
Sem dúvida, nenhum autor cristão do século XX tem sido mais amplamente lido sobre o assunto de apologética do que C. S. Lewis. Títulos como Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz, Cristianismo Puro e Simples, As Crônicas de Nárnia, O Grande Abismo são amplamente lidos e celebrados. Essa é, certamente, uma verdade nos amplos círculos evangélicos, mas tem sido cada vez mais verdade nos círculos reformados, inclusive no nosso. Muitos jovens acham a escrita de Lewis tão clara e convincente que facilmente estimam-no mais do que a teólogos e escritores mais próximos da tradição reformada. De fato, há muito de atraente em seu trabalho. Mais significativamente, ele parece ser uma respeitável voz contra a racionalista e naturalista maré do modernismo, encontrada vigorosamente pelos jovens nos Colégios, Faculdades e Universidades. Lewis oferece uma alternativa convincente para o desenfreado ceticismo e niilismo da nossa era. Dificilmente os jovens encontrarão uma tão lúcida posição entre os teólogos reformadores, pelo menos que tenha a mesma respeitabilidade nos círculos acadêmicos.
Inicialmente, deve ser dito – tristemente – que Lewis é inconsistente acerca das doutrinas da graça. J. I. Packer observa a ironia em que Lewis se tornou o herói dos evangélicos modernos, enquanto o próprio Lewis não foi (estritamente falando) um deles. Packer aponta que a sua doutrina da expiação é concebida como uma simples “penitência arquetípica”, ao invés de uma “substituição penal”. Ele nunca defendeu a doutrina justificação pela fé; estava confortável com a regeneração batismal; e tinha uma visão severamente comprometida de inspiração bíblica. Ele ainda afirmou a doutrina do purgatório e manteve aberta a possibilidade de, no fim de todas as coisas, haver salvação para os incrédulos. Essas questões levaram o falecido Martyn Lloyd-Jones a duvidar de se Lewis era verdadeiramente um cristão. Na verdade, essas questões são tão significativas que se pode perguntar se Lewis tem algum valor para a Igreja Reformada. No entanto, existem verdades cristãs que compartilhamos com Lewis, como fazemos com teólogos como Tomás de Aquino, com quem também diferimos em questões como a salvação e os sacramentos. Homens como Lewis e Aquino podem contribuir para a nossa compreensão sobre teologia e cristologia, por exemplo.
A área da apologética é potencialmente uma dessas áreas. Ainda enquanto ateu declarado, Lewis experimentou um desencanto gradual com o modernismo e abraçou a fé cristã. Ele dedicou seu talento e energia em livros como O Regresso do Peregrino (1933). Esse pequeno volume abriu um fluxo de livros de trinta anos sobre apologética e discipulado cristãos. Entre 1933 e sua morte, em 1963, C. S. Lewis procurou conduzir ateus e agnósticos em direção à fé, e encorajar e nutrir os crentes, e ser conhecido como um “evangelista literário”. Mais tarde, ele admitiu: “A maioria dos meus livros são evangelísticos”. Em 1952, ele escreveu: “Desde que eu me tornei um cristão, pensei que talvez o único serviço que eu pudesse fazer para os meus vizinhos não crentes era explicar e defender a crença que sempre foi comum a quase todos os cristãos”.
Observe as seguintes características da apologética de Lewis:
1. Lewis procurou despojar a incredulidade de seu suposto prestígio. O próprio Lewis chegou ao cristianismo por uma séria investigação da verdade. A premissa do Problema da Dor, dos Milagres e do Cristianismo Simples é que a razão, devidamente empregada em uma investigação aberta de fatos sem o impedimento de suposições anteriores, deve levar à conclusão de que Deus existe. No entanto, Lewis toca outra música. Na verdade, ele consente com a possibilidade de que alguém possa rejeitar o cristianismo, depois de uma livre investigação. Sócrates, por exemplo, nunca se tornou um cristão. É precisamente nesse ponto que algumas das suas tendências universalistas se destacam. Em seu livro God in the Dock, Lewis afirmou que “a rejeição honesta de Cristo, por mais equivocada que seja, será perdoada e curada” (p. 171). Claramente, ele aqui é aqui conduzido por uma revelação especial, completamente fora de contexto (bíblico). A Escritura nos diz que o homem natural não compreende as coisas de Deus (1 Coríntios 2.14). Por outro lado, porém, Lewis afirmou que ele tem uma série de razões objetivas para a crença em Deus, que não podem ser ignoradas. Ele combatia fortemente a ampla ideia de que a fé cristã era intelectualmente inferior ou cientificamente absurda. Os argumentos para a existência de Deus ocasionaram um grande debate ao longo da história. Eu acredito que podemos dizer, com segurança, o seguinte: o mundo simplesmente não pode ser explicado sem Deus.
Lewis argumenta: o fato de que o mundo é compreensível para nossa mente implica que ele não pode ser produto de acasos ou evolução. Nesse caso, teríamos que dizer que comecei a pensar do jeito que penso, puramente porque minhas células cerebrais começaram a funcionar de certa maneira. Então não sei se é verdade o que penso. No entanto, eu sei, argumenta Lewis, se minha mente (como também o mundo) foi criada por um Deus, que é a Razão mais elevada. Lewis usa um raciocínio semelhante em relação ao nosso sentido do bem e do mal. Se fossem produto de acaso e/ou evolução, bem e mal seriam irrelevantes e não existiriam normas e valores que são comumente válidos.
2. Lewis desejou descobrir os problemas em sua essência. Isso é claramente ilustrado pelo modo como ele defende a divindade de Jesus Cristo. Ele coloca o leitor dos evangelhos no seguinte dilema: desde que Cristo se considera como o Messias, como o Filho de Deus, existem apenas duas possibilidades: ou ele está certo, e então devemos vê-Lo como o Filho de Deus; ou ele é um “megalomaníaco”, o que seria impossível para nós considerá-lo como um grande mestre moral ou um exemplo de alto padrão a ser seguido. Assim, pois, Cristo estava muito enganado ou – pior ainda – ele nos enganou. Em outros lugares, ele escreve o seguinte: “O cristianismo, se falso, não tem importância e, se verdadeiro, importância infinita. A única coisa que não pode ser é de importância moderada”. Claramente, o argumento de Lewis não prova nada, mas ressalta nitidamente como é absurdo ignorar o Cristo da Escritura. Aqui, ele exemplifica o porquê da Escritura chamar o ateu de néscio (Sl 14.1).
3. Lewis sublinha magistralmente o grande uso da fé. Em 1 Coríntios 15, Paulo argumenta a vantagem da crença na ressurreição, decorrente da veracidade dela. A verdade é útil. Pode-se fazer caso disso sem cair num utilitarismo pragmático, onde a verdade é julgada pelo uso que possui. Em vez disso, pode-se simplesmente dizer que Lewis mostra como a verdade tem um desdobramento prático. Originalmente, nós fomos criados para crer. Agora que estamos caídos e não cremos, estamos inquietos e somos inúteis, para dizer o mínimo. Pela fé, tornamo-nos, em princípio, úteis, e tudo ao nosso redor passa a ter um uso adequado novamente. Pense em Onésimo, de quem Paulo escreve que “Ele, antes, te foi inútil; atualmente, porém, é útil, a ti e a mim” (Filemom 1.11).
Em conclusão, portanto, a apologética de Lewis teve como objetivo privar a incredulidade do seu prestígio, descobrir as questões em sua essência, e mostrar a grande utilidade da fé. Embora certamente se possa dizer mais sobre apologética, também podemos aprender pelo menos esse tanto da abordagem da apologética de Lewis.
Artigo publicado originalmente na Revista Diakonia (Canadá), 2002.
Tradução: Beatriz Sales.
Revisor: Dr. Gerson Júnior.
O website revistadiakonia.org é uma iniciativa do Instituto João Calvino.
Licença Creative Commons: Atribuição-SemDerivações-SemDerivados (CC BY-NC-ND). Você pode baixar e compartilhar este artigo desde que atribua o crédito à Revista Diakonia e ao seu autor, mas não pode alterar de nenhuma forma o conteúdo nem utilizá-lo para fins comerciais.