecimento das Escrituras é necessário para a salvação, Romanos 10: 14-17.

TAREFA:
Trabalho de Memória: Dia do Senhor 1, Catecismo de Heidelberg.

ARTIGO 3
A PALAVRA DE DEUS

Confessamos que esta Palavra de Deus não veio pelo impulso do homem, mas que os homens movidos pelo Espírito Santo falaram de Deus, como disse o apóstolo Pedro. Desde então, em Seu especial cuidado por nós e nossa salvação, Deus ordenou a Seus servos, os profetas e apóstolos, que entregassem sua Palavra revelada à escrita e Ele mesmo escreveu com o próprio dedo as duas tábuas da lei.  Portanto, chamamos tais escritos de escrituras sagradas e divinas.

ARTIGO 4
OS LIVROS CANÔNICOS

Acreditamos que as Sagradas Escrituras consistem em duas partes, a saber, o Velho e o Novo Testamento, que são canônicos, contra as quais nada se pode pretextar.  Esses livros estão listados na Igreja de Deus da seguinte maneira.
Os livros do Velho Testamento: os cinco livros de Moisés, a saber, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio;  Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester;  Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos;  Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Os livros do Novo Testamento: os quatro evangelhos, a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João;  os Atos dos Apóstolos;  as treze cartas do apóstolo Paulo, a saber, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom;  a carta aos Hebreus;  as outras sete cartas, a saber, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas;  e a Revelação ao apóstolo João.

ARTIGO 5
A AUTORIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Recebemos todos esses livros, e somente estes, sagrados e canônicos, para a regulação, fundamentação e confirmação de nossa fé.  Cremos, sem dúvida, todas as coisas contidas neles, não tanto porque a Igreja os recebe e aprova como tal, mas especialmente porque o Espírito Santo testifica em nossos corações que eles são de Deus, e também porque eles contêm a evidência disso em si mesmos;  pois até os cegos podem perceber que as coisas preditas neles estão sendo cumpridas.

ARTIGO 6
A DIFERENÇA ENTRE OS LIVROS CANÔNICOS E APÓCRIFOS

Nós distinguimos estes livros sagrados do apócrifo, a saber, 3 e 4 Esdras, Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, acréscimos a Ester, o Cântico de Azarias e o Canto dos Três Jovens no Forno, Suzana, Bel e  o Dragão, a Oração de Manassés e 1 e 2 Macabeus.  A Igreja pode ler e receber instruções deles, desde que concordem com os livros canônicos.  Eles estão, no entanto, longe de ter tal poder e autoridade que podemos confirmar de seu testemunho qualquer ponto de fé ou da religião cristã;  muito menos podem ser usados ​​para diminuir a autoridade dos livros sagrados.

ARTIGO 7
A SUFICIÊNCIA DA SAGRADA ESCRITURA

Acreditamos que esta Sagrada Escritura contém plenamente a vontade de Deus e que tudo aquilo em que o homem deve crer para ser salvo é suficientemente ensinado nela. Toda a maneira de adoração que Deus exige de nós está escrita nela por extenso.  Portanto, é ilícito para qualquer um, mesmo para um apóstolo, ensinar de outra maneira do que somos agora ensinados na Sagrada Escritura: sim, mesmo que seja um “anjo vindo do céu” (Gl 1.8), como o apóstolo Paulo diz. Uma vez que é proibido acrescentar ou retirar qualquer coisa da Palavra de Deus (Dt 12.32), é evidente que a doutrina é mais perfeita e completa em todos os aspectos.

Podemos não considerar quaisquer escritos de homens, por mais sagrados que esses homens tenham sido, de igual valor com as divinas Escrituras; nem deveríamos considerar o costume, ou a grande multidão, ou antiguidade, ou sucessão de tempos e pessoas, ou concílios, decretos ou estatutos, como de igual valor com a verdade de Deus, visto que a verdade está acima de tudo; porque todos os homens são mentirosos e “mais leves que a vaidade” (Sl 62.9). Nós, portanto, rejeitamos de todo o coração o que quer que não concorde com essa regra infalível, como os apóstolos nos ensinaram: “Provai os espíritos se procedem de Deus” (1 João 4.1).  Da mesma forma: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas” (‭2 João‬ ‭1:10‬).


Tradução: Alaíde Monteiro

Revisão: Thaís Vieira

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