A nossa sociedade tem se afastado de uma visão bíblica sobre a vida e a morte, a forma como as pessoas encaram os funerais e são conduzidos a eles, tem mudado com o tempo. No interesse de manter ou aumentar sua participação no mercado, as casas funerárias se ajustaram a essas mudanças e, por sua vez, formam uma força para mudar os hábitos das pessoas nas ocasiões dos funerais.
A mudança mais marcante foi a introdução da noção e atitude de “celebração da vida” no que era conhecido como “a casa do luto” (Ec 7.2). A ideia é que no funeral precisamos nos concentrar na vida e nas contribuições da pessoa e devemos ter uma atmosfera de comemoração. Essas mudanças devem nos fazer voltar os olhos à Bíblia para entender como Deus deseja que pensemos sobre os funerais.
Rituais
A Bíblia diz pouco sobre cerimônias fúnebres. A palavra funeral nem sequer ocorre na Bíblia. No entanto, há alusões bíblicas a cerimônias de vários tipos que indicam que essas existem. Como no caso de Cristo, por exemplo, visto que o sepultamento frequentemente acontecia às pressas, não houve cerimônia elaborada antes do enterro, no próprio dia de sua morte (Jo 19.31–33; 41–42). A ênfase parece estar no período do pesar e do luto após o sepultamento, durante o qual há lamentação prolongada e frequentemente “chamativa“, por meio da presença de carpideiras (p. ex., Lc 8.52).
No tempo em que a Igreja Católica Romana estava distorcendo as Escrituras, as cerimônias foram introduzidas, incluindo a celebração da missa e a expressão da crença na comunhão que ainda existe entre os vivos e os mortos. O beijo da paz também foi dado ao corpo. Após a missa, as medalhas de honra do falecido eram colocados no altar e um elogio era feito por um membro da família em homenagem à pessoa falecida — listando suas qualidades e méritos. Isso era seguido por várias orações e cânticos dirigidos ao corpo. O corpo era, então, levado para o enterro, novamente acompanhado de orações e cânticos.
Reforma
É contra esse pano de fundo da superstição romana que as Igrejas Reformadas insistiram em um enterro muito simples. Um dos primeiros sínodos (Dort 1574) decidiu que os sermões fúnebres deveriam ser interrompidos o mais cedo possível, a fim de evitar o perigo da superstição. As regiões que ainda não havia introduzido não deveriam fazê-lo. O Sínodo de Dort (1578) julgou da mesma forma e acrescentou que em lugares onde esses sermões fúnebres ainda não pudessem ser suspensos, esses sermões não deveriam ser regulares, mas apenas palavras de admoestação.
Este sínodo nem mesmo favoreceu a oração em um velório, pois muitas pessoas poderiam, (ou“culto fúnebre”), sem dúvidas, atribuir valor supersticioso a tais orações em prol da pessoa morta. O Sínodo de Middelburg (1581) decidiu que os sermões fúnebres não deveriam ser introduzidos em lugares onde tal não tivesse sido feito e deveriam ser interrompidos da maneira mais adequada em lugares onde já havia sido introduzidos.
Simplicidade
As igrejas holandesas de refugiados em Londres, na Inglaterra, tinham uma prática um pouco diferente, como fica evidente em “As ordenanças cristãs das Igrejas Holandesas de Refugiados em Londres“, escritas por Marten Micron:
- Os funerais entre nós acontecem com toda simplicidade, sem nenhuma pompa de caráter pagão ou papista. Tudo o que é feito com o corpo morto é para a instrução e conforto dos vivos e não dos mortos. Afinal, Jesus Cristo em Sua igreja não nos designou como ministros dos mortos, mas dos vivos. Depois que o cadáver for trazido para a igreja, entre os irmãos que se reunirão, o ministro fará uma breve exortação à congregação, na qual ele normalmente ensinará como, por Adão, a morte entrou e como, por Cristo, a morte foi vencida e tragada, e então ele falará sobre a ressurreição do corpo e a vida eterna. Ele também apontará para a incerteza da vida e mostrará como o Dia do Senhor virá como um ladrão. Com isso, aconselhará a todos para vigiar e orar. Se houver alguma e excelentes virtudes no falecido, então, essas virtudes deverão ser atribuídas em honra a Deus, e a congregação será exortada a seguir essas virtudes. Particularmente, a congregação será despertada para a conversão da vida. E, após esta exortação, o falecido será enterrado.
A simplicidade e o foco na confiança em Deus para essa instrução são óbvios e dignos de imitação.
Lições
À luz das mudanças que vemos acontecendo ao nosso redor, como devemos responder baseados na Palavra de Deus?
1. Devemos manter uma abordagem solene e centrada em Deus
A morte continua sendo um evento solene. Mesmo quando a pessoa era um verdadeiro cristão, a Bíblia ainda fala da morte como um inimigo (1 Co 15.26). Jesus chorou no túmulo de Lázaro (Jo 11.35). De fato, quando um filho de Deus morre, não lamentamos sem esperança. Mas, pranteamos (1 Ts 4.13). Deus está falando em toda morte. E nós devemos escutar o que Ele está dizendo.
2. Devemos rejeitar os elogios que glorificam o falecido
Como um estudante do ministério, fomos ensinados: “Ao realizar um serviço funerário, não fale sobre os mortos, mas fale aos vivos.” Este é um bom conselho! Muitas meias-verdades e flagrantes mentiras são faladas em separações e funerais. Aqueles que silenciam para com os mortos, e se dirigem aos vivos com o evangelho, evitarão muitas tentações.
Isso não quer dizer que um “velório não deva ser uma ocasião para falar sobre a morte e a esperança cristã em termos gerais”. Algumas palavras apropriadas podem ser ditas com referência à pessoa que morreu e cujo corpo está prestes a ser enterrado. Mas, fazê-lo apropriadamente, é muito difícil. Deve ser feito adequadamente com muita restrição. Precisamos observar a linha entre o afeto grato e a superficialidade sentimental. Pode ser difícil definir, mas, devemos saber a diferença e não cruzar a linha. Alguém disse assim: Por que se concentrar em uma flor que floresceu apenas por uma estação, quando você pode fixar a atenção no arco-íris da misericórdia de Deus que se estende de eternidade a eternidade?
3. Devemos nos concentrar no evangelho na vida e na morte
Estamos cercados pela morte. Mas, para aqueles que temem o Senhor, também é verdade que, quando vão ao sepulcro para enterrar seus mortos, a Palavra de Deus segue em frente e fala de vida. De fato, o nascimento de um filho e a morte de um ente querido é “um assunto de família”. No entanto, a família cristã é um membro da congregação do Senhor. Um velório, no qual um ministro do Evangelho prega a Palavra, não é contrário ao Artigo 65 da Ordem da Igreja, se nesse serviço o Evangelho for proclamado e a pessoa falecida não for elogiada.
Não há outro lugar onde a seriedade da vida torna-se mais clara do que onde se confronta os vivos com a morte. Mas, em nenhum lugar, o Evangelho se destaca mais claramente do que onde é proclamado com toda a seriedade que “o salário do pecado é a morte; mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).
Tradução: Morgana Mendonça.
Revisão: Ester Santos.
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