O Seminário Teológico Reformado Canadense finalmente se tornou canadense. Não se trata de dizer “eh”, mas é quase isso. Se você é canadense, você entende. Aqui está a história: Um ano atrás, no STRC, lemos a edição on-line de um estudo de Harvard na revista Social Psychological and Personality Science. Ela dizia que as estatísticas mostram que pedidos de desculpas supérfluos demonstram uma preocupação empática e aumentam a confiança.1 Em termos leigos: os autores descobriram que as pessoas que dizem “desculpe-me” sobre tudo têm maior probabilidade de serem tidas como confiáveis e agradáveis. Se você pedir a um estranho: “Posso pegar seu celular emprestado?” ele provavelmente dirá que não. Mas se você se desculpar e disser: “Desculpe-me. Posso usar seu celular por um momento?” ele será mais propenso a emprestar. Bem, somos canadenses, queremos que nossos acadêmicos sejam simpáticos, lamentamos exigir isso até mesmo de nossos estudantes estrangeiros, mas a partir de agora todos os alunos devem seguir o nosso curso em apologética.
Quando você vê a palavra “apologética”, você imediatamente percebe a palavra “apologia” dentro dela. Mas, por acaso, o alcance semântico da palavra “apologia” varia de dizer “desculpe-me” à dar uma explicação racional e defesa daquilo que você acredita. É claro que o último significado é que vamos discutir agora.
O tema é adequado porque, de janeiro a maio de 2014, o primeiro curso de apologética foi elaborado e ensinado na STRC. Nós realmente tivemos bons momentos juntos enquanto considerávamos a base bíblica da apologética, suas variedades, sua história, e temas especiais, como que tipo de terreno comum existe entre cristãos e incrédulos (para o qual Herman Bavinck é útil) e qual é a crítica transcendental de Cornelius Van Til. Depois disso, desenvolvemos respostas para objeções selecionadas levantadas contra a fé cristã. O exame final consistia em um exame oral de trinta minutos para cada aluno, no qual eles tinham que contestar objeções e dar explicações para a esperança que havia neles. Em outras palavras, eles tinham que praticar apologética.
É exatamente isso que nossa leitura da primeira carta de Pedro nos insta a fazer. Sua admoestação é o tema deste artigo.
“Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós.” (1 Pedro 3.15)
Quando Pedro escreve que devemos dar uma resposta para nossa esperança, ele está dizendo que nossa esperança – que está segura em Cristo – tem explicações. Nós podemos fornecer a razão de nossa esperança quando alguém nos pede. A ideia é que, quando fazemos uma defesa, podemos dar explicações, validações, exposições, justificativas, análises ou razões para nossa esperança. Nossa esperança não é irracional, ilógica, além das palavras, misteriosa, inexprimível ou inexplicável. Pelo contrário, podemos dar uma exposição e devemos estar sempre preparados com razões. Negativamente, você pode responder a objeções. Positivamente, você pode argumentar em favor da sua esperança. Se você possui a verdade, então, por sua própria natureza, ela é racional e sujeita a explicação. O apóstolo não está dizendo que podemos ter um conhecimento abrangente de todos os aspectos da fé. Muitas coisas estão além do nosso entendimento. No entanto, não devemos temer, mas estar sempre preparados para dar uma resposta ou defesa a qualquer um que nos peça a explicação da esperança do nosso coração. Essa é a mensagem básica da Palavra de Deus aqui.
O texto apresenta (1) Cristo é Senhor, (2) nossa esperança, (3) pessoas perguntando a razão de nossa esperança, e (4) nós apresentando uma defesa, fornecendo a razão ou explicação.
1) A declaração inicial de que Cristo é Senhor é projetada para reforçar nossa convicção. Quando alguém nos ameaça – seja ele nosso vizinho ou nosso rei – sabemos que temos um Senhor maior, muito mais poderoso do que eles. De fato, estamos tão intimamente ligados a Ele que podemos agir com clemência (Fp 4.6) e mansidão (1 Pe 3.16), prerrogativas de um rei. Eles podem nos perseguir, mas na verdade o poder e autoridade superior estão do nosso lado. Ele a tudo vence, seja com amor ou com justiça. Santifique em seus corações o seu Messias, o Cristo, como seu Mestre. Ninguém é maior.2
2) A próxima apresentação, nossa esperança, é algo muito importante nas cartas de Pedro. Já em 1.3 ele escreve como o Pai “nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos“. Com o novo nascimento, você chega ao que poderíamos chamar de a família da viva esperança. A esperança é viva porque Cristo vive. A esperança é o que está à nossa frente. Cristo abriu o caminho para a nova criação. Hebreus 6.18 diz que os crentes correm para se apossar da esperança que nos é proposta. Colossenses 1.5 fala da esperança preservada para nós no céu. Essa esperança não é um desejo, como “espero que não chova esta noite”. Não é apenas um sentimento ou algo em sua cabeça, mas algo real, externo a você. Essa esperança já existe em plenitude em Jesus Cristo. Em 1 Pedro 1.4 esta esperança é paralela a “herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros“. Essa esperança não é um mero desejo, mas uma realidade. Nada pode atacá-la. Não importa a nossa situação como peregrinos aqui na terra, a esperança é certa e imutável. A fé avança para ela.
De fato, mesmo agora essa esperança é nossa. A versão NVI de 1984 diz que é “a esperança que vocês têm“. O grego original é mais forte, “a esperança que está em vocês“. Não significa simplesmente um sentimento interior. A esperança é viva porque Cristo vive. Ele está no céu. Mas pela fé ele está vivo em nós também. Assim como nós o santificamos como o Senhor “em nossos corações“, assim também esta esperança – focada em Cristo – está dentro de nós. Cristo está em nós pelo seu Espírito. Ele é nossa esperança.
3) Essa esperança é tão real para nós, tão forte, que afeta a maneira como vivemos diariamente. Uma vida com a fundação de esperança suscita perguntas. Cristo está em nós pelo seu Espírito, Ele nos guia ao futuro, e assim vivemos como se pertencêssemos a outro lugar onde a justiça, a paz e o amor governam. Nós nos submetemos à autoridade. Vivemos o casamento de uma maneira santa e feliz. Nós amamos uns aos outros e aos outros. Até mesmo sofremos por nossa ânsia de fazer o bem. Fazemos isso para a glória de Deus. Tudo isso nos faz resplandecer como estrelas neste mundo tenebroso, estrelas que se aquecem e refletem a maravilhosa luz do Senhor (Fp 2.15; 1 Pe 2.9). Em todos os tipos de situações, sempre que alguém perguntar sobre a esperança que há em você, ou por que você resplandece dessa maneira, você deve dar uma explicação, defender seu Senhor e sua Palavra, mostrar como seu modo de vida faz sentido na perspectiva da fé em Cristo.
Até aqui, então, temos Cristo como Senhor, uma esperança segura dentro de nós e um novo modo de vida que suscita questões. E quanto a nossa resposta?
4) A partir de nossa esperança, devemos dar uma defesa ou uma resposta, uma explicação. A palavra grega é apologia, daí “apologética”. Uma vez que é uma esperança viva que foi obtida através da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos (1.3), o cerne da nossa defesa será sobre a sua ressurreição.
Esta resposta ou apologia é a palavra usada em grego para uma defesa oficial num tribunal. Paulo, apóstolo companheiro de Pedro, fez várias dessas defesas (Fp 1.7, 16; 2 Tm 4.16). Ele apelou para César. Isso mostra que a defesa que Pedro tem em mente é convincente e racional. Nossa fé não é um mistério secreto, mas é proclamada desde o topo das montanhas, verificável na história e racionalmente coerente. Uma defesa num tribunal implicaria tudo isso. No entanto, Pedro aplica sua exortação a todas as ocasiões e circunstâncias, sempre que nosso estilo de vida externo a este mundo dá origem a perguntas. Explicamos que vivemos assim por causa de Cristo, nossa esperança.
Quando damos uma defesa, estamos, assim, falando sobre Cristo. A razão para a esperança que está em nós é a explicação, justificação ou reivindicação da forma como agimos. Nós não somos irracionais por suportar a perseguição; antes, tudo é muito razoável, pois nossas vidas vão muito além desse mundo visível. Temos uma fonte de poder que está fora desta terra. A fé está apegada a uma esperança tão segura que até temos alegria no meio do sofrimento. Nossas respostas são arrebatadoras para os incrédulos, mas bastante justificadas e razoáveis à luz da obra miraculosa de Cristo.
E, no entanto, por mais razoável que seja ninguém pode aceitar essas razões, a menos que creia. A fé vem primeiro. Quando damos uma razão para a esperança que está em nós, tanto a esperança quanto a razão para isso estão em Cristo, e ambas são questões de fé.
Isso significa que a apologética se limita a pregar o Evangelho? Afinal, a pregação produz a fé, como Pedro também nos recorda em 1.22-25. Esta é uma pergunta importante, pois, se a apologética está limitada à pregação, não temos justificativa para torná-la um curso separado no STRC. Como a apologética se diferencia da pregação? Bem, Pedro imagina que ela é usada em todos os tipos de situações por todos os cristãos, não apenas por pregadores no púlpito. Ela também é interativa e cheia de razões. Espera-se que cada um de nós seja um apologista, pois ele nos exorta a estarmos sempre preparados. Todos nós devemos saber o porquê de termos uma esperança em Cristo. Nosso modo de vida não deve ser apenas um costume sem sentido, um mero hábito, uma rotina. Devemos entender o Evangelho. A razão de nossa esperança deve ser convincente o suficiente para tornar nossos oponentes envergonhados por causa de suas calúnias, como Pedro escreve no versículo 16.
A pergunta para nós é: conhecemos o evangelho? somos capazes de defender a nossa fé? Estamos equipando-nos para isto? Esta esperança que vocês têm, meus irmãos e irmãs, pode ser investigada e estudada, conhecida melhor e muito desfrutada e, portanto, também explicada e exposta para outras pessoas. Você já fez isso? Sua vida é radical o suficiente para dar origem às perguntas? Haveria provas suficientes num tribunal para declarar você como um cristão? Essas são perguntas sérias que todos nós precisamos ponderar.
Também devemos nos perguntar o quanto realmente nos deleitamos no evangelho. Ele é realmente sua esperança? A sua vida real é o seu filé mignon com uma taça de vinho Cabernet Sauvignon? Você vive para esse cruzeiro anual de férias ou Jesus Cristo é sua esperança? Todos podem conversar por horas sobre quais são suas paixões. Então a pergunta para nós é se Cristo, como Senhor, é realmente pelo que estamos apaixonados. Ele é realmente sua esperança? Você vive como se sua real fonte de vida fosse de uma esfera diferente, de Cristo, e nesse sentido você é um estranho aqui? Você se deleita nele como nada mais? Se você puder dizer sim, tenho certeza de que também pode expor essa esperança. Você pode fazer apologética. O Espírito Santo lhe auxiliará, como Jesus prometeu, especialmente em tempos de tensão e perseguição (Mt 10.19-20). Qualquer que confessar Jesus diante dos homens será confessado por Jesus diante de nosso Pai no céu, mas quem o negar será negado (Mt 10.32-33). Com toda a seriedade da santa vocação com que Deus me impôs, eu pergunto a mim e a todos vocês: “Jesus Cristo é sua única esperança neste mundo?” “Há evidência de que você nasceu de novo para uma viva esperança?” Eu oro para que você progrida nesta questão, como eu também devo. E eu lhe ordeno, assim como Pedro, esteja “sempre preparado para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós.“
Se Deus foi gracioso conosco, agora entendemos não apenas o sentido do texto, mas também seu significado para nós.3 Mas ainda, há algumas reflexões adicionais a respeito da apologética.
Notas:
1 Alison Wood Brooks, Hengchen Dai e Maurice E. Schweitzer, “Desculpe pela chuva!: Desculpas supérfluas demonstram preocupação empática e aumentam a confiança”, em Social Psychological and Personality Science 5:4 (maio de 2014), 467-74 (publicado online pela primeira vez em 26 de setembro de 2013).
2 Parece haver um pano de fundo do Antigo Testamento para 1 Pedro 3.14-15 em Isaías 8.12-13. Pedro aqui aplica igualmente a Cristo o que, em Isaías, referia-se em Isaías a Yahweh. Isaías 8.14 foi usado por Pedro também em 1 Pedro 2.8.
3 Para a distinção entre sentido (possível para todas as pessoas) e significado (possível somente para o regenerado) no que diz respeito às Escrituras, ver William W. Klein, Craig L. Blomberg, Robert L. Hubbard Jr., Introdução à Interpretação Bíblica, rev. ed. (Nashville: Thomas Nelson, 2004), 136-7, 153, 172, 176.
Tradução: Gabriel Reis.
Revisão: Ester Santos
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